sábado, 28 de abril de 2018

As fezes do Milu ficaram um pouco mais pastosas depois que Mané trocou a ração porque a anterior, ao contrário, estava deixando-as meio secas o que dificultava a evacuação do cachorrinho. De forma que de manhã, ao recolher o cocô do animal, ficava um resquício daquilo na calçada, algo impossível de limpar, o que deixava Mané constrangido. Mané ligou pro veterinário que o tranquilizou dizendo que assim que terminasse a transição entre rações, aquilo voltaria aos conformes. Enquanto isso, para não emporcalhar mais ainda a cidade nojenta, Mané passou a levar, além da sacola plástica, uma página de jornal. Assim quando Milu completa a dancinha da merda e se prepara pra cagar, Mané encaixa o jornal por baixo, Milu deposita o cocô encima, Mané recolhe, coloca tudo na sacola e seguem felizes pra fazer xixi e quem sabe mais o que. No primeiro dia Milu cagou encima de uma foto da Dilma. Nas seguintes foram premiados Aécio, Lula, Gilmar Mendes e Toffoli. Mané começou a curtir a coisa e, mesmo com as fezes normais, Mané continuou levando um jornal. Milu já cagou encima do Trump, do Kim Jon Ung, do Zeca Pagodinho junto com a Maria Betânia, do Alckmin e do Doria, de um general e de um anúncio da Amil. No outro dia, Mané escolheu de propósito a Gleisi e como é possível que Milu cague duas vezes, Mané pegou também uma antiga onde estavam todos os ex presidentes juntos, de Fernando Collor a Dilma. Mané anda desesperado atrás de um jornal que tenha uma foto do Lula na cadeia, um Haddad com ciclofaixas mas hoje se contentou com uma do Temer de mau humor. Ficou em dúvida se levava uma foto do metrô lotado com falha na estação Armênia, mas essa ele vai deixar para amanhã, afinal, Milu caga todo dia.27/04/2018

sábado, 21 de abril de 2018

Matzá é o nome de uma bolacha assada sem fermentação, sem sal e sem gosto que os judeus são obrigados a comer durante as festividades de Pessach, a páscoa judaica, quando se comemora a saída dos judeus do Egito, liderados então pelo seu mentor, Moisés, tudo isso para explicar porque em todas as casas de judeus na atualidade, a essa época do ano, existe um grande estoque desse bolachão, também conhecido como pão ázimo. Ocorre que o sobrinho de Mané, Hassan, passadas já algumas semanas da festa, ainda mantinha em sua posse um pequeno volume desta iguaria e perguntou ao grupo familiar do whatsapp se algum dos membros estaria interessado no butim e, como essa comida só se come porque se é obrigado, ninguém quis. Exaltado, Hassan ameaçou jogar tudo fora e a mãe de Mané, Sara, disse que aquilo era pecado que se ele não queria o Matzá, que o desse a um pobre morto de fome. Neste sábado pela manhã, Hassan levou o pacote para casa de Sara onde já se encontrava Mané, Anuar e Salma. Todos buliram com o garoto porque entre esse dia e o dia em que ele tinha ameaçado jogar tudo fora, muito tempo havia passado e num rompante, Mané, quando se preparava para sair, pegou toda a Matzá, embrulhou bem embrulhadinho num saco e resolveu entregar para o primeiro pobre que encontrasse na rua, coisa nada difícil nesta cidade. Numa ladeira do Bixiga, Mané se depara com um pequeno ajuntamento de miseráveis, encosta o carro e pergunta se eles querem um pacotão de bolachas água e sal, que nome ele daria àquilo a esse público? Uma das pessoas, andrajosa e faminta, se acerca, pega o pacote e olha para o produto com olhar inquiridor e declara que aquilo não é bolacha água e sal. Mané, já alarmado com o ajuntamento, diz que “nãããão, é só parecido”, enquanto outros três já ao lado começam a bradar que nem sabiam se aquilo era comida, que onde já se viu dar aquilo só porque eles eram mortos de fome e quando Mané começou a achar que tinha entrado numa fria, soou uma voz alta de mulher lá de trás: “calem as bocas, ignorantes!” Todos se voltaram para a mulher negra e alta que continuou: “isso aí é pão judeu, o pão que deus deu aos escravos para fugirem no deserto, vocês são muito burros, isso aí é comida sagrada”! Os ânimos começaram a se acalmar e Mané já estudava um jeito de se escafeder quando um menino que já mordiscava um pedaço do Matzà se acercou da janela de Mané e lhe disse que a comida podia ser sagrada, mas era ruim pra caramba, se Mané sabia o que fazer para melhorar o gosto daquilo e Mané, já acelerando, perguntou: “você sabe o que é harosset*”? *Harosset é um doce (parecido com goiabada na cor e consistência, mas não no gosto), mistura de frutas secas, tâmaras, uvas passa e nozes, que se come acompanhado de Matzá durante o pessach e lembra a argamassa usada pelos escravos judeus no Egito para fazer os tijolos utilizados em construções. 21/04/2018
Os vizinhos de garagem de Mané, um jovem casal que tem dois filhinhos, são a imagem viva da dedicação à família. Estão sempre na correria, carregando os filhos pra cima e pra baixo, os braços sempre lotados de mochilas, sapatinhos, malhas e brinquedos, resfolgando pelo prédio e pelas ruas do bairro. Salma e Mané sempre se admiram com a dedicação do casal, duas pessoas jovens, simpáticas e gordinhas. Num fim de tarde desses, Mané adentra à padaria com Salma, Samira, Anuar e Milu e enquanto estão se ajeitando, Samira comenta baixinho: « mãe, essa não é a vizinha super dedicada? », apontando para o lado onde está sentada a mãe das crianças comendo um enorme misto-quente, sozinha. Salma estranhou, nunca ninguém tinha visto a moça consigo mesma e ninguém mais comentou o assunto. Hoje, Mané foi com Anuar buscar uma pizza na pizzaria da esquina e enquanto esperava vê o pai das crianças chegar ao local, sozinho. O sujeito acena pra Mané, que acena de volta. O rapaz olha o cardápio e encomenda duas pizzas e depois senta numa mesinha e pede uma cerveja grande que abre e começa a tomar vagarosamente com evidente prazer. Depois, quando Mané já saía com seu pedido, o rapaz se dirige ao atendente: « Zé, mais uma cerveja e pede pro pizzaiolo fazer as pizzas bem devagar ». Mané saiu de lá pensando nas delícias da vida em família e antecipava as gargalhadas que Salma daria o que, de fato, aconteceu.20/04/2018

