terça-feira, 30 de março de 2021
Logo será dia 17 de março e Mané lembra que nesta data, há um ano, foi ao dentista e depois foi trabalhar. De metrô. Ao chegar ao escritório deu uma bronca na sua funcionária predileta, uma garota novinha que tem, ou tinha, o costume de lamber as pontas dos dedos para virar folhas: “pare de lamber os papéis, isso aí pode estar cheio de coronavírus e você fica espalhando a doença em todo o relatório”. Ela então perguntou porque ele tinha vindo, se Mané não sabia que tinha morrido uma pessoa de coronavírus e aconselhou-o a ir pra casa, já que ele é um idoso do grupo de risco. E emendou: “espera uma semana, dez dias, pra ver o que da, você trabalha de casa e nós ficamos por aqui”. Mané juntou algumas coisas, salvou uns arquivos num HD externo e, uma hora depois, às 12:30, chegou em casa. Mané só voltou ao escritório poucas vezes desde então, pra pegar uma ou outra coisa que precisou, nunca mais sentou na sua cadeira vermelha e o antivírus do seu computador de lá venceu, não foi renovado e, por falta de uso, não tem nenhuma perspectiva de ser. Lá tem apenas um plantão de gente jovem, tem as moças dos serviços gerais que continuam tirando o pó e tem um espaço vazio que foi deixado para trás da mesma forma que Mané deixou seu companheiro de caminhadas no Vila Lobos, seu amigo de meio século com quem foi para Israel, sua irmã, sobrinhos, família da Salma, pessoas essas com quem só falou por telefone, isso mantém os laços? O tratamento com o dentista só terminou oito meses depois e, dos colegas de trabalho, alguns ele nem lembra mais do rosto. Diante do quadro só resta a Mané uma pergunta: e agora, quem poderá nos socorrer?28/02/2021
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