Mané e Milu estão sozinhos em casa. Parte da família viajou outra parte não está e os dois se olham. Mané já o alimentou, já o levou para visitar a mãe, já passeou três vezes com ele e já deu guloseimas de toda espécie. Milu faz as atividades com gosto e não reclama das idas e vindas a pé e de carro. A cada dois minutos Milu olha para Mané com cara de pergunta. Cada vez que chegamos em casa Milu senta perto da porta e fica olhando pra ela. Mané foi pro banho e chamou Milu, Milu não veio. Mané saiu do banho e o cão continuava lá olhando pra porta. Mané preparou a cama de Milu ao lado da dele, coisa impensável em dias normais. Milu foi lá, cheirou e voltou pra porta. Mané se preocupa, mas Milu não está triste, ele come, passeia, late para os skatistas na Paulista e avança no faxineiro do prédio. Ele apenas sente falta do outros e resolveu esperá-los ali, na porta, por onde sempre todos chegam.13/01/2013

No final da sessão de cinema Mané e o filho se dirigem céleres ao banheiro para esvaziar as bexigas. Mané entra no banheiro e se depara com os mictórios cheios de gelo, método engenhoso que inventaram para eliminar o odor nauseabundo que domina qualquer banheiro público. Poucas mulheres devem conhecer. Mané adora fazer xixi em cubos de gelo o que lhe passa uma sensação de poder. Aquele esguicho quente acertando as pedrinhas e derretendo-as imediatamente numa demonstração do poder das entranhas do homem. Mané convidou o filho a sentir este inusitado prazer, mas o filho refugou e disse que ia preferir fazer xixi na privada, pois, “não quero mijar no gelo”. Mané então entregou-se ao prazer sozinho! 11/01/2013

É claro que Mané conversou com alguns amigos sobre a fixação do filho nos iogurtes de rótulos vermelhos com letras azuis e é claro também que alguns o aconselharam a guardar a garrafinha preferida e fazer a transferência em segredo. Mané foi suficientemente idiota para cometer esse desatino que resultou em nada, apenas mais frustração. Quando a primeira garrafa falsificada apareceu do nada na geladeira numa certa manhã, o filho de Mané comentou desconfiado, “como é que esse iogurte veio parar aqui se ninguém foi à padaria?” Algumas respostas mentirosas depois, durante o teste final de sabor: “esse iogurte não é da marca Danoninho. Está muito parecido com o Vigor da garrafa branca com letras rosa. Vou tomar Nescau.” 10/01/2013

O filho de Mané toma iogurte no café da manhã. Isso pode parecer uma coisa simples, mas não é! Até uns meses atrás, a única marca que ele admitia era Vigor, sabor morango, vasilhame vermelho com letras azuis. Mané sofria toda semana para encontrar aquele específico, nunca tinha! Mané perguntava se não podia ser de outra marca: “não pode!” Mané comprava de outra marca mesmo assim, mas o menino não tomava. Eis que a Vigor mudou a cor do vasilhame para branco com letras azuis e rosas. O menino então parou de tomar aquele e elegeu outro, o Danoninho, que também é vermelho com letras azuis. É claro que agora, quando Mané vai comprar o produto, nunca encontra o preferido Danoninho, mas na prateleira tem um monte daquele Vigor. Mané odeia os fabricantes de iogurte. 09/01/2012

Todo dia Mané faz tudo sempre igual. Algo tem que ser feito a respeito e urgente. Mané passa o fim do ano recebendo votos de feliz natal e feliz ano novo e já destilou muita amargura por isso. Depois começam as estações das chuvas e Mané fica assistindo às desgraças das inundações e soterramentos, além dos políticos dando entrevista com cara de consternados e culpando a própria população pela desgraça. Daqui a pouco vão começar as reportagens sobre o abuso nas vendas de material escolar e sobre a volta do trânsito. Hoje vão começar as mensagens das pessoas odiando o BigBrother, mas todos vão assistir. Mané está com tédio de tudo, até mesmo de si próprio.08/01/2013

