quinta-feira, 23 de julho de 2020

Correios, correo, poste, postoffice, posta, significam a mesma coisa. Bôsta também, em árabe. Nos idos de 1960, Mané, aos 5 anos, andava pela avenida Rio Branco com sua avó, procurando aquela agência enorme dos correios que fica no fim da avenida São João. Recém chegados do Egito, a avó andava temerosa pela rua segurando a mão do netinho, sem saber direito aonde deveria ir. Mané só concordou em fazer aquela caminhada porque a avó tinha prometido comprar um pacote de Mandiopã, o último grito da moda em termos de salgadinho. Lá pelo largo do Payssandu, a avó finalmente admitiu estar perdida e resolveu abordar um guarda que estava por ali organizando o tráfego de automóveis. Com muita dificuldade ela conseguiu explicar ao homem que era imigrante, que não sabia falar português, que estava com o netinho faminto e afinal “senhor poderia dizer onde fica o”.... e a palavra não lhe vinha, falou poste em francês, mas o guarda olhou pra ela com cara de nada, imaginem, “onde fica a poste”?, ou em italiano, onde fica a posta, e o cara já ia perdendo a paciência quando Mané percebeu que algo se iluminou na avó e ela disse ao guarda, metade português, metade árabe: “sr. explica bor favor, onde fica a bôsta da avenida São João”? 22/07/2020
Mané chega ao laboratório com o potinho de xixi. A moça que ensinou Mané a limpar o prepúcio tinha dito que ele precisava trazer o material em até 30 minutos após a coleta. Tinham se passado 20 minutos então Mané optou por parar no Vallet. O estacionamento está vazio, Mané encosta num vaga que não atrapalha, tranca o carro e vai buscar o ticket. O rapaz lhe dá o ticket e pede a chave e Mané pergunta se não pode deixar o carro trancado. O rapaz diz que a norma é deixar a chave, caso tenham que manobrar o veículo. Mané lhe diz que o carro está num canto separado que, por conta da covid ele não queria que outra pessoa manobrasse o carro. O rapaz, com um olhar bovino, repete que a norma é deixar a chave. Mané retruca se ele não pode abrir uma exceção por conta da epidemia e o cara diz que a norma...bem, vcs já sabem. Mané olha o relógio e vê que perdeu 5 minutos e então, num rompante, ele se vira e sai correndo em direção à entrada do laboratório. Enquanto corre ele olha para se certificar de que não está sendo perseguido. Chega ao laboratório e se dirige à moça do prepúcio e lhe entrega o xixi. Ela pega o pote e coloca numa estante e lhe diz pra ir abrir a ficha. Mas já vai fazer 1/2 hora, diz Mané. Ah tudo bem, a gente da esse prazo pra garantir mas não é assim tãaaaao rígido. Mané pergunta se a limpeza do prepúcio não precisava ser assim taaaaaao rígida também e a moça o encara com um olhar de dúvida. Mané foi então abrir a ficha, fez todos os exames e, em pouco menos de 20 minutos estava novamente no estacionamento. O rapaz bovino não estava lá, Mané pagou para o substituto e o cara perguntou: “o sr está com a chave”? Mané disse que sim e o cara continuou: “ah, é até melhor levar a chave, né, com essa coisa de corona melhor não ficar mexendo no carro dos outros”! 20/07/2020
Suponha que você mora num país onde faz parte de uma minoria. Há dois anos aconteceu um fato que dá início a uma rusga,que sempre esteve latente, entre o poder local e os membros da sua etnia. Ódios antigos vêm à tona e você começa a desconfiar que vai ter que abandonar o país ou ser expulso. Alguns membros da sua etnia já se adiantam e picam a mula. Então você resolve se casar e casa. Você faria isso? Passam-se mais dois anos e a insegurança está cada vez maior, sua vida segue dentro deste novo normal (ha ha) e eis que o casal engravida e lhe nasce uma filha. A essa altura, membros da sua etnia foram presos, expulsos ou saíram enquanto é tempo. Mais três anos se vão, o casal engravida de novo e lhes nasce outro filho, um menino. A essa altura, o pai que já desconfiava, tem um pequeno prazo para sair do emprego. Empresas estão proibidas de contratar membros da sua etnia. Mais um ano e a família está empacotando suas coisas, vendendo o que deu pra vender e avaliando as (poucas) possibilidades de locais de refúgio. Nas fotos abaixo, depois da fundação do estado de Israel em 1948: casamento de meus pais em Alexandria-Egito em 1950, minha irmã nascida em 1952, eu em 1955, o início do exílio na Itália em 1957 e a família no Jardim da Luz em 1958. Isso é o que se pode chamar de resiliência. Seres humanos se adaptam a tudo. 19/07/2020

