quinta-feira, 17 de agosto de 2017
Mané tateia no criado mudo para ver a hora. São 6 da manhã. Mané geme e se pergunta porque vai fazer isso mas se levanta e vai checar o tempo. Tudo escuro, tudo frio e tudo seco. Mané passa whatsapp para o companheiro de parque e o insta a se levantar. Após as abluções volta para checar as mensagens e o amigo informa que vai levantar, depois que esta frio, depois que está indisposto e depois que não vai ao parque hoje. Mané pragueja, ofende o amigo e depois vai ao parque onde chega com um céu plúmbeo, um ambiente úmido mas nem uma gota de chuva ainda. E Mané ganha a pista, cumprimenta um ou outro habituée e trota vagarosamente, com preguiça, com frio, desanimado e com pena de si mesmo. Os espaços abertos se descortinam à sua frente, as nuvens estão opacas e baixas, se Mané fosse um gaulês, temeria que o céu lhe caísse sobre a cabeça. No ponto do parque mais inóspito, com um ventania de quina, Mané pensa na possibilidade de desistir, ir até a avenida e chamar um táxi para voltar ao estacionamento, quando um movimento incidental lhe chama a atenção. Lá na frente, bem longe, uma patinadora passa singrando na paisagem cinzenta. Um ponto de luz, com traje preto e rosa shocking, quase marca texto. Mané se apressa mas não vai conseguir alcançá-la. Ela segue rápida e coordenada, o corpo apontando pra frente, como uma flecha, concentrada com os olhos dentro da viseira. Seria ela? Mané termina sua volta e encosta numa mureta, ele acha que patinadora vai voltar. Mas Mané espera em vão, e vai para o carro. Gotas de chuva batem no para brisa, Mané manobra e mergulha no trânsito pesado, a família o espera para tomar o pequeno almoço.17/08/2017
quarta-feira, 16 de agosto de 2017
Mané está no metrô que chega à estação. Ele está à porta e escuta o sinalzinho que indica a iminente abertura das mesmas. Mané aguarda enquanto vê, do lado de fora, as pessoas se aglomerando no espaço onde ele tem que sair. Dentro do trem, as pessoas também estão aglomeradas e Mané sente nas costas os peitos de uma mulher que o encocha, inadvertidamente, é claro. Mané pensa que se algum lado não ceder, ninguém entra e ninguém sai naquela estação. As portas se abrem. Do lado direito de Mané, um vagalhão de gente se precipita para fora, uma boiada tentando sobreviver num rio cheio de jacarés. Na frente de Mané, todos acabam ficando prensados. Mané está imóvel, tem mulheres e homens à frente de Mané que olham pra baixo num impasse bovino, ninguém entra, ninguém sai. Tentam empurrar Mané pra dentro, Mané é grande e não se mexe. Súbito, a campainha soa alertando sobre o fechamento das portas. Prensado na multidão, Mané da um passo para o lado e é ejetado para fora do trem. As portas se fecham às suas costas, os que tentavam entrar, não entram, Mané se escafede rapidinho sentindo os olhares de ódio às suas costas. Mané não se importa, Mané é inflexível, primeiro as pessoas saem do trem, depois as outras entram. Se não for assim, alguns vão ficar prejudicados. Desta vez Mané venceu.15/08/2017
Um mês e meio antes de começar a namorar aquela com quem viria a se casar, Mané, que penava na tentativa de conquistar as atenções dela, infrutiferamente até então, vislumbrou uma chance que tratou de aproveitar. Um amigo faria uma festa de aniversário e ele aproveitou o ensejo e convidou a moça (e mais duas amigas dela pra disfarçar). Mané passou aquela noite nas nuvens, bebeu, conversou e dançou com a moça, pegou nela e ela nele, um sonho que na verdade terminou em um quase pesadelo. Pelas tantas, enquanto Mané a esperava voltar do banheiro, ele percebe uma agitação nos interiores da casa e ele vai até ali e vê a moça com cara de poucos amigos, chateada a procurar algo e Mané se acerca e descobre que a bolsa dela tinha desaparecido. Com o clima já destruído, Mané tenta contemporizar, enfim, como é a bolsa, o que tinha dentro, um pouco de dinheiro, um documento, nada grave, mas a menina foi embora e Mané perdeu a embocadura, pretendia isso e aquilo e o que restou foi levá-la até o carro e despedir-se dela entre sorrisos amarelos e uns poucos rangeres de dentes. Dois dias depois, de volta à casa do amigo onde teria ido para lamentar-se, eis que a bolsa tinha sido encontrada pela faxineira, metida sabe-se lá em quais cantos e Mané recupera a bolsa vazia e a guarda qual tesouro e com um motivo pra procurar a moça, a procura e lhe informa do achado e ela fica feliz que afinal tinha perdido só uns trocados, o documento por sorte tinha sido esquecido em casa naquele dia e Mané propõe um encontro para devolver a bolsa e ela gelidamente lhe pede para deixá-la em sua casa e Mané decepcionado aquiesce, mas não sem deixar um bilhete junto com o absorvente higiênico que remanescia na bolsa desde a noite dos fatos. Nesses dias em que essa história já remonta ao passado, aquela moça, que na verdade hoje é sua mulher, lhe disse num rompante que tinha sido aquele bilhete que a conquistou, o que Mané achou um espanto e por isso ele publica aqui aquelas poucas palavras escritas que vieram a determinar o seu futuro, pelo menos até aqui. 07/08/2017
Quando você interagir com uma pessoa deficiente faça-o de forma natural. Não tente parecer diferente do que sente (qualquer que seja o seu sentimento), não sinta pena, não rejeite e principalmente não seja mais efusivo do que seria com uma pessoa dita "normal". Apenas aja naturalmente e não se esqueça que o deficiente não é idiota. 7/8/2017
