terça-feira, 30 de março de 2021

Quando Mané fez 60 anos, já lá se vão cinco anos, ele que não é de comemorações, resolveu fazer uma festona de aniversário. As amigas de Salma, animadas, ofereceram-se para ajudar e acabou sendo preparado um evento memorável. Decoraram o salão de festa do prédio com bexigas, papel crépon e muitas fitas brilhantes, selecionaram uma playlist de rock an roll e mpb, teve um carrinho de crepe e outro de pipoca, sanduíche de metro, salgadinhos, brigadeiro, bem casados e um enorme bolo de parabéns. Mané convidou toda sua família, a família de Salma e agregados, convidou também seus colegas de trabalho, atuais e antigos, amigos de todas as suas fases da vida, os que ainda frequenta e os que não e, claro, muitas amigas de Salma. Todo mundo veio e o resultado disso foi uma festa com quase 100 pessoas, parecia festa de criança mas tinha gente com idade de quase zero a oitenta e tantos anos. Na porta, abaixo de uma placa de boas vindas em diversas línguas da vida de Mané, tinha um sacão de pano para as pessoas colocarem os presentes e, ao lado, um caderno para quem quisesse deixar algo escrito pela efeméride. Foi uma festa de arromba que durou horas e teve revezamento de convidados, uns chegavam, outros iam embora. Teve velho que passou mal e teve que ser abanado, teve criança que vomitou e outras que tiveram que trocar fralda. O sobrinho de Mané que era solteiro ficou de olho na sobrinha da Salma mas ele avisou que, apesar do porte, a menina ainda era uma criança, se quisesse alguma coisa o melhor era entrar com pedido de adoção. Na hora do parabéns fizeram um vídeo, Mané agradeceu e chamou pelo nome todos os que estavam em volta da mesa, teve muita gente que bocejou. No fim da festa, alguns dos convidados ajudaram a levar as sobras e os presentes para cima, Milu estava pra lá de doido com a movimentação e corria pelo prédio desenfreado. Mané levou duas semanas para abrir todos os presentes, veio muito livro e até dólares. No dia seguinte o zelador tocou a campainha para devolver o livro de presença que tinha sido esquecido. Mané pegou o volume e percebeu que as páginas estavam na sua maioria preenchidas de recados. Colocou o caderno na parte de baixo do criado mudo e esqueceu dele até ontem durante a quinquagésima nona arrumação da pandemia, quando se deparou com o tal caderno e começou a ler o que tinham escrito. Na primeira página, Salma, Samira, Anuar e Milu deixaram recado. Em seguida topou com um bilhete que seria banal mas como era de uma pessoa que já está morta, aquilo o deixou em choque. Diante do ocorrido fechou o caderno e colocou-o de volta no lugar onde estava sem ler o resto. Algumas páginas já estão ficando amareladas e Mané lembrou da morta, do aniversário obscuro de 65 em novembro passado e deprimiu.19/02/2021

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