Lá pelo fim do almoço familial, todos devidamente entuchados de muita coisa gostosa, a filha de Mané, acariciando a barriga, declara estar entupida de camarões, mas que com prazer comeria mais, apesar de ter sido aquela que mais os tinha comido. Mané que enquanto isso remexia com desleixo nas sobras de um dos pratos pensou que também comeria mais alguns crustáceos daqueles. Eis que do meio das sobras surge um último bem rosadinho e apetitoso, também percebido pela filha que o atacou imediatamente. Mané, que já se imaginava a degustá-lo, brandiu com mais rapidez o garfo e, de posse do mesmo, preparou-se para come-lo, quando um sentimento das profundezas o fez estender o garfo á filha, depositando gentilmente o acepipe na sua boca. Na volta pra casa, ainda com vontade daquele camarão, Mané deu-se conta do significado do amor. 05/01/2013

Mané nunca foi de acreditar em grandes mudanças de ano novo, não nutre nenhuma esperança quanto à abertura de um novo portal que traga 365 novas oportunidades e tampouco faz promessas mirabolantes. Mané não consegue imaginar que alguma coisa possa mudar de um dia pro outro, as oportunidades para os próximos 10.350 dias devem ser construídas no próprio dia a dia e as promessas, bem, pra que prometer se você não vai cumprir? 31/12/2012

Todo dia o sol levanta e nessa hora Mané pega a coleira e um saco plástico e desce para dar uma volta com seu cão. É nessa hora que o cachorro faz as suas primeiras necessidades fisiológicas do dia. Para o xixi, Milu tem um poste preferido, que é, aliás, o preferido por todos os cães da rua e Mané não tem idéia de como fazer a limpeza do fétido local e por isso tudo fica por ali mesmo. Quanto ao coco, que é feito em qualquer lugar ao longo da caminhada, Mané o recolhe com a sacola plástica e deposita a mesma em um dos lixos existentes na rua. Quando Milu termina o serviço faz um movimento com as patas de trás (como se jogasse terra por cima da merda). Nesta manhã Mané estava desatento e assim que o cãozinho defecou recolheu as fezes e seguiu adiante. Ocorre que ele não tinha terminado e poucos passos adiante fez mais um tanto e satisfeito “jogou terra” nos dejetos. Mané, com a sacola já cheia, ficou sem ação olhando para o montículo. Mané olhou para Milu, Milu olhou para Mané. Ali ficaram parados até que Mané percebeu que ninguém andava pela rua e assim, à francesa, seguiu adiante abandonando a bosta à própria sorte. 30/12/2012

Mané está sentado na frente de um sujeito que tem sotaque alemão. Só isso já basta para desestabilizá-lo, mas, para piorar, nos meandros da longa conversa o sujeito balança a cabeça e diz, de tempos em tempos, “endendi”. Mané está a ponto de explodir, mas esta é a única coisa que não poderia ser feita naquela situação. Então, utilizando os recursos de sua mente arguta, Mané desvia o rumo da conversa e faz com que o outro comece a falar. E o outro caindo como um patinho discursa em tom professoral (o que também irrita Mané). Neste momento Mané começa a balançar levemente a cabeça e passa a murmurar entremeadamente, “entendi”. Pronto! O sujeito se desestabiliza também, a conversa toma o rumo certo e vai a bom termo. 29/12/2012

O amigo médico de Mané também está por aqui nestes dias e por conta disso resolveram marcar um almoço. Depois de muito tempo finalmente conseguiram se encontrar a sós, livres de familiares e de qualquer outra coisa. Trocaram alguns telefonemas para acerto de horário, Mané até chegou a pensar em marcar uma hora no consultório pra garantir a presença do amigo, mas pensando em como atrasam as consultas médicas resolveu persistir pela via amigável. E deu certo, mesmo que o doutor olhasse algumas vezes para o relógio, comeram X-burguer e batatas fritas, trocaram confidências numa pequena celebração em nome dos últimos 40 anos. 27/12/2012

Nestes dias vazios, Mané anda com vagar pela cidade observando as ausências e se deleita com a estrutura quase toda à disposição. Todo mundo fica mais educado, a pressa inexiste e as coisas parecem estar no seu lugar. No escritório Mané não dá chilique, conversa longamente ao telefone com amigos e não tem nenhuma conta pra pagar. Não tem papeis pra assinar, o tanque do carro esta cheio e a rua cheia de vagas para estacionar. Mané não se ilude e sabe que todos os males estão à espreita e daqui a dez, talvez doze dias toda essa calmaria será regurgitada. 26/12/2012