E agora? Nós, que estávamos acostumados e gostávamos de ser representados por aquela figura folclórica, de repente nos vimos órfãos, sem chão. Quem vai ser agora o embaixador dos judeus brasileiros?
Numa das passagens do livro, Sobel conta que sentou-se no chão do moadon da Casa da Juventude da CIP para conversar com 1.500 jovens. Eu, que não sou grande apreciador de rabinos, era um daqueles jovens que ficaram hipnotizados escutando as suas tentativas de falar português. Mas aquilo não é um rabino, pensávamos. Depois, mesmo convivendo de perto, custamos a nos acostumar com a novidade. Um rabino jovem, disponível, sem barba, cabeludo, que usava bermudas, ia para a piscina, jogava vôlei com a gente na Rua Antonio Carlos e admirava uma mulher bonita passando na rua. Que rabino é esse?
Essa foi a mesma pergunta que todos se fizeram ao ver, estarrecidos, as fotos e notícias sobre o episódio em Palm Beach. Todos já sabíamos que o Rabino era apenas um ser humano, pois foi assim que ele sempre quis que o víssemos, e, como tal, estava sujeito a cometer erros. Nem todos os rabinos se colocam assim. Na sua maioria apresentam-se como pessoas imunes a falhas e dirigem-se às pessoas de maneira superior, de cima de um pedestal, ignorando a sua condição humana, ignorando, por vezes, a sua juventude e suas fraquezas.
Sobel também tinha suas vaidades. A diferença é que ele as fez por merecer, através do seu trabalho e da sua inteligência.
Tudo isso está contado no livro e, paradoxalmente, este é o grande defeito da obra. Ao longo das páginas, as histórias se sucedem frenéticas. Parece um relatório de atividades e justificativas. Como alguém a dizer: “sim, fiz um monte de besteiras e uma besteira mor, mas, em compensação, vejam quantas coisas boas produzi ao longo destes 40 anos”.
Não precisava, Rabino! Não neste contexto, não como se fosse necessária alguma justificativa. A sua vida, seu trabalho e suas posições são muito maiores que isso.
Os judeus estão habituados a pedir perdão e fazem isso todo ano. Sim, eu acho que a comunidade que você representava esperava um pedido de desculpas por aquela desonra pública, mesmo que se tratasse de efeitos colaterais de remédios ou doença, pois, no mínimo, você foi relapso, incauto. Afinal sempre pode haver um idiota a dizer: “veja do que é capaz o maior representante dos judeus”. E houve muitos idiotas, Rabino!
É claro que uma biografia do Sobel, em qualquer tempo, interessa ao público. Ele sempre foi uma boa ancora, um ótimo chamariz. Sua opinião passou a ser importante, e interessante, em qualquer circunstância, e, para o grande público, esta era a opinião dos judeus.
E agora? Quem vai ser nosso representante?
No livro que escreveu às pressas você poderá ler os detalhes sobre o caso Vladimir Herzog, que foi o vetor da sua introdução na vida pública brasileira. Além das polêmicas sobre doação de órgãos, quando da morte de Marcelo Fromer, das intrigas, as tentativas de puxarem-lhe o tapete e as sucessivas respostas a estas tentativas. Também fomos presenteados com alguns detalhes de sua vida desde a infância até a idade madura. Sobel desfila uma galeria de amigos importantes que conquistou ao longo do tempo, através de seu modo de agir, sempre conciliador, tolerante e solidário. E também uma galeria de inimigos, estes não tão importantes assim, quando então atuava de forma contrária. Quase uma metamorfose ambulante. Aliás, o livro está recheado de passagens, ainda sob aquela égide de se justificar perante o público, as quais pouca gente vai entender. Brigas, disputas e futricas intercomunitárias que serão de difícil assimilação para judeus que não são ativistas. O que dizer então para o público não judeu? Como é que um gói vai entender os meandros da nossa comunidade? As inúmeras linhas, doutrinas e facções que se entrecruzam, os ódios, rangeres de dentes e os diz-que-diz-que, que vicejam entre nós?
E há também um complicador que é a própria personalidade do Rabino. Quem é que pode entender um rabino que se declara vaidoso e se jacta de suas conquistas? Um homem que se sente à vontade tanto ao lado do Maluf como do Covas, do Lula, do Arafat ou do Papa...dá pra entender? Isso lá é postura de um homem que fez da religião o seu ofício? É!
No prefácio, FHC diz que passou uma tarde de sábado lendo o livro, cinco ou seis horas, talvez. Eu fui mais rápido. Não levei nem três para lê-lo (verdade que obliterei as prédicas e apêndices), o que denota o fato de que o livro é muito interessante, apesar do viés do contexto. Contudo, este foi o cenário que se apresentou ao Sobel, e, apesar de tudo, o livro prende a atenção, evoca lembranças, emociona e deixa uma sensação de perda.
Quem sabe daqui a alguns anos, o assunto estando mais sedimentado, possa ser lançado “Um Homem Um Rabino – reloaded”.
Não posso, finalmente, me furtar a destacar três coisas que me chamaram a atenção. A primeira, o sobrenome original do Henry Isaac: Zweibil. Nem desconfiava! A segunda, en passant, Sobel confessa não ter sido aquele,
seu primeiro incidente com a polícia americana. E a terceira, na seção de fotos, o Sobel tentando explicar ao Lula como se faz o hamsa.
2 comentários:
Eu deveria ter escrito o livro quando tive a idéia, em 2002 - era pra ter sido meu TCC na faculdade. Perdi o gás depois das primeiras entrevistas. A aura que existia ao redor do Rabino deixava todo mundo meio besta - como se mesmo as pessoas ‘a favor’ quisessem dizer algo alem de elogios, mas nao o faziam por meio de serem 'desleais'. Fiquei curiosa pra ler.
Estou lendo UM HOMEM, UM RABINO, de Henry Sobel. Gasto mais tempo que FHC, que fez o prefácio, e Moghrabi para ler a interessante biografia. Está sendo uma prazerosa leitura. Sobel, realmente, não é um homem qualquer, muito mais do que um ícone. Com a leitura, estou aprendendo muito. Aprendi que Mazal (sorte) envolve lugar (M - makom), tempo (Z - zman) e talento (L - limud) e isto Sobel sempre teve de sobra, esteve sempre no lugar certo e na hora certa. Algo que, confesso, também sou abençoado. Estou aprendendo muito e recomendo a leitura da biografia do rabino Henry Sobel.
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