domingo, 15 de abril de 2018

Mané está à mesa com Salma terminando o desjejum. Mané percebe que Salma pensa e quer dizer algo. Então Mané diz: « o que foi »? Salma ainda remoendo, Mané não sabe se é o último pedaço de pão ou se o pensamento, responde: « essa história de publicar coisas a nosso respeito, isso não está certo ». Continua: « pessoas me encontram e perguntam como foi que terminou este ou aquele assunto, tudo foro íntimo e eu sempre sou pega de surpresa ». Mané toma mais um gole da xícara para ganhar tempo. Ela continua: « como você reagiria se eu desfiasse para todos o seu mau humor e hipocondria, só pra citar duas coisinhas? Se eu contasse pra todos da agonia que é te aguentar quando o cachorro está doente ou das suas exigências absurdas de entregar o imposto de renda no primeiro dia e da sua obsessividade e terrorismos permanentes sobre desgraças que estão por vir »? Mané diz: « esses textos são apenas licenças poéticas e esses defeitos estão todos confessados...» e Salma interrompe: « exijo direito de resposta »! E então Mané, magnânimo, ofereceu: « escreva o que quiser, a mesma pessoa que me pública, publicará os seus ». O silêncio caiu sobre o recinto e, como de hábito, Mané fez um cafuné no cão e levantou-se para lavar a louça do café. Entremeados com o barulho da água que caia da torneira, Mané escutou os passos silenciosos de Salma a se afastar.15/04/2018
São 17hs. Mané chega em casa, despe-se de suas vestes e coloca um tênis e um short. Não há mensagens no celular e o cachorro olha aflito. Salma põe a coleira, Mané pega um saco que vai demorar 499 anos para se decompor e Anuar tranca a porta. Na tarde com temperatura amena vão os três caminhando pela rua aprazível conversando sobre as mesmices do dia. Milu faz seu xixi no poste habitual, Salma acha que deveriam trazer uma garrafinha de água para aspergir enquanto Mané faz um muxoxo. Salma sorri condescendente, Mané lhe faz um afago nas costas. Seguem pela esquina que os leva à padaria, sentam-se numa mesa do lado de fora. O atendente pergunta se vai ser o de sempre, Anuar diz que vai querer um picolé e pouco depois aterrissam à mesa um café com leite, um puro, uma porção de pão de queijo e um chicabom. Milu gosta de pão de queijo. Desfrutado o momento de extrema paz, Mané se levanta para pagar e deixar uma caixinha que garanta ser chamado de doutor no dia seguinte também e na volta, eis que Milu começa a fazer a dancinha do cocô e, depois de devidamente alinhado com os astros, deposita no chão solenemente dois ou três soretes que são devidamente apanhados por Mané que faz uso da sacola pouco ecológica. Salma acha que deveriam utilizar jornal, Mané faz um muxoxo, ela sorri condescendente e ele lhe faz um afago nas costas. Pouco depois chegam em casa, Milu dispara pra dentro e eles, cada qual separadamente, vão cuidar das suas vidas.09/07/2018