terça-feira, 12 de março de 2019
Domingão, Mané está de carro na Faria Lima tranquilão. Pelas tantas, do seu lado esquerdo, um pelotão de ciclistas aparece. Muitas bicicletas, uns 50 metros de avenida cheia delas. Mané está andando na mesma velocidade, ao lado dos ciclistas que vão à frente. Do lado externo do bloco, alguns deles vão fazendo sinais com as mãos e gritando para que os carros se afastem. Mané se afasta pro lado, ciclistas são frágeis, Mané costuma respeitar. Adiante, Mané vê o farol amarelar e se prepara para frear, esperando que o bloco de ciclistas faça o mesmo, no entanto...Mané assiste a dianteira do bloco furar o sinal que de amarelo ia a vermelho e o pelotão inteiro passar impávido, gerando uma enorme confusão entre carros e pedestres que aguardavam o sinal abrir para passar na transversal. Mané teve um princípio de raiva. Lá na frente os ciclistas continuavam a acenar e gritar exigindo que os motoristas se afastassem e que os respeitassem, afinal, são frágeis. Enquanto assistia a uma confusão de carros e pedestres que não conseguiram atravessar porque o sinal tinha fechado de novo ao seu lado, Mané teve ímpetos de acelerar e atropelar o pelotão inteiro, fazer um strike, seria fácil. No entanto...Mané esperou outra vez diante do farol vermelho e enquanto assistia o pelotão se afastar ao longe, pensou que os ciclistas, assim como motoristas e também pedestres, patinetistas e motoqueiros, são todos selvagens. Salve-se quem puder. 12/03/2019
Milu tem um cantinho no quintal para fazer xixi e cocô, caso sinta necessidade fora dos três horários de passeio que faz ao dia ou em caso de dias chuvosos, quando não passeia pois se molhar as patinhas ele pega frieira. Mané é o zelador do local, cuidando para que sempre tenha uma camada de jornal limpo para o conforto do cão e para o seu próprio, um cantinho de xixi e cocô largado à própria sorte pode ficar muito desagradável. O jornal que Mané coloca é a Folha de São Paulo. Tem uma qualidade boa de papel e Mané aproveita para desopilar o fígado, deixando Milu cagar e mijar sobre reportagens de coisas e pessoas que odeia. Milu já despejou dejetos sobre políticos, artistas, filósofos, esportistas, Mané até já sabe quais seções colocar primeiro e se regozija ao perceber que seu fiel amigo mirou no olho de alguém ou emporcalhou uma frase de efeito. Nesta semana Mané recebeu de uma amiga um lote de O Estado de São Paulo que tem um papel melhor para se manusear mas pior para o fim primordial ao qual se destina: os excrementos do Milu. Mané não gostou muito da capacidade esponjosa do papel do Estado, apesar de também ter encontrado muitas matérias dignas de se transformar em mijo e merda de cachorro. Mas Mané vai usar este lote mesmo assim, serve bem afinal de contas, mesmo que tenha que colocar mais camadas de reportagens. 03/03/2019
Quando Mané era criança sua mãe costurava para fora, no sentido estrito da palavra. Moravam num pequeno apartamento na Av Rio Branco e as clientes vinham fazer a prova das roupas, atividade que acontecia na sala que, na verdade, era onde tudo acontecia por ali. Pelo meio da tarde, enquanto Mané fazia lição de casa, as clientes chegavam e ficavam tagarelando e tirando a roupa quando isso era necessário. Se havia a necessidade de algum ajuste rápido, elas ficavam por ali de soutien e calcinha, circulando desinibidas e não eram poucas as que se aproximavam de Mané, naquela indumentária, auxiliavam-no em alguma dúvida e depois voltavam para a frente do espelho. Ninguém dava conta de Mané, que era criança, sim, mas nem tanto. As moças deviam ter em torno de 30/35 anos e eram, na visão do garoto, todas belas e exuberantes. Mané