domingo, 21 de janeiro de 2007

Um dia na vida - oitavo fragmento 9:16

Minha mulher é um pouco distraída, mas apenas para as coisas que não têm importância. Ela é capaz de não saber aonde foram parar os óculos que estão na mão dela, mas não esquece que tem que levar os filhos ao dentista daqui a quatro meses, por exemplo. Disse isso porque, às vezes, essa distração me causa espécie e, como aconteceu há um minuto atrás, eu nada respondi quando ela me perguntou sobre o paradeiro dos seus óculos escuros e não o fiz por dois motivos: primeiro porque o dia estava meio encoberto e segundo porque o tal conjunto de duas lentes usado para compensar defeitos visuais montado em armação própria com duas hastes que se prendem às orelhas estava nas suas mãos e em poucos segundos ela perceberia, como de fato percebeu, e a minha informação se mostraria totalmente desnecessária.
A casa mergulhou num silêncio absoluto logo após a saída deles e eu pude me concentrar na desagradável tarefa de verificar os saldos bancários das minhas pessoas física e jurídica, fazer alguns pagamentos devidos, algumas transferências e outras atividades mal-cheirosas.
Às 9:20hs eu já tinha em mãos os extratos das duas contas da pessoa jurídica e logo percebi que não haveria dinheiro suficiente para fazer tudo o que precisava ser feito. Fiquei uns minutinhos analisando quais seriam as possibilidades de se obter os recursos necessários, analisei com mais demora o calendário e contei algumas vezes os dias que faltavam para o fim do mês, quantos dias faltavam para entrar aquele dinheiro mais polpudo e tentei lembrar como é que andavam as minhas relações com o gerente do banco. Às 9:30hs, cheguei à conclusão que algumas das obrigações poderiam ser adiadas, já que o fim do mês e o tal dinheiro ainda demorariam um pouco para chegar, mas, em compensação, lembrei que tinha acabado de renovar o seguro do carro e que eu e o gerente estávamos vivendo um bom momento. Assim sendo, resolvi deixar tudo pra lá e prometi para mim mesmo que iria resolver aquilo mais tarde e dediquei-me a responder alguns emails que tinham chegado durante a noite, enquanto eu dormia. Por volta das dez da noite de ontem, quando fechei minha caixa de entrada, eu tinha lido todas as mensagens que havia. Cheguei à conclusão que ninguém dormia pois quando abri a caixa de manhã, às 9:35hs, havia mais de 20 mensagens postadas durante a madrugada anteriore e mais algumas que haviam chegado agora pela manhã. A maioria delas versava sobre a organização de um jantar que aconteceria no fim do mês com os colegas com quem me formei no ginásio no longínquo ano de 1969. É engraçado ver um monte de marmanjos com mais de cinqüenta anos de repente transformados em meninos e meninas de quinze ou dezesseis anos. Eu estava bastante entretido com as mensagens, mas, às 9:50hs, me dei conta que também estava muito atrasado para ir trabalhar e resolvi ir tomar banho, o que fiz com enorme prazer, pois eu ainda recendia aos suores da academia. Enquanto abria o chuveiro escutei tocar o celular e fiquei em dúvida se ia pelado até a sala atender ou se o deixava a tocar. Se fosse pelado, corria o risco de dar de cara com a empregada que já estava arrumando a casa, atividade que ela começa a fazer no minuto em que eu levanto do computador, seja isso às dez da manhã ou ao meio-dia, pouco importa. Diante deste risco, resolvi ignorar o telefone, que tocou um monte de vezes, e deixei as águas tépidas do chuveiro molharem o meu corpo antes de começar a escovar metodicamente os meus dentes, coisa que fiz depois de passar fio dental. Depois, ensaboei o corpo vigorosamente sentindo um enorme bem estar enquanto toda a imundície escorria pelo ralo. Uma generosa porção de shampoo tratou da depuração da barba e do cabelo, de forma que às 10:05hs, eu já me encontrava limpo e seco, pronto para me vestir e sair para o meu dia de trabalho. Fiquei alguns segundos parados em frente ao armário sem conseguir decidir que roupa vestir e senti uma certa saudade dos tempos em que eu trabalhava de terno. Era só pegar o terno do dia, uma camisa branca, a gravata correspondente ao terno e pronto. Então, lancei mão da mesma calça que tinha usado ontem e anteontem, escolhi uma camisa qualquer e comecei a me vestir com rapidez. O resultado é que me vi com uma calça verde e uma camisa amarela e achei o resultado tão ridículo que voltei para o armário e acabei pegando uma outra camisa, desta vez bege. Às 10:15hs eu pedi para a nossa ajudante lavar dois pêssegos que eu comeria durante a tarde, coisa que ela fez com presteza, entregando-os devidamente embrulhados em guardanapos e acondicionados num saco plástico. Antes de desligar o computador ainda tive tempo de responder mais duas mensagens e atender a um telefonema da minha mãe que estava preocupada porque eu não tinha atendido às três últimas ligações que ela fizera. Tinha ainda mais uma ligação não atendida do escritório, mas, como eu já estava a caminho, resolvi não responder e ver do que se tratava, ao vivo, quando lá chegasse. Às 10:20hs eu estava de novo no sub solo dando a partida no carro e, em poucos segundos, depois das manobras de praxe, eu me impacientava outra vez na frente do portão da garagem, que estrebuchava e guinchava para abrir, enquanto ao mesmo tempo, eu tentava escolher no rádio entre os apresentadores pedantes da CBN ou uma programação classic-rock da Kiss/FM.
Continua...

Nenhum comentário: