sábado, 26 de setembro de 2020

Desde pequeno Mané se lembra da agitação nessa época do ano, o intervalo entre Rosh Ha-Shana e Yom Kipur, época em que os judeus homenageiam os mortos, a mãe e os tios de Mané se organizavam para visitar os seus. Eram dias de combinações e acertos, quem ia seguir quem, quem levava quem, enfim, Mané sentia inveja, queria visitar o avô, seu único morto mas os pequenos ficavam em casa, nada de cemitério pra eles. Décadas se passaram. Ontem Mané foi visitar seus mortos. Gastou dois pacotes de velas e andou sob um sol implacável feito um mouro. Pelo meio do percurso os joelhos de Mané gritavam de dor pelas flexões para acender as velas e lutar contra o vento para mantê-las acesas. No fim até dava uma sentadinha ao rés do túmulo para descansar. Visitou todos os 14 membros da família que moram agora no Butantã e saiu de lá se sentindo sozinho, cansado e contrariado com a quantidade dos que foram. Enquanto cumpria na saída o ritual do lava-mão, com o telefone pendurado na orelha, reclamou para a mãe pela trabalheira e ela lhe disse que tinha feito uma coisa boa. Mané, que não acredita em muita coisa, nem boa, nem ruim, aprecia ter um endereço pra visitar seu velho e, aqui entre nós, nunca na vida conversou tanto com ele. 25/9/2020

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