quieto no seu canto, espichava o olho a perscrutar os recônditos das clientes de sua mãe e depois gastava muito tempo contando os detalhes para seus amiguinhos da rua, entre um e outro raide em carrinhos de rolimã. Certo dia, Mané estava à espreita, aguardando a Dona Leonor, umas de suas favoritas, que vinha experimentar um vestido. Ela apareceu e quando tirou a roupa Mané viu de olhos esbugalhados, que ela estava de cinta liga e meias de nylon, daquelas que antigamente tinham um risco na parte de trás. E foi um festival de tira e põe o vestido e Mané estava em brasas na sua cadeira quando na hora da prova final Dona Leonor se contorce para deixar o risco da meia bem reto e pergunta pra mãe de Mané se estava retinho mesmo e a mãe de Mané já enfastiada lhe diz que sim e Mané, num dos maiores vacilos de sua vida grita: “não está reto não, ali, bem pertinho da bunda, ainda está meio torto”, e correu até a bunda de Dona Leonor e atabalhoado tentou, com os dedinhos, acertar o risco. Foi um desastre, Mané nunca mais pôde assistir às provas de roupa, as corridas com carrinho de rolimã também perderam o encanto e Mané se deu conta de que tinha crescido. 27/02/2019
Mané está sentado na sala com Salma que escreve furiosamente num caderninho evidentemente sem disposição a qualquer diálogo. Mané faz uma ou duas observações e recebe de volta respostas monossilábicas. Mané tem ao seu redor três livros, o primeiro deles faltando duas páginas para acabar e os outros dois candidatos à próxima leitura. Mané termina o livro e faz um comentário longo ao qual Salma, ainda rabiscando, responde com um muxoxo. Mané persiste e lhe mostra os dois outros livros, «qual você acha que começo»? Demonstrando certa impaciência, Salma pega um deles, le as orelhas com delonga.Pega o outro e depois de cumprir o mesmo roteiro diz, «esse não» e lhe devolve o primeiro dizendo, «leia esse»! Mané então lhe pergunta do que se trata e ela diz, já voltando a rabiscar: «é uma, hmmm, uma história, com uma linguagem um pouco empostada, pode ser que você não goste, bem, não goste da, hmmm, história». Mané levantou e disse que tinha achado impressionante a análise. Ela agradeceu sem levantar os olhos do caderninho. Ele disse então que ia tomar banho, ela respondeu, «traga uma ameixa pra mim também». Ele foi pro banho e não voltou mais pra sala. Tem dias que a coisa fica assim. 25/02/2019
Mané terminou de ler esse livro impactante e perguntou a Salma porque é que não tinham visto o filme de Clint Eastwood lá em 2003 quando foi lançado e Salma respondeu que tinha visto o filme, sim e Mané, tendo a certeza de não tê-lo visto, respondeu que ela estava enganada e ela perguntou se ele queria que lhe contasse a história e ele quis e ela, então, contou tudo em detalhes, o que indignou mais ainda a Mané que não se conformava com o fato dela ter visto o filme e ele não, já que nos últimos 35 anos tinham feito tudo juntinhos, mas o fato é que ou ele perdeu a memória ou ele não viu mesmo o filme, mas, ela viu. E o assunto dominou o dia, a cada pouco ele perguntava: mas com quem você viu o filme? E ela dizia não sei, acho que foi com você. E ele foi ficando irado porque ele não tinha visto o filme, não se lembrava da história, chocou-se com o final do livro. Agora há pouco, Salma já cheia da lenga lenga lhe disse: tá bom, você não viu o filme mas eu não li o livro, empatamos, tá bom? Mané foi para o quarto ressabiado e pouco depois voltou: será que você não viu o filme naquela vez em 2004, quando eu fui sozinho pra Israel? Se você lembrar, não se esqueça de me dizer. + foto livro “sobre meninos e lobos”. 10/02/2019
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