domingo, 28 de junho de 2020

Mané tinha acabado de levar um fora e andava casmurro pela cidade. Tinha levado o pior dos foras, na verdade a mãe de todos os foras, que é quando a menina chega e fala: “não é você, sou eu”, pois foi o que ocorreu. Um casal de amigos, compadecido, resolveu lhe apresentar uma amiga. Mané, que andava meio sem ação, aceitou o convite para saírem os quatro a jantar. O encontro se deu na casa da candidata que apareceu na sala quando todos já se encontravam ali, de pé no chão e com os cabelos molhados. Mané descobriu que ela era de Recife, uma morena roliça e totalmente desejável, que segurou as longas madeixas negras ao se abaixar para lhe dar um beijo e saudá-lo com aquele sotaque cantado, além do cheiro de banho que lhe penetrou as narinas. Conversa mole, jantar, Mané vai pular tudo isso. Mané não vai dizer que se apaixonou pela moça, mas descobriu que, sim, podia se apaixonar. Descobriu também que ela era bailarina, “mas isso não machuca seus pés”, não, ela disse, é balé moderno, venha assistir uma apresentação. Mané foi. Começaram a sair de vez em quando. Ela também tinha saído de uma relação tempestuosa, consolavam-se, gostavam da companhia um do outro, conversavam, bebiam, iam ao cinema, dançavam em festas, tudo muito divertido e aconchegante. Mas, o pior aconteceu. Aquela centelha que incendeia tudo não deu o ar da graça e eles se tornaram amigos. Na hora em que devia ter um beijo, tinha um cafuné. Na hora em que deveria ter um amasso, tinha um abraço fraterno. Mané não vai dizer que não sentiu nenhum tesão. Era uma possibilidade, mas, os dois, de coração partido, resolveram não arriscar. Perto do fim do ano foram ao cinema assistir Luzes da Cidade, do Chaplin. Na fila pra comprar ingressos Mané encontra um amigo. Este amigo que já era naturalmente feio estava péssimo. Mané pergunta o que houve e ele diz que esta se matando de estudar, vestibular pra medicina em poucos dias, o cara tinha olheiras, o cabelo ruivo ensebado, um horror. Mas Mané viu que ele deu um olhar de banda na bailarina e pasmem, viu que ela também olhou arrevesado para ele. Dia seguinte toca o telefone fixo. É tua namorada, ele pergunta? E Mané explica a ele a situação. Posso, ele pergunta? Onde a acho? Agora? Sim, agora! Ah sei lá, a essa hora ela ta na aula de balé! Onde? Ah, acho que na Rua Alves Guimarães. A Rua Alves Guimarães tem umas vinte academias de balé, mas o estudante de medicina foi lá e encontrou a bailarina. Mané não sabe direito o que aconteceu, mas sabe que hoje eles são casados e têm dois filhos, vez em quando conversa com o casal, Mané se sente um pouco cupido e espera que eles vivam felizes para sempre. 15/06/2020

Nenhum comentário: