sábado, 25 de setembro de 2021

Mané demorou alguns anos pra entender qual era sua turma. Expulso do Egito ainda bebê com a família, correram para a Itália pra conseguir a cidadania do bisavô e, depois de algumas conjecturas, vieram para o Brasil. Criança, falando português na rua e francês em casa, tinha dificuldade de explicar tantas nacionalidades e línguas. A avó falava com ele em árabe, a mãe em francês e ele respondia em português. Italiano, que era a língua do passaporte, ninguém falava. Isso causou sérias crises de identidade para Mané, que não conseguia se fixar em nenhuma nacionalidade tanto que, até hoje, depois de mais de 63 anos no Brasil, mantém a documentação de italiano residente, nascido num reino tão tão distante, a República Árabe do Egito. Mané não tem nacionalidade brasileira, nunca quis. Não vota, não pode se eleger e não pode trabalhar no Banco do Brasil. Em compensação, dono de uma nacionalidade italiana e reservista dos carabinieri, não passou mais do que noventa dias de sua vida naquele país, grande parte desses dias como um bebê de colo quando fugiam do Egito. E mais, por quais cargas d’água a família tem como língua mãe o francês? No entanto, ao longo dos anos Mané começou a sentir falta de uma coisa que não existiu pra ele. Mané às vezes se pega sentindo saudades da vida no Egito, a vida que nunca teve. Certa vez teve um jogo de futebol entre Brasil e Egito. Uma daquelas seleções brasileiras que empolgavam com Rivaldo, Ronaldo. O Egito levou uma surra homérica e Mané que não liga para futebol, sofreu muito com a dor de seus compatriotas, os egípcios. Mané se preocupa com a pandemia no Egito, tão pouco anunciada por aqui, como se preocupou com a primavera árabe, aquela que terminou num inverno islâmico. A parte odiosa, a da expulsão e da raiva dos judeus, Mané oblitera, vamos fazer de conta que não aconteceu, que foi um desatino coletivo, como o que anda acontecendo por aqui e, na verdade, os egípcios amam os judeus, Mané tem certeza. Mané queria ter ficado no Egito, passar as tardes de sábado no delta do Rio Nilo, dar um esticada até Gize e descansar à sombra de Queops, Quefren e Miquerinos, fazer um afago na esfinge. Tanto que anos atrás, quando Samira fez um curso de tatuagem e precisava de uma pele pra treinar, Mané concordou em fornecer um pedacinho do seu braço. E o que vc quer tatuar paiê? Tatua isso aqui, Mané respondeu. Em hebraico? Sim, hebraico! E o que está escrito em hebraico? Está escrito: totseret mitsraim, made in egypt, feito no Egito. Genial, pai, disse Samira. E pôs as mãos à obra.13/9/21

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