Tinha um bolo de cenoura na casa de Mané que ninguém comeu e que ficou ruim, meio duro e seco. Animado, no almoço sabático em família, Mané se propôs a fazê-lo em torradas, ficaria quase como um biscoito doce crocante. Chegando em casa Mané fatiou o bolo em cortes bem finos, pôs o forno no modo pre-aquecer, muniu-se de um bom livro, enfiou a travessa no forno e se pôs a ler enquanto supostamente vigiava a assadura das torradas. O problema é que o livro que Mané está lendo é bom. Parabéns Mané, mas não se apoquente, de qualquer jeito o bolo ia ser jogado fora mesmo. 5/8/2017
Mané e Salma estão deprimidos. Acabam de perder a titular de serviços gerais de casa. Neste, que seria o último final de semana das férias da moça, receberam um telefonema atestando que o gato tinha subido no telhado. Bem na hora que você começa a relaxar, sabendo que na segunda feira as coisas vão voltar para o lugar, as camisas vão ficar mais limpinhas e melhor passadas, que você vai poder sair sem ter que arrumar a cama e lavar a louça, eis que a moça não mais vai voltar para o trabalho. Salma e Mané lamentam, gostavam da moça que cuidava de tudo, se dava bem com todos os seres vivos da casa, mas ela ficou doente, tem que se cuidar e eles têm que dar o seu apoio. Sabemos que empregadas domésticas são praticamente coisas do passado, que é sempre difícil colocar uma pessoa estranha dentro de casa e o que os deixa deprimidos, além do trabalho extra a fazer em casa, é que ainda vão ter que passar por um doloroso processo de seleção onde habilidades e referências valem, mas muito pouco, você precisa ir com a cara da pessoa, pois esta é uma relação muito íntima e pessoal, Mané diria que até quase promiscua. Por todas essas razões, Salma e Mané decidiram que quem vai escolher a nova funcionária dentre as candidatas que se apresentarem será o Milu, sabem aquele ditado, Não confio em pessoas que não gostam de cachorros, mas confio totalmente num cachorro quando ele não gosta de uma pessoa. 29/07/2017
Dia de sol, temperatura amena, Mané percorre uma rua da Vila Mariana em declive, imerso em seus pensamentos. 30 metros adiante ele vê uma moça andando em sua direção. Vão se cruzar em poucos segundos e Mané acha que a moça esta sorrindo, mas é claro que não é pra ele. Alguma coisa de bom aconteceu e a moça, também imersa em seus pensamentos, sorri. Mané anda carrancudo mesmo que os pensamentos sejam agradáveis como por acaso naquele momento. Agora eles estão a três passos um do outro e o sorriso da moça parece se abrir ainda mais quando Mané tem uma epifania. Mané reconhece a moça, agora uma jovem senhora, de um passado remoto e tudo lhe vêm à tona. Mané lembra ter tido um caso com ela, Mané lembra que, além de bonita, ela tinha uma risada peculiar, ria assim como se fosse perder o ar e ela ria muito. Mané lembra que o “affaire” não deu certo, lembra que a coisa ficou mal parada, lembra que da última vez que a viu eles estavam sem roupa, mas não se lembra do nome dela. Beijo, como vai, o que tem feito, mora por aqui, vamos ali tomar um café. A conversa até que foi animada, Mané finalmente lembrou seu nome (mas não tem certeza se ela lembrou do dele) e Mané também lembrou do desastre. Foi num momento que ela riu, daquele jeito que parecia que ia perder o ar, que Mané lembrou daquela noite, ambos pelados, as cartas já na mesa, minha intenção é a mesma que a sua, então vamos deixar de perder tempo e Mané avança pra cima da então menina, beija, cheira, põe a mão naquilo, ela põe aquilo na mão e Mané resolve falar uma coisa no ouvido dela, uma coisa espirituosa, se é que me entendem e a garota cai na gargalhada, quase se dobrando daquele jeito que vai perder a respiração e Mané, encima dela, espera o efeito passar e a moça vai ficando sem ar e Mané sai de cima dela já meio puto, já nem olhando pra ela e ela continua arfando e Mané finalmente percebe que ela esta de fato perdendo o ar, seus lábios já estão roxos, a risada já se transformou num arquejo desesperado em busca de oxigênio e Mané a faz sentar e a ampara apavorado enquanto procura algo para abana-la. Mais tarde, já vestidos, Mané a deixou em sua casa que era bem longe e agora, no momento presente, Mané toma cuidado de não contar nenhuma piada enquanto se despedem. Não tocaram no assunto do passado, aliás, Mané nem sabe do que falaram durante o café. Mané sabe que nunca mais vai vê-la.26/07/2017
Mané está no carro todo fechado, sol na cara, um ambiente quentinho e aconchegante. Lá fora o trânsito urra, os moradores de rua estão secando a umidade e la nave va. No rádio o locutor anuncia um resultado qualquer sobre o mercado financeiro, quais bancos se destacaram em qual setor e Mané lembrou de sua época no banco e de como ele ficava aflito antes do anúncio do resultado anual. A área de Mané, leasing, sempre se destacava entre os concorrentes e Mané, como um dos responsáveis, ficava tão cheio de si que até levava o jornal pra casa pra mostrar para os familiares. Às vezes o destaque era tão grande que até entrevistavam Mané e aí, ahhhh, que satisfação para o ego. Mas, tudo passa na vida, não é? O banco de Mané hoje já nem existe e aquilo que à época parecia tudo, se transformou num nada absoluto . Então Mané olhou-se no retrovisor, enxergou ali um senhor de óculos escuros e cavanhaque branco e disse para si mesmo, "que idiota que você é, seu mané..25/07/17
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