sábado, 21 de outubro de 2017

Quando Mané era jovem, trabalhou durante 8 meses numa pequena indústria de bijuterias para ganhar um dinheiro pra ajudar na viagem que fez para Israel, onde passou um ano. Mané foi contratado como faturista, segundo o proprietário, porque tinha letra bonita. Mané passava 4 horas por dia faturando pedidos de todo o Brasil, à mão, em blocos de notas fiscais com muitas vias e tinha que escrever bem apertado para que as letras saíssem claras no carbono até a última via. Depois, uma vez por semana, Mané tinha que organizar todo o faturamento e enviá-lo ao contador, tarefa que consistia juntar as vias rosas com as vias rosas, as azuis com as azuis, as verdes com as verdes e assim sucessivamente. Um dia desses, já com o saco cheio do trabalho e dessa organização em cores, sentiu calor e abriu a janela para respirar o ar de fora depois de uma chuva de verão, quando bateu um pé de vento que espalhou e embaralhou todo o trabalho que ele tinha quase acabado. Mané fechou a janela e fez tudo de novo, chegou tarde em casa naquele dia e avisou os pais que pediria demissão no dia seguinte, depois de sua mãe ter garantido que, se faltasse dinheiro pra viagem, ela completaria o montante. Não precisou. Na vida atual tem acontecido a mesma coisa: Mané escreve as notas, separa e organiza por cores e aí bate um vento e embaralha tudo. Mãe....21/10/2017

domingo, 15 de outubro de 2017

Mané, certa vez, andou de chamegos com uma moça magrinha. Antes de tudo começar Mané achava impossível ficar confortável naquele corpo cheio de ângulos. Amigos abraçavam-se na chegada ou na saída e Mané tinha certeza que nuca iria gostar de se refugiar nas linhas retas da garota. Pouco tempo depois a coisa já funcionava de outro jeito e os abraços foram se tornando mais quentes e Mané se lembra de ter esquecido que ali só havia pontas e passou a apreciar os recônditos cartesianos da garota. O romance floresceu, Mané passou muitos meses naquele refúgio que agora achava mais que aconchegante. Mas, tudo acaba, e chegou um dia que Mané sentiu uma pontada quando a enlaçou com os braços. Mané tentou ajeitar de um lado, depois do outro, mas o cutucão continuava lá. Naquele dia Mané a deixou com a certeza de que o idílio tinha chegara ao fim, tinham perdido a embocadura, a garota tinha recuperado as arestas, the end. 15/10/2017

domingo, 1 de outubro de 2017

Mané entra numa padaria chic com o filho para um lanchinho rápido. A padaria parece uma loja da Disney, corredores cheios de guloseimas no seu caminho para a mesa. Eles sentam e o filho de Mané, que é deficiente, corre os olhos pelo balcão de salgados e pede uma coxinha sem catupiry e uma coca zero para a atendente que não tira o olho dele. Mané pede um sanduíche qualquer e os dois esperam. Enquanto isso Mané gostaria de explicar que, além de deficiente, o filho dele, entre outras coisas, sabe ler e escrever muito melhor que muita gente que tem ensino superior, sabe usar iPhone e computador com desenvoltura, já trabalhou e está se preparando para outros desafios, só pra citar três coisas a esmo para introduzi-los ao fato de que a atendente voltou com a coca do filho e perguntou pra Mané se o menino queria gelo e limão e Mané pediu à moça que perguntasse a ele, coisa que ela fez e ele respondeu que não, só gelada. Pouco depois a moça voltou com a coxinha e disse pra Mané que era sem catupiry, se era isso mesmo e Mané, já bufando, pediu outra vez que ela perguntasse ao menino, coisa que ela fez e ele respondeu que sim, era isso mesmo. Enquanto comiam a atendente voltou para perguntar outra vez a Mané, que não bebia nada, se o menino queria um canudinho e Mané perguntou a ela se ela era cega porque se ela não fosse ele ia pensar que o garoto era invisível, ao que a moça estacou paralisada e não disse mais nada e nunca mais voltou à mesa deles. O lanche estava bom e, confirmando a máxima de que o inferno são os outros, conclue-se que não há remédio para a ignorância.01/10/2017