sábado, 25 de setembro de 2021

Quando casaram Salma e Mané permaneceram sem filhos durante quase quatro anos. Viveram uma vida boa, um preocupado com o outro e o outro preocupado com o um. Iam pro trabalho, ao cinema, almoçar na casa da mãe, da sogra, viajavam e flanavam. Mané lembra daqueles anos idílicos quando ele e Salma tentavam cozinhar o jantar, quando Mané resolveu adicionar salsicha à receita de shakshuka da mãe e quando Salma produziu um suflê que endureceu tão rápido que a colher com que ia ser servido e que ficou presa na massa teve que ser jogada fora junto com o próprio suflê e a travessa que o continha. Bom era chegar do banco no início da noite. Mané entrava e escutava os ruídos da água do chuveiro onde Salma se banhava e ia seguindo seus rastros até a alcova: os sacos de compras na mesa da cozinha, os sapatos logo mais na entrada da sala, a bolsa no sofá que ficava ao lado do corredor com as pastas e cadernos ao lado. No quarto tinha um telefone que ficava no criado mudo de Mané e ali, no chão, do lado onde ele dormia já estava a blusa e a calça ou saia de Salma, roupas que ela ia tirando ali deitada na cama enquanto falava com sua mãe a conferir alguma receita, ter alguma ideia para o jantar ou apenas numa conversa fiada. Na cama Mané encontrava o sutiã engruvinhado perto das almofadas. E a calcinha, ah bem, ela lavava no banho. Mané costumava tirar o paletó e a calça do terno já pondo tudo num cabide junto com a gravata, a camisa aterrissava no chão, ao lado das roupas dela e a cueca ia para junto do sutiã. Depois Mané ia pro banheiro e mergulhava nos vapores de Salma antes dela própria sair do chuveiro e enrolar-se numa toalha. Ela então deitava na cama e ficava esperando Mané terminar o banho dele. Naqueles tempos morria Tancredo, a inflação beirava os 20% ao mês, mas isso não os abalava. Às vezes Mané se pergunta se teriam sido estes os momentos mais felizes de suas vidas. 25/05/21

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