Nas escadas cruzei com um sujeito que ficou olhando fixamente para a minha camiseta e só então fui me dar conta de que estava usando uma que tinha uma enorme estrela de David estampada no meio do peito, acho que da Marcha da Vida do ano passado. Perguntei-me porque o cara olhava tanto e, quando sentei na bicicleta e comecei a pedalar, a resposta veio através da reportagem da Rede Globo que passava em todas as televisões da sala de aeróbico. Dezenas de tanques e veículos blindados do exército de Israel penetravam pelo território do Líbano cuspindo fogo através de seus longos e grossos canhões enquanto o Marcos Losekan tentava escapar de uma katiusha amalucada que parecia não saber aonde ia, até que os espectadores a viram estatelar-se alguns metros à frente da câmera. Enquanto eu pedalava, as pessoas passavam por mim e miravam o olhar na estrela de David estampada no meu peito e depois olhavam para a televisão e viam o estrago que os aviões e os tanques que portavam a mesma estrela faziam no país dos cedros. Olhavam aquele monte de famílias brasileiras desesperadas tentando fugir dos ataques dos mísseis israelenses e depois voltavam o olhar para o meu peito arfante que suava para empurrar os pedais da bicicleta parada e queimar algumas míseras calorias das muitas por mim acumuladas ao longo dos anos. Eu queria explicar para eles o que, na verdade, estava acontecendo na tela. Queria contar dos meus amigos que tinham fugido dos petardos do Hesbollah para refugiar-se no sul. Queria falar que Israel fazia suas besteiras sim, mas, porque era levado a fazê-las. Que os verdadeiros responsáveis por esta situação idiota eram os anti-semitas europeus em primeira instância e, em segunda, os tribais e ignorantes líderes árabes à época da fundação do Estado de Israel. Mas quem queria me dar ouvidos? Era mais fácil entender que Israel estava destruindo aquele pequeno e belo país que acabava de ser reconstruído. Fui ficando com raiva, mas percebi, satisfeito, que com quanto mais raiva eu ficava, mais rápido o tempo passava e me dei conta de que, às 7:59hs, já havia passado vinte dos trinta minutos de exercício aeróbico que eu me obrigo a fazer todo dia após a musculação. Esta guerra e as pessoas olhando ostensivamente para a minha camiseta com um símbolo judaico me levaram a pensar em como era difícil ser judeu hoje em dia. Isso já tinha me passado pela cabeça ontem quando tentei almoçar num dos poucos restaurantes judaicos da cidade. Fui com uns amigos ao Bom Retiro porque sentimos vontade de comer guefiltefish. Depois de alguns desencontros e atrasos, acabamos chegando um pouco tarde. O lugar, conhecido como Shoshana, é uma espelunca feiosa que fica quase numa esquina perto da Rua Três Rios. Não é lá aquelas coisas em termos de apresentação, mas, como disseram que a comida era boa e vivia sempre cheio, foi com prazer que esperamos por quinze minutos até que uma pessoa muito mal educada, a própria dona segundo soube depois, nos avisou que a nossa mesa, nos fundos, ao lado do banheiro um pouco sujo, estava pronta. Entramos e confesso que senti um certo arrependimento, mas, enfim, havia outras pessoas lá comendo e bebendo e todos pareciam bem. Passou uma eternidade até que alguém se aproximasse e concordasse em trazer algo de beber. Mais algum tempo passou até que outra pessoa, desta vez o dono, viesse perguntar de forma grosseira porque não estávamos comendo. Quando respondemos que ainda não tínhamos conseguido pedir ele devolveu: “porque”? Foi difícil explicar ao ignorante que ninguém tinha nos atendido. Ele ficou nervoso e chamou sua esposa que então resolveu perguntar o que íamos querer. Eu falei: “quero guefiltefish”! Ela disse com desdém: “guefiltefish? À essa hora?”! Outra pessoa na mesa pediu varenikes que também tinha acabado. Em seguida descobrimos que dois outros pratos típicos também estavam em falta e então resolvemos perguntar, afinal, o que é que tinha para comer? A arrogante mulher afastou-se e voltou a chamar o marido que veio gritando: “o que vocês querem? Só temos peixe frito, sopa e fígado com ovo”! Respondemos que não era exatamente aquilo que tínhamos pensado comer, ao que ele, então, enfurecido, aos gritos, nos expulsou de lá: “então podem ir embora! Vão almoçar no coreano, lá é muito melhor”! Nesse momento, na academia, a mulher que estava na bicicleta ao meu lado perguntou do que é que eu estava rindo e eu disse que estava feliz porque tinha terminado meu treino. Eram 8:15hs quando parei de pedalar e já não pensava mais na guerra ou naquele ridículo e lamentável restaurante, muito menos nas risadas que demos depois na mesa do coreano. Apenas desci correndo as escadas porque já estava atrasado, coloquei o agasalho que pegara na chapelaria por cima da camiseta suada, cumprimentei de passagem as meninas da recepção e o guardador de carros, liguei o motor e arranquei em disparada. Quando desci na padaria para comprar pão fresco para o café, senti um leve repuxo no músculo posterior da coxa, o que me fez lembrar que eu esquecera de me alongar. Eram 8:19hs quando encostei a barriga no balcão e pedi bem alto para um dos cinco funcionários que estavam de costas para o público: “por favor, me vê quatro pãezinhos clarinhos e duzentos gramas de queijo prato fatiado bem fininho”?
Continua...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Você esqueceu de falar da barata.... rs
Beijos
Vc esqueceu de comentar a heróica atuação da Marta ao acabar com a vida de uma barata...
Abraço
Postar um comentário