sábado, 25 de setembro de 2021

Mané já contou aqui que nos anos normais, nas efemérides, sua ong recebe doações temáticas, sempre em excesso. No Natal, muito mais panetones do que seus atendidos podem consumir, no frio, uma infinidade de cobertores, na Páscoa toneladas de ovos chocolates. Mané costuma, nessas épocas, encher o carro com as sobras e, a caminho de casa, vai distribuindo a mercadoria entre os miseráveis que encontra pela cidade, sempre dando preferência para mulheres com filhos que vivem pelas calçadas. É sempre uma festa, as pessoas ficam agradecidas, você recebe sorrisos afetivos e quando