quinta-feira, 16 de julho de 2020

A contragosto, Mané foi ao médico e este lhe pediu alguns exames. Exames sempre acabam invadindo a privacidade das pessoas, eles te espetam, apertam, extraem coisas, manipulam, fazem todo tipo de tortura. Um dos exames que Mané tem que fazer se chama Urina I e o protagonista desta análise é o primeiro xixi do dia, desprezado o primeiro jato. Sentiram né? Acontece que Mané não consegue levantar de manhã e ir ao laboratório de bexiga cheia pra fazer o primeiro xixi por ali então, sempre que ele tem que fazer esse exame, vai ao laboratório e pega um kit pra colher o material em casa e levá-lo correndo em, no máximo, meia hora. Sr. Mané bradou a mocinha que o atenderia. “O Sr veio pegar o kit pra coleta domiciliar? Consta de um potinho e um sache de limpeza, o Sr sabe como usar”? Mané olhou para os lados a ver se alguém estava ouvindo e se deu conta que a sala de espera inteira olhava para ele. A moça continuou: “ao acordar o Sr. vai ao banheiro e faz uma criteriosa higiene antes de urinar. O Sr. tem que puxar o prepúcio e passar o paninho higienizador desta forma”, e ela fazia movimentos com o dedo para lhe mostrar como puxar e limpar sob o prepúcio. Mané constrangido olhava para os lados e todos continuavam a olhar para ele e até pareciam se divertir. A moça viu que Mané estava desatento e perguntou se ele estava entendendo. Ele falou baixinho: “eu não tenho prepúcio, não precisa se preocupar com esse detalhe”. “Como não tem prepúcio”, ela quase gritou! E Mané: moça, eu não tenho, continue a explicação, mas esqueça o prepúcio! Duas moças que estavam mais perto começaram a rir. A moça insistiu, "todo homem tem prepúcio e precisa puxar o prepúcio para fazer a limpeza senão pode estragar o exame". Mané lhe disse de novo que ele não tinha prepúcio, mas que ela podia continuar explicando como se limpava o prepúcio. Ela se compadeceu e perguntou a Mané se ele tinha alguma deficiência no, na, no, bem, o Sr. sabe, no prepúcio, ou no...o sr. sabe, no complemento. Mané respondeu: “eu sou judeu”! O rosto dela permaneceu inalterado, “e judeu não tem prepúcio”? Mané já com raiva: “judeu tem prepúcio sim, mas ele é cortado quando a criança tem sete dias de vida”! Ai que maldade, porque fazem uma coisa dessa? Mané arrancou o kit da mão dela e disse: “amanhã eu volto com o xixi, não tem prepúcio, mas tem xixi e tudo mais e tudo limpinho”. 15/07/2020

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Mané sempre sai de casa de máscara e carregando um vidrinho de álcool gel. Quando esta andando o álcool fica no bolso fazendo um volume incomodo então às vezes Mané o leva na mão. Num estabelecimento, na hora de pagar a conta ele coloca o álcool no balcão, paga a conta e depois pega o álcool de volta, os atendentes sempre ficam olhando para esse movimento. Mané começou a notar que, mesmo estando com seu vidrinho de álcool na mão, sempre que ele volta para o carro já há outro vidrinho no lugar. No início estranhou, mas achou que algum membro da família tivesse trazido, enfim, ao chegar em casa ele leva o álcool pra cima e coloca num armarinho onde eles guardam o arsenal covid. Salma questionou o fato dele sempre estar voltando com dois vidrinhos e ele perguntou se não eram de alguém da casa e ela disse, não, só você traz esse monte de álcool toda hora, já tem 28 potes de álcool naquele armário. Mané estranhou, mas não disse nada, apenas perguntou-se de onde estava aparecendo tanto álcool. Ontem Mané foi à padaria com Anuar pra comprar pãozinho e frios para um lanche. Na hora de ir embora Mané pegou o vidro de álcool do balcão e dirigiu-se ao caixa. Anuar perguntou baixinho, pai, porque você pegou o vidro de álcool que estava no balcão do pão? Mané tocou a mão no bolso onde costuma guardar o álcool e viu que, além do potinho que estava na mão, tinha outro no bolso e então se voltou e colocou um dos potes no lugar e ouviu a moça dizer: o álcool da padaria é o que está no seu bolso. Ah, sim, obrigado! 15/07/2020
