quinta-feira, 10 de abril de 2008

Tem um monte de caneta lá embaixo

Lá no escritório tem um porão onde todos tem medo de entrar e por isso usamos apenas a parte da frente, que equivale a 20% da área total. Nestes 20 por cento estão algumas coisas arquivadas para serem esquecidas e numa prateleira espremida entre a parede e um armário do qual não temos chave, está colocado o nosso estoque de material de escritório.
O contador, que trabalha num esquema de escritório remoto, chegou ofegante e suado, depois de ter viajado duas horas de ônibus da casa dele até o escritório, para resolver um problema com o INSS. Bem talvez seja o FGTS, quem sabe a Receita Federal, mas, na verdade isso não tem a menor importância.
O fato é que ele sentou no computador e começou a clicar em diversos lugares e sites e. num determinado momento, pediu por uma caneta. Como eu só uso Montblanc, Waterman ou Aurora e não costumo emprestá-las nem por um caralho, recusei-me a ceder uma destas e disse que não tinha caneta nenhuma, mas, caso ele quisesse uma, poderia descer até o tal porão onde acharia caixas e caixas de bics ou equivalentes.
Ele respondeu que aquele lugar era infectado por todo tipo de praga e que seria extremamente desagradável pegar alguma doença para conseguir anotar umas poucas coisas no site da receita (ah! então o problema é na receita!). Respondi que não havia outra alternativa e pedi para que desviasse o olhar das minhas canetas que aquelas, eu não emprestaria. Elas eram inemprestáveis. Com um muxoxo levantou-se para se dirigir ao porão e lá ficou por um tempo muito maior que eu imaginava.
Quando voltou estava suado e com a camisa manchada de pó e graxa em três pontos visíveis. Trazia gotas de suor na testa e nas têmporas e coçava o antebraço da mão que segurava uma caneta bic.
Perguntei o que tinha acontecido e ele respondeu que tinha localizado diversas caixas de canetas, uma delas aberta. Quando enfiou a mão dentro da caixa sentiu, ou imaginou sentir, seus dedos tocando alguma coisa pequena e peluda. Tirou a mão rapidamente pensando ser uma aranha ou, na melhor da hipóteses, um camundonguinho. Ao fazer esse movimento estabanado derrubou a caixa aberta de canetas e seu conteúdo foi despejado atrás da estante, com estardalhaço, num local sem acesso, entre a parede e o armário trancado e sem chave. Que merda, pensou!
No entanto, ao recuar assustado, jura ter visto algum ser despencando da estante junto com as canetas; não sabe dizer se uma aranha ou um camundonguinho, quase filhote. Conta ainda que abaixou-se para tentar reaver as canetas, mas, o chão em baixo da estante parecia se mover e ele então resolveu abdicar daquelas canetas, abriu uma outra caixa, pegou uma caneta e subiu, já sentindo uma coceira no braço. perguntei sobre as manchas e ele respondeu que achava que, ao se abaixar, deve ter raspado em alguma superfície nojenta, coisa que não falta lá embaixo.
A coceira acabou sendo debitada a algum dos milhares de pernilongos que moram naquele porão, mas, xi!, o pernilongo te picou agora de dia?, será que não é um aedes aegypti?
Tendo recolhido os dados necessários para tentar resolver nossos problemas com o fisco, despediu-se dizendo que ia para casa pois se sentia enjoado e doente e que esperava não pegar dengue. A última coisa que falou foi: "tem um monte de caneta lá embaixo da estante!"

terça-feira, 8 de abril de 2008

O livro do Sobel

Confesso que senti um certo mal estar ao receber o copião do livro do Rabino. Afinal, não se trata de um livro ou de uma pessoa qualquer. Fiquei com medo de escrever a seu respeito ou a respeito deste livro, já que estamos falando de um ícone. Foi o mesmo medo que senti quando recebemos a notícia das gravatas.

E agora? Nós, que estávamos acostumados e gostávamos de ser representados por aquela figura folclórica, de repente nos vimos órfãos, sem chão. Quem vai ser agora o embaixador dos judeus brasileiros?

Numa das passagens do livro, Sobel conta que sentou-se no chão do moadon da Casa da Juventude da CIP para conversar com 1.500 jovens. Eu, que não sou grande apreciador de rabinos, era um daqueles jovens que ficaram hipnotizados escutando as suas tentativas de falar português. Mas aquilo não é um rabino, pensávamos. Depois, mesmo convivendo de perto, custamos a nos acostumar com a novidade. Um rabino jovem, disponível, sem barba, cabeludo, que usava bermudas, ia para a piscina, jogava vôlei com a gente na Rua Antonio Carlos e admirava uma mulher bonita passando na rua. Que rabino é esse?

