quinta-feira, 26 de setembro de 2019
Salma e Mané têm personalidades opostas. Têm também alguns pontos em comum. Ambos gostam de ler e escrever por exemplo e, o que também pode ser encarado como defeito, ambos gostam de seus respectivos sogros. Neste ponto, a diferença entre eles é que Salma fatura com o fato. Leiam essa crônica vencedora cujo protagonista é o Aslan, pai de Mané e de coadjuvante, Sara, a mãe.
Livros
Salma Exlibris
Eu vendo livros. Livros usados.
O negócio começou há 10 anos.
Meu sogro era um leitor contumaz, enchia a casa de livros, dos mais variados assuntos e idiomas. Minha sogra, sem saber mais onde armazená-los, ameaçava jogá-los fora. Ele se enfurecia. Sempre terminavam brigando. Ele seguia comprando, e foram os livros que lhe fizeram companhia na velhice, quando não podia mais locomover-se e não interessava-se mais pelas pessoas. Anotava um horário para cada um dos livros que pretendia ler no dia e quando lhe diziam que tinha que marcar um compromisso ele exclamava: “Não tenho horário, estou com a agenda cheia!”
Quando ele morreu, ela mudou de ideia, já não queria mais desfazer-se dos livros. Achava que ele iria ficar bravo com ela, de onde estivesse. Convenci-a de que ele ficaria feliz ao ver seus amados livros circulando pelo mundo, sendo lidos, ao invés de ficar mofando dentro de armários.
Assim nasceu meu sebo, vendendo, a princípio, os livros do sogro. Além de render uns trocados, permitiu-me armazenar livros, sem culpa nem brigas. E revelou-me um mundo de histórias e descobertas interessantes aos longo dos anos.
Descobri que havia lugares no Brasil que nem sabia que existiam, para onde os livros passaram a ser enviados: Formiga, Treviso, Quixadá, Antonio Carlos, Bandeirantes, Vitória de Santo Antão, Cabrobó do Norte, quem sabe onde ficam? Mais curioso é quando o endereço vem com a recomendação: ao lado da farmácia, encima do posto de gasolina, entregar na padaria....
Constatei que as pessoas muitas vezes doam livros que sequer tiveram a curiosidade de espiar, estão intactos, provavelmente recebidos em datas festivas ou comprados no lançamento de amigos e parentes. Pelas dedicatórias, vou inferindo as histórias: “para a querida Ana, espero que este livro te ajude a entender melhor meu trabalho” (parece que Ana não entendeu!), “Maria, já que voce gosta de champanhe, resolvi comprar um livro que conta a história da mesma“ (pelo visto, Maria preferiu continuar só bebendo), “Para o grande amor da minha vida” (que, tudo indica, acabou)... Dentro dos livros, fotos, bilhetes esquecidos, cartões de loteria, contas, revelam mais um pouco de algo ou alguém que foi deixado para trás...
Já o tipo de livro que as pessoas adquirem também é curioso.
Além dos didáticos, que os pais compram para tentar economizar um pouco na longa lista de material escolar (e que muitas vezes são devolvidos, intactos, no ano seguinte) os campeões de venda são os de autoajuda, religião e esotéricos. Ocorre-me que em tempos difíceis as pessoas buscam apoio em si mesmas, num Deus maior ou em forças sobrenaturais. Títulos como “Em busca do sentido da vida”, “Libertação interior”, “Amores que nos fazem mal”, “Tenha medo.. e siga em frente!” ou “Resgatando o cristianismo”, “Os judeus e a modernidade”, “Respostas de Deus para problemas complicados”, estão entre os top 10. Já os esotéricos tem títulos intrigantes: “Terapia de vidas passadas”, “Muitas vidas, muitos mestres”, “Nossas forças mentais”, “O poder da cura psiquica” ou “Tudo o que uma jovem bruxa precisa saber”.
Também livros educativos são muito procurados. Tudo começa com a alegria de “Vamos ter um bebê” ou “O que esperar quando voce está esperando” e termina com a dura realidade de “SOS Babá!”, “Nana nenê” ou “Socorro, meu filho não quer comer!”. Quando os filhos crescem, tudo indica que os problemas só aumentam, entrando na lista “O manual de sobrevivencia do adolescente” ou “Meu filho é uma bagunça”!
Seja qual o motivo, uma coisa é certa: com toda a revolução tecnológica, o livro continua tendo seu lugar no mundo, seja como fonte de conhecimentos, resposta a indagações existenciais, inspiração, ajuda, conforto, ou simplesmente um presente que, espera-se, seja especial.
O livro é mágico, nos leva através do tempo e do espaço, conectando-nos com outros universos reais ou imaginários, outras dimensões.
Meu sogro, homem sábio, sempre soube disso! 07/07/2019
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