Rápido demais chegou o primeiro dia de “aula” de Samira. Salma e Mané passaram boa parte da noite anterior arrumando a sacola, parecia que a garota ia viajar. Fraldas, duas mudas de roupa, sandálias extras, mamadeiras, papinhas e um casaquinho se por ventura esfriasse naquele dia de verão. Foi escolhido para a missão o lado forte e decidido da família, o próprio Mané. Cedinho, Samira acordou e parecia bastante animada e, após o desjejum, saíram ela e Mané para a aventura. Fizeram adaptação durante uns dias e tudo correu bem, Samira brincava e voltava pra Mané, jogava areia no amiguinho e voltava pra Mané até que chegou o dia de deixá-la na creche. Mané estava tenso quando entregou a filha para a professora, na sua avaliação uma menina só um pouco mais velha que Samira. A menina foi feliz para o colo da moça mas quando Mané se virou para ir embora ela começou a chorar muito alto. Mané voltou e tomou-a nos braços e ela imediatamente parou. Isso se repetiu umas seis, sete, talvez oito vezes, até que a professora falou: “pode ir, ela vai chorar um pouco e vai passar, a gente da conta”. Então Mané saiu da sala e ficou atrás da porta mas Samira estava inconsolável, chorava muito e até perdia o ar, contou depois Mané para Salma. Então, passados dez minutos, sem suportar mais, Mané retornou à sala e tirou sua filha do colo da professora e, de pronto, ela parou de chorar. Mané pôs a sacola no ombro e levou Samira pra casa. No dia seguinte quem a levou pra escola foi Salma que disse que a menina se comportou muito bem mas Mané até hoje não acredita que tenha sido assim tão fácil.
Pequenina, Samira comia só coisas saudáveis. Os pais iam à feira e compravam espinafre, inhame, batata doce entre outras coisas estranhas e preparavam-lhe sopas e papinhas que, em tese, faziam bem à saúde da garota. Ela comia tudo sem pestanejar e depois ainda mandava pra dentro uma fruta, maçã raspadinha ou banana amassada. Durante o dia ela recebia sucos e vitaminas preparadas com beterraba e mamão, leite batido com Nescau ou puro enfim, um arsenal. Salma e Mané explodiam de orgulho pelas coxinhas grossas e toda a vitalidade que a criança demonstrava. No entanto, a menina cresceu magra como um varapau, quando entrou na faculdade durante algum tempo seu apelido foi Olívia Palito. Hoje ela come bem mas nem sabe o que é um inhame. Ela gosta de coisas mais esquisitas como lulas e tempera as comidas com curry e lemonn pepper. É capaz de comer uma tijela cheia de corações de galinha mas fica histérica com cebolas pedaçudas na comida, não come nada que tenha chocolate granulado e prefere pizza a uma boa canja de galinha. Salgadinho ela come do tipo apimentado, qualquer doce vai muito bem menos bolo. Salma e Mané sempre se perguntam onde erraram.

domingo, 12 de julho de 2020

Samira demorou pra nascer. Teve que ser arrancada à força, veio ao mundo feinha e enrugada e um minuto depois de chorar voltou a dormir. Na maternidade vinha dormindo pro quarto e se recusava a mamar. Tirávamos o pé dela pra fora do macacão, ela sentia frio, abria um berreiro e nessa hora Salma lhe enfiava o bico do seio na boca. Quando foram pra casa Salma e Mané colocaram-na na cama do casal, deitaram-se ao lado dela e todos adormeceram. Quatro horas depois acordaram assustados, Samira dormia placidamente e Salma jorrava leite pelos peitos doloridos. Acordar a menina? Esperar? Samira dormiu seis horas seguidas até que Mané não aguentou mais, pegou-a no colo, sacudiu-a até ela acordar e abrir um berreiro. Salma enfiou-lhe o bico na boca. Depois as coisas se normalizaram, choro de três em três horas, arroto, fralda, passeios ao sol e berço. Quando ela tinha três meses, pouco antes de Mané tirar essa foto, a família dormia sossegada quando perceberam que Samira não tinha acordado à noite. Mané acordou de chofre, sobressaltado pensando que a menina tinha tido morte súbita. Assustada, Salma a pegou no colo, a menina abriu um berreiro e teve o bico do seio enfiado na boca. Logo depois foram para o sofá. Desse dia em diante Samira passou a dormir a noite toda e faz isso até hoje. Aliás, desde o útero ela mostrou que ia ser dorminhoca. Adulta, arrumou um emprego onde cumpre um horário vespertino/noturno, diz que não funciona na parte da manhã e que isso está entranhado nos seus genes.