Essa foi a mesma pergunta que todos se fizeram ao ver, estarrecidos, as fotos e notícias sobre o episódio em Palm Beach. Todos já sabíamos que o Rabino era apenas um ser humano, pois foi assim que ele sempre quis que o víssemos, e, como tal, estava sujeito a cometer erros. Nem todos os rabinos se colocam assim. Na sua maioria apresentam-se como pessoas imunes a falhas e dirigem-se às pessoas de maneira superior, de cima de um pedestal, ignorando a sua condição humana, ignorando, por vezes, a sua juventude e suas fraquezas.

Sobel também tinha suas vaidades. A diferença é que ele as fez por merecer, através do seu trabalho e da sua inteligência.

Tudo isso está contado no livro e, paradoxalmente, este é o grande defeito da obra. Ao longo das páginas, as histórias se sucedem frenéticas. Parece um relatório de atividades e justificativas. Como alguém a dizer: “sim, fiz um monte de besteiras e uma besteira mor, mas, em compensação, vejam quantas coisas boas produzi ao longo destes 40 anos”.

Não precisava, Rabino! Não neste contexto, não como se fosse necessária alguma justificativa. A sua vida, seu trabalho e suas posições são muito maiores que isso.

Os judeus estão habituados a pedir perdão e fazem isso todo ano. Sim, eu acho que a comunidade que você representava esperava um pedido de desculpas por aquela desonra pública, mesmo que se tratasse de efeitos colaterais de remédios ou doença, pois, no mínimo, você foi relapso, incauto. Afinal sempre pode haver um idiota a dizer: “veja do que é capaz o maior representante dos judeus”. E houve muitos idiotas, Rabino!

É claro que uma biografia do Sobel, em qualquer tempo, interessa ao público. Ele sempre foi uma boa ancora, um ótimo chamariz. Sua opinião passou a ser importante, e interessante, em qualquer circunstância, e, para o grande público, esta era a opinião dos judeus.

E agora? Quem vai ser nosso representante?

No livro que escreveu às pressas você poderá ler os detalhes sobre o caso Vladimir Herzog, que foi o vetor da sua introdução na vida pública brasileira. Além das polêmicas sobre doação de órgãos, quando da morte de Marcelo Fromer, das intrigas, as tentativas de puxarem-lhe o tapete e as sucessivas respostas a estas tentativas. Também fomos presenteados com alguns detalhes de sua vida desde a infância até a idade madura. Sobel desfila uma galeria de amigos importantes que conquistou ao longo do tempo, através de seu modo de agir, sempre conciliador, tolerante e solidário. E também uma galeria de inimigos, estes não tão importantes assim, quando então atuava de forma contrária. Quase uma metamorfose ambulante. Aliás, o livro está recheado de passagens, ainda sob aquela égide de se justificar perante o público, as quais pouca gente vai entender. Brigas, disputas e futricas intercomunitárias que serão de difícil assimilação para judeus que não são ativistas. O que dizer então para o público não judeu? Como é que um gói vai entender os meandros da nossa comunidade? As inúmeras linhas, doutrinas e facções que se entrecruzam, os ódios, rangeres de dentes e os diz-que-diz-que, que vicejam entre nós?

E há também um complicador que é a própria personalidade do Rabino. Quem é que pode entender um rabino que se declara vaidoso e se jacta de suas conquistas? Um homem que se sente à vontade tanto ao lado do Maluf como do Covas, do Lula, do Arafat ou do Papa...dá pra entender? Isso lá é postura de um homem que fez da religião o seu ofício? É!

No prefácio, FHC diz que passou uma tarde de sábado lendo o livro, cinco ou seis horas, talvez. Eu fui mais rápido. Não levei nem três para lê-lo (verdade que obliterei as prédicas e apêndices), o que denota o fato de que o livro é muito interessante, apesar do viés do contexto. Contudo, este foi o cenário que se apresentou ao Sobel, e, apesar de tudo, o livro prende a atenção, evoca lembranças, emociona e deixa uma sensação de perda.

Quem sabe daqui a alguns anos, o assunto estando mais sedimentado, possa ser lançado “Um Homem Um Rabino – reloaded”.

Não posso, finalmente, me furtar a destacar três coisas que me chamaram a atenção. A primeira, o sobrenome original do Henry Isaac: Zweibil. Nem desconfiava! A segunda, en passant, Sobel confessa não ter sido aquele,

seu primeiro incidente com a polícia americana. E a terceira, na seção de fotos, o Sobel tentando explicar ao Lula como se faz o hamsa.

putz!

esqueci de postar o resto da novela