segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Um dia na vida - décimo primeiro fragmento - 11:27

Não dei atenção às perorações do contador porque já conheço seu jeito de se afligir quando se acumulam diversas tarefas com tempo determinado para acabar e ele sabe que não vai dar conta de terminar nenhuma delas: ele chama a isso de “problemão”! Costuma me pedir ajuda no intuito de que eu o dispense de alguma delas ou de todas, preferencialmente, pois sendo um destes contadores tradicionais e conservadores, tem o hábito de dizer que esta não deveria ser sua tarefa, ao que eu costumo responder que “nós somos uma empresa pequena e que hoje em dia um funcionário tem que ser mais flexível, até os motores de carros aceitam hoje diversos tipos de combustível, porque um funcionário régiamente pago não pode também ser multi-tarefas”? O fato é que estes debates costumam demorar muito tempo então eu tomo o cuidado de iniciá-los somente quando tenho tempo de sobra e estou de bom humor! Quando ele tem um problema de verdade costuma se recolher à sua mesa e entra num mutismo absoluto, como se estivesse em coma e, nessa hora, somente nessa hora, é que eu começo a me preocupar. E, mesmo assim, só um pouco! Sendo assim, entrei como uma flecha, sem olhar ninguém diretamente nos olhos, para não dar chance a questionamentos, desculpando-me pelo esquecimento da minha própria chave. Cumprimentei algumas pessoas que vi na sala de espera e me dirigi à minha própria onde, logo após entrar, fechei a porta, abri a janela para deixar entrar o ar frio do inverno e desabei na cadeira já me sentindo esgotado num dia que mal havia começado. Enquanto ligava o computador perguntei para mim mesmo se não estaria ficando velho demais e se não seria o caso de abandonar a academia que me fazia acordar de madrugada e me esgotava com toda essa levantação de ferros e corridas desvairadas para lugar nenhum a bordo de bicicletas imóveis ou encima de esteiras estacionadas. O computador me avisou que eram 11:33hs e, pela enésima vez naquele dia, resolvi parar de pensar em cretinices e me concentrar naquilo que tinha que ser feito e por isso fui até a porta e depois de abrí-la chamei pelo contador, pelo boy, pela auxiliar administrativa e pela nossa secretária, pronunciando em voz alta cada um dos seus nomes, pausada e claramente, e voltei par a minha mesa onde o micro já tinha carregado e mostrava a minha agenda do dia que estava totalmente desatualizada em função do adiantado da hora e também porque eu não a atualizara nos últimos seis meses. Depois de tentar lembrar como é que se desabilitava esta função “agenda” eu virei e me deparei com três das quatro pessoas que havia chamado, que miravam-me com olhar mortiço. Às 11:36hs desvencilhei-me do boy que, para variar, já estava com o dia tomado e perguntou aos céus, enquanto saía, “quando será que Deus vai olhar pra mim ou, pelo menos, iluminar a cabeça das pessoas para que elas percebam que eu sou um só e que não dá pra estar em quatro lugares ao mesmo tempo. Depois eles não entendem porque é que tem tanto bandido nas ruas e tanto homem-bomba no Oriente Médio...” Às 11:38hs cobrei da auxiliar como ia a preparação da folha de pagamento e ela se defendeu acusando meio mundo e dizendo que ali ninguém a respeitava, não mandavam os cartões de ponto ou se os mandavam o faziam de forma incorreta e incompleta e, por isso, juntos fizemos cinco ligações telefônicas e depois das promessas que ouvi, ela própria prometeu-me que a folha estaria na minha mesa ao final da tarde desde que a secretária, que não estava presente, deixasse de ser tão folgada e a ajudasse na colossal tarefa de digitação, conferência e impressão. Neste exato momento, a moça citada entra na sala, senta-se de cara amarrada e diz que ela ajuda na medida do possível, que faz dela as palavras do boy e que também ela se transformaria numa mulher-bomba caso as pessoas não entendessem que ela era uma só. Às 11:48hs a auxiliar administrativa lhe disse que “deste tamanho que você está, vai ficar meio difícil as pessoas acharem que você é uma só e aliás, você já parece uma mulher-bomba”! Ante a estupefação da secretária, ao invés de gargalhar, resolvi interferir e perguntar: “afinal de contas, o que é que vocês sabem de mulheres e homens-bomba que em vinte minutos, tanta gente já falou”? O contador que até o momento tinha estado calado parou de rir e disse que era eu mesmo que não parava de falar dos palestinos e que eles tinham tomado gosto pela coisa. A secretária chorosa reclamou por ter sido chamado de gorda e disse que ela trabalhava muito e que ninguém reconhecia e que ela não tinha culpa de sentir tanta fome e ter disfunções hormonais e então, para ser gentil, eu perguntei porque ela não fazia exercícios ao que ela respondeu que isso para ela não adiantava e foi quando eu decidi encerrar o assunto e solicitei formalmente a sua colaboração no sentido de agilizar o término da folha de pagamento e, para ser mais incisivo, emendei: “caso contrário a empresa será obrigada a atrasar os salários e todos os setenta funcionários vão saber quais foram os motivos do atraso”! Eram 11:56hs quando a auxiliar deu uma grande risada e disse que quando a notícia é ruim, a empresa é que será obrigada a fazer isso e aquilo. Quando a notícia é boa, nosso chefe aqui é que conseguiu os benefícios”! E passando a mão no ombro da secretária, disse: “vamos, dona Baleia, vamos trabalhar antes que o exército de Israel coloque os tanques na rua”. A secretária afastou a mão dela e, pesadamente, saiu rebolando o avantajado traseiro. Na porta ela ainda perguntou se eu queria algo da padaria já que seria necessário reforçar seu estoque de bolachas para suportar o ritmo pesado de trabalho da parte da tarde.
Continua...

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