Quando Samira tinha esse tamanho eles moravam numa casa no Ibirapuera cedida pelo sogro enquanto Mané juntava recursos para comprar um apto. A casa, a mais modesta da rua, era um espetáculo, tinha varandas e um quintal, edícula, alpendre e precisava de reforma. Mané gostava de sentar no quintal, com a garotinha no colo, quando ela precisava tomar sol por causa da icterícia. No primeiro verão de Samira, eles montaram um piscina de lona e, depois de limpá-la rigorosamente, colocaram a mangueira dentro para enche-la o que se mostrou uma tarefa muitíssimo demorada. Por fim, pela hora do almoço, a piscina encheu-se de uma água fresca e límpida e Mané e Salma colocaram Samira nua em pelo sentadinha na água que lhe batia na altura do peito. Entraram junto com ela e ficaram ali a escutar os gritinhos de satisfação enquanto Samira espalhava água pra todo lado, a verdadeira representação da felicidade. Súbito, Samira faz uma cara estranha e começa a ficar com a face vermelha. Salma dá o alarme: ela vai fazer cocô! E Mané: não, cocô não, vai contaminar a água, levou duas horas pra encher. Salma ergueu a menina pelo sovaco e Mané conseguiu ver um sorete já apontando na bundinha fofa. Salma e Mané se olharam em desespero e, para salvar a pureza da água, ali no meio da emergência, este colocou ambas as mãos em concha debaixo da bunda de Samira e deixou ela fazer ali toda a sua necessidade. Salma não sabia se ria ou chorava enquanto Mané observava o grande bolo fecal depositado nas suas mãos. Depois, com cuidado, levantou-se e foi ao banheiro livrar-se daquilo e se recompor. Quando voltou, Samira limpinha já estava dentro da água novamente. Salma, deitada numa cadeira de praia e de olho na garota disse para Mané que nunca mais ia esquecer disso e perguntou se ele tinha lavado as mãos. 11/07/2020
Mané está com Salma e Samira assistindo um capítulo de [mais] uma série. As atrizes falam sobre sua relação com os filhos e uma delas se pergunta como é que aquela filhinha que até há poucos anos atrás vivia enroscada nela, hoje adolescente praticamente a odeia. Mané olha pra Samira, ela está absorta. Enquanto a personagem continua a falar vem à cabeça de Mané momentos do passado quando Samira tinha oito dobrinhas em cada coxa e eles passavam o dia enroscados. Mané limpava uma por uma as dobrinhas para que não ficassem assadas. Em breve Samira vai morar sozinha. Já está decidido. Mané quer que isso aconteça e a está incentivando, só que não! Ela não tem mais nenhuma dobrinha para ser limpada mas quem vai arrumar sua internet quando cair? Quem vai lavar a louça dela na próxima pandemia e quem vai ensiná-la a pilotar o app do banco ou fazer a declaração do imposto de renda. Mané perdeu o fio da meada, não está mais entendendo o que se passa na televisão. É assim mesmo, você da banana amassadinha com canela, faz leitinho com Nescau, passa Hipoglos com creme de amêndoas nas dobrinhas, limpa o cocô deles com as mãos se necessário e aí chega uma hora que os ingratos crescem e se vão, assim sem mais. Pelo menos Anuar não vai, ele fica com Mané para sempre.
