domingo, 14 de janeiro de 2007

Um dia na vida - sétimo fragmento - 8:34

Está provado que quando fazemos algum tipo de atividade física o organismo produz grandes quantidades de uma substância química chamada endorfina que é a responsável por nos transmitir aquela sensação de relaxamento e bem estar, que nos deixa, enquanto está atuando sobre o sistema nervoso, com uma ótima disposição de ânimo e bom humor. Quando chego em casa para o café da manhã vindo da academia, estou com o nível mais alto de endorfinas que vou ter durante o dia e, por isso, aliado ao fato de estar morrendo de fome e saber que vou comer daqui a pouco, encontro-me naquele momento em excelente estado de espírito e de ótimo humor tanto que, às vezes, como por exemplo às segundas feiras, quando a empregada ainda não chegou do fim de semana e sou obrigado a esquentar a água e passar o café além de preparar a mesa para a família antes de sentar para comer mesmo estando morto de fome, desincumbo-me destas tarefas com leveza enquanto cantarolo minhas músicas preferidas, geralmente rocks clássicos ou dos Beatles. Depois, com a mesa já posta, costumo abrir com delicadeza as persianas dos quartos, acordo a minha mulher e meu filho, ligo o computador e, aos poucos, vou colocando a casa em movimento. Mas, neste dia, às 8:35hs, enquanto comíamos generosas porções de melão, apenas comentávamos com vivo interesse, um pedaço da conversa que tínhamos tido com a nossa filha no jantar a respeito das diferentes formas que as pessoas dormem e achamos curioso o fato de eu e minha filha termos hábitos parecidas sem que nunca tivéssemos comentado qualquer coisa um com o outro. Por exemplo, para equilibrar a temperatura do corpo durante a noite, se estou com calor, eu durmo com uma perna coberta e a outra não. Eis que, assim do nada, a menina solta que, na noite anterior, tendo sentido um pouco de calor e, a fim de contrabalançar sua temperatura, descobriu uma das pernas, deixando a outra coberta. Eram 8:40hs quando terminei o melão e perguntei à minha mulher se seria possível eu ter passado essa mania para ela através dos meus genes, ao que ela respondeu: “essa e muitas outras”! Fiquei sem saber se aquilo seria uma crítica ou um elogio, mas, como eu estava de boníssimo humor, deixei a dúvida pra lá e, no exato momento em que meu filho apareceu na cozinha com os olhos inchados de sono e o cabelo desgrenhado e em pé, comecei a preparar um copo de café com leite, o que dá um certo trabalho pois leva leite em pó desnatado, adoçante, além do café propriamente dito e tem que ser muito bem batido senão o leite fica empedrado e, quando isso acontece, praticamente inviabiliza o seu consumo.
De pé na porta, meu filho pergunta: “tem pão fresco”? Eu respondo que sim, e falo para ele vir logo que o pão ainda está quentinho. Ele vem e puxa uma cadeira para sentar e a mãe diz para ele ir primeiro fazer xixi e lavar o rosto e ele diz que já fez isso em tom de protesto e a mãe exige que ele se levante de pronto e vá aliviar o xixi matinal e lavar o rosto e, neste ponto, inicia-se uma negociação onde ele aceita levantar-se para lavar o rosto e fazer xixi desde que, enquanto isso, ela lhe preparasse um sanduíche de queijo e presunto e eu um copo de chocolate frio sem pelotas. Nós concordamos e ele se levantou para cumprir sua parte do acordo. Às 8:47hs, enquanto eu comia uma torrada com queijo cottage e bebia meu café com leite, meu filho voltou do banheiro e se pôs a comer, sem muito ânimo, a metade de um pão com queijo e presunto. Enquanto eu pensava se devia comer uma terceira torrada, ele largou o sanduíche, o que gerou protestos vigorosos da sua mãe, e tomou de um gole só todo o copo de Nescau que eu lhe preparara, levantando-se rapidamente da mesa para, segundo ele, ir fazer coco. Às 8:52hs, combinei com a minha mulher alguns detalhes sobre o transcorrer do dia e me dei conta que este seria corrido por causa do rodízio do carro dela, o que me traria algumas incumbências adicionais ao final da tarde. Quando levantei da mesa, perguntei-me até que horas agüentariam as minhas endorfinas e se elas seriam suficientes para atravessar o dia que se apresentava. De qualquer forma, ás 8:55hs, fui para o computador onde encontrei meu filho ocupado com um joguinho e perguntei: “ué, você não ia fazer coco”? “Um minutinho”, foi o que ele respondeu e eu me impacientei um pouco pois já estava atrasado, tinha alguns emails para mandar, tinha que entrar em alguns bancos pela Internet e ele ficava repetindo: “só um minutinho”! “Já vou fazer coco”!
De repente irrompe minha mulher pela sala e diz para o menino: “mas você ainda está aí”? Depois para mim: “você não sabe que nós temos que chegar mais cedo hoje na natação”? “Ele tem exame médico”! Enquanto às 8:58hs eu conseguia de volta o meu computador, comecei a escutar nos interiores da casa uma atividade frenética de abertura e fechamento de portas, escovação de dentes, torneiras aspergindo água, descargas sendo dadas, passos apressados, gritos, protestos, ameaças e muitas idas e vindas da minha mulher, do meu filho e, principalmente, da nossa ajudante doméstica que, ao que tudo indicava, não cumprira nenhuma das tarefas que lhe tinham sido atribuídas. Às 9:15hs, meu filho apareceu sorrindo, elegantemente trajado de roupão azul, touca de natação e chinelos rider e me disse: “tchau pai, bom dia!”! Depois veio minha mulher esbaforida segurando seus óculos escuros na mão. De passagem, enquanto pegava a bolsa, ela perguntou: “tchau, tô atrasadíssima. Você viu meus óculos escuros por aí”?
Continua...

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