quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Mané tenta acessar a conta que é obrigado a ter no Banco do Brasil. Último dia útil bancário, certa urgência e o site trava. Uma, duas, três, oito vezes. Mané tenta destruir o mouse, quer cuspir na tela do computador, nada! Ele resolve então ligar para o telefone do callcenter e é atendido, surpresa, imediatamente. Mané já prevê que vai ficar horas mudando configurações, liga, desliga, atualiza o Java, limpa as cookies e os cachês, um pé no saco. Ao invés, vem ao telefone uma moça que tem a voz agradável e lhe pergunta como pode ajudar. Mané conta a história e a moça pede para ele esperar um momento e um momento depois ela volta e faz duas ou três perguntas protocolares e depois, parecendo satisfeita, diz para Mané que isso já aconteceu quatro vezes com ela hoje e então ela queria saber se Mané precisava mesmo acessar a conta do Banco do Brasil. “Oi?”, Mané respondeu. O Sr. precisa mesmo acessar a conta hoje. Mané teve ganas de lhe perguntar o que, afinal, ela tinha a ver com isso, que fizesse seu trabalho e atendesse ao cliente necessitado, aquela ladainha de ódio tão conhecida, mas ao invés disso Mané perguntou: “Por quê?” Ao que a moça disse que o sistema estava ruim naquele dia, que era dia 28/12, que estavam todos, pessoas e computadores cansados, inclusive ela. Mané que não acreditava no que ouvia, fez um exercício zen e pensou se precisava mesmo acessar aquela conta hoje e chegou à conclusão que não, não precisava de verdade entrar no Banco do Brasil, uma conta que só usava uma vez no início do mês e disse pra ela que tudo bem, ia esperar tudo e todos ficarem mais descansados. A moça então foi quem ficou surpresa e perguntou se Mané não ia xingá-la como tinham feito os outros quatro clientes que ela tinha atendido com o mesmo problema, ao que Mané respondeu que não, que não precisava muito daquele banco e daquela conta e que iria esperar até 2018. A moça então perguntou se ele a perdoava, se ele não queria fazer pelo menos uma tentativa de mudar as configurações, mas Mané recusou a oferta de ajuda e lhe concedeu o perdão magnanimamente. A moça agradeceu, tinha uma voz agradável e cansada e pediu que Mané não desligasse para avaliar o atendimento. Mané ficou em dúvida, mas aguardou na linha e, sentindo-se um idiota, deu nota dez para todos os quesitos que lhe foram perguntados. Adeus ano velho. 28/12/2017

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Nessa época do ano em que todos pensam que vão zerar o cronometro e que, quando ele voltar a funcionar, vai finalmente funcionar do melhor jeito, cada peça encaixada no lugar certo, cada botão apertado no momento exato, Mané não se ilude e sabe que ao acordar dia primeiro, as coisas vão estar ali do jeito que foram deixadas no dia trinta e um e, olha, tomara que estejam mesmo porque sabemos que numa fração de segundos tudo pode piorar. Ao invés destas esperanças estéreis e etéreas, Mané prefere dirigir seus pensamentos para todos os [poucos] amores da sua vida, com a certeza de ter amado cada uma honesta e verdadeiramente, cada uma de uma forma distinta e consistente. Vamos ver se 2018 se comporta melhor que seu antecessor. TimTim.25/12/2017

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Mané descobriu hoje que o seu cão, Milu, é mais esperto que ele.Na visita ao veterinário, verificou-se a necessidade de se fazer um exame de urina e seria melhor se o material fosse a primeira urina do dia. Mané perguntou ao doutor como realizar a proeza e o médico lhe sugeriu dois métodos, um em que se pegava a urina de cima do papel com uma seringa e outra em que se posicionava um copinho embaixo do Milu quando este estivesse a urinar. Ambos os casos pressupunham um estado de alerta para capturar a primeira mijada do dia. Depois de lançar olhares de ódio e desprezo ao médico, Mané engoliu em seco e programou-se para acordar as 4 da manhã e assim fez, munido de um cobertor postou-se na poltrona da sala a vigiar se o cão se levantava para se aliviar. O cachorro captou a movimentação estranha e postou-se ali, ao lado de Mané enquanto a madrugada virava dia. Nada de xixi, Milu ficou ali vigiando Mané que o vigiava. Às seis Mané resolveu estimulá-lo e tentou atraí-lo para o mictório com um petisco, não conseguiu, Milu ficou olhando desconfiado. Às sete, Mané o pegou no colo de depositou-o sobre o papel craft para que ele colaborasse. Milu cheirou, sentou, olhou para Mané e depois voltou para a sala. Às oito a família acordou e Mané resolveu tentar a sorte com o copinho na rua. Seria uma situação ridícula, mas, a saúde do cão em primeiro lugar. Desceram, Mané com o copinho a postos, Milu começa a fazer a dancinha do cocô, vira pra lá, vira pra cá e eis que o cão encontra o alinhamento com os astros e solta três pequenos soretes. E Mané pronto a botar um ovo, sente saudade dos dias anteriores quando a primeira coisa que o malvado faz é xixi e se desespera. Eles sobem e descem a rua três vezes, Milu olha pra Mané, Mané olha pra Milu. O cachorro para e observa o horizonte. Lá vai o vizinho, ali está aquele cachorro feio do segundo andar. E o copinho vazio. Mané senta num murinho, Milu se aconchega entre suas pernas. Às oito e trinta Milu levanta e começa a cheirar o chão, Mané fica esperançoso. Milu olha pra Mané e lhe diz: “é xixi que você quer?, ok, então pensa rápido”! E começa a se aliviar copiosamente. Mané é pego quase desprevenido, mas consegue colocar o copinho debaixo do jato e este quase transbordou. Mané acha que a mão dele ainda está cheirando, mas ali está o material, límpido e amarelo citrino, tomara que o desgraçadinho não tenha nada grave. Foram só 4 horas e meia.12/12/2017

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Mané olhou para o espelho e deparou-se com um homem grisalho com pequenas bolsas de gordura acima das maçãs do rosto que o mirava insistentemente. Mané estranhou aquela aparição no banheiro, mas, estando ele ali, Mané perguntou, “quem é você?, o que você faz aí?” Ao que o homem respondeu que ele era ele mesmo e que ali ele não fazia nada, mas em compensação, disse o homem, “eu trabalho [pouco], eu ando no parque, compro pão e comida, cuido da minha mãe, do meu filho e do cachorro, interajo intensamente com a minha família [a pequena], leio livros [não jornal, nem revistas ou bulas de remédio], preocupo-me levemente [levemente] com pessoas queridas que estão afastadas, sinto nostalgia por lugares que nunca conheci e saudades de gente morta”. E Mané insistiu: “só isso?” Então a imagem, devolvendo-lhe um sorriso largo [mas desde quando você tem essa boca torta do lado?], terminou: “eu dito essas historinhas idiotas pra você”!04/12/2017