Uma amiga postou uma foto antiga no face. Uma cena que nunca pareceu tão distante, alguém lendo um livro na praia nos anos 70/80, não sei. Distante porque, nunca mais seremos jovens como na imagem que vi e distante porque quando será que vamos poder sentar numa praia e ler um livro com preocupação zero? A moça da foto é bonita, não resta dúvida e a imagem evoca outros sentimentos idílicos, verão, praia, biquínis e pele. Mané aproximou a foto para ver detalhes. Viu manchas nas cores descoloridas pelo tempo, areia nos pés descalços, um joelho, viseira na testa, óculos escuros e, que livro será que ela estava lendo? 09/07/2020
Salma voltou da cozinha visivelmente contrariada e disse pra Mané, que fingiu estar adormecido, que tinha certeza de ter visto o pacote de wafers holandeses de limão no armário ainda hoje de manhã. Deitou ao lado de Mané com um pacote de wafers piraque de morango e começou a comê-los quase com raiva. Esse wafer não tem gosto de nada, queria saber onde foram parar os wafers holandeses, acho que um deles deve ter comido, apontando o queixo para o quarto dos filhos. Mané, que estava quieto, disse, “pode ser, sempre dá vontade de comer uma coisinha e aqueles wafers eram deliciosos”. Como você sabe, disse Salma, você nem experimentou. Ah, gaguejou Mané, acho que eram muito bons, a embalagem era muito apetitosa. Falou isso e rezou para que Salma não fosse fuçar o lixo onde certamente encontraria a embalagem apetitosa. Salma deitou novamente largando o pacote de wafers de morango comido pela metade e disse que o mais estranho de tudo é que ela sentiu o cheiro de wafers holandeses de limão quando Mané veio deitar. Mané, em cólicas, levantou da cama e disse que a imaginação dela era muito fértil e que iria ao mercado comprar o tal wafer holandês pra ela não passar vontade por causa da maldade dos filhos mas ela disse pra ele deixar pra lá, já estava com o bucho cheio de wafer piraque de morango. Mas Mané disse, não, vou lá comprar quatro pacotes e colocar o nome de cada um de nós em cada um dos pacotes e o meu, se você quiser, pode comer também. 05/07/2020
Mané comprou no mercado um pacote de wafers de limão importados da Holanda. Cada vez que Mané ia à despensa pensava em comê-los mas por alguma razão eles permaneceram intactos por três semanas. Hoje, enquanto toda a família tirava uma pestana, Mané foi até a cozinha, pegou o pacote na despensa e, enquanto assistia a uma série na TV, devorou os wafers um por um que, a bem da verdade, eram deliciosos. Findo o capítulo, Mané foi até o quarto, entrou debaixo das cobertas e abraçou-se a Salma de colherzinha. Essa, que semi dormia, gemeu um pouco e virando-se para Mané disse: “hummm, que sono gostoso, que abraço gostoso, sabe do que eu to com vontade agora? Queria experimentar os wafers holandeses de limão, vou buscar pra gente comer”. E Mané: naaaao, chega de comer porcaria, vc vai virar uma baleia, vamos comer uma pêra, ou uvas, aqueles wafers já devem estar vencidos. 04/07/2020
Mané leu um post que falava sobre morte, assunto recorrente no momento. Por sorte era um engano, o morto não tinha morrido mas, enfim, pessoas têm morrido aos borbotões e isso fez Mané pensar em pessoas que se foram e que, às vezes, ele esquece do fato. Assim acontece com uma prima, que morreu em 2006, e não tem uma vez que Mané passe na rua onde ela morava, que ele não diminua a velocidade para ver se a encontra na porta do prédio ou atravessando a rua. Isso dura uma fração de segundo, em seguida ele se dá conta do lapso e fica com raiva de si próprio. Uma namorada de Mané, falecida em 1986, trabalhava num banco na Henrique Schaumann e Mané já se postou na porta do prédio a esperar pela saída dela só depois se dando conta de que definitivamente ela não ia aparecer. Semana passada Mané foi até a casa da mãe, que está de quarentena em Atibaia, para aguar as plantas e saiu pelo apartamento procurando pela Lali, a cachorrinha que morreu no início de maio. Encontrou o maior silêncio e deu vontade de sentar e chorar. 02/07/2020
O que vc está fazendo? Surpresa pra janta, respondeu Salma. Mané ficou feliz porque viu que ela estava usando a faca nova super tecnológica que ele tinha dado de presente. Está picando legumes? Sim, cantarolou Salma. Uma surpresa de legumes? Sim, chega de engordar na duzentena, resolvi fazer um jantar saudável. Mas o que é? Sai, ameaçou Salma com a faca, é surpresa. Mané foi lá e contou pra Samira e esta, rindo, disse que a mãe estava fazendo ratatouille. Mané ficou impressionado mas ele não gosta de ratatouille e então Samira lhe disse que era bom, pra ele aceitar e não estressar Salma. Pela hora da janta a sineta toca e todos vão à mesa com expectativa, leveza e alegria. Nas fotos o ratatouille servido em bistrôs em contraposição ao de Salma. Adivinhem qual é qual.