domingo, 17 de maio de 2020

Dezesseis anos atrás levei uma cachorrinha vira lata pra minha mãe. Eu e minha filha queríamos dar um nome melodioso pra ela então a chamamos de Lali e a tiramos de um pet shop onde tinha sido abandonada, tinha uns três meses. No pit stop que fizemos em casa antes de levá-la à minha mãe, ela mijou e cagou pelo tapete umas seis vezes. Não foi sem alegria que a entreguei à sua nova dona. Três anos passados Lali engravidou e eu herdei um dos filhotes, o famigerado Milu. Lali era preta, teve dois machos, um preto e um branco e uma fêmea, branquinha. Nós ficamos com o preto, por ser igual à mãe, mas, para nossa decepção, com 3 meses ele ficou cinza e hoje ele é mais branco ainda. Lali teve câncer nas mamas, há uns anos, foi operada e tratada. Mais recentemente teve problema nas costas, fazia acupuntura, tomava um montão de remédios e foi perdendo a vivacidade. Andava pela casa atrás da minha mãe, esperava-a na porta do banheiro quando não entrava junto. De vez em quando, "Lali está passando mal", e la íamos nós ao veterinário, injeções, pílulas, mais acupuntura, ração especial, Omega 3, um arsenal. Uma semana atrás não se levantava mais, fazia as necessidades sobre si própria, não comia, um inferno. Foi internada, soro, exames, picadas. Não quisemos que ficasse mais que um dia no hospital e ela voltou pra casa pior ainda, mais remédios, o veterinário sugeriu enfiar um tubo pra alimentá-la, interná-la novamente, mas sem garantia de sucesso ela parecia em estado de choque, não comia, fazia as necessidades, bla bla bla. Voltou pra casa de novo. Ontem ela teve uma consulta de retorno e o médico a desenganou, câncer avançado no pulmão, dores generalizadas, água no pulmão, eu perguntei se devíamos abreviar o seu sofrimento e assim fizemos. E foi uma das piores coisas que fiz na vida. Pedi desculpas a ela enquanto ainda vivia, mas não sei se ela entendeu. As pessoas dizem que foi um ato de amor, mas eu não acredito. No dia anterior, ela dormiu no meu colo por uma hora ou mais, isso era amor. Fiquei com ela até o fim, limpei a ramela de seus olhos que não se fecharam e voltei pra casa de minha mãe sem a Lali. Eu a levei um dia e a tirei no outro dezeeseis anos depois. O Milu, como sempre, senta na minha frente e fica me olhando quando chego em casa. Será que ele sabe o que fiz? Será que ele me perdoa? Morte digna, parar com o sofrimento, como isso estava afetando minha mãe idosa nesses tempos, tudo são palavras ao vento. Não me parece que eu vá me perdoar algum dia, pra onde eu olho vejo o olhar da Lali antes do fim, eu fui a ultima pessoa que ela viu e esse olhar vai me causar calafrios pra sempre. 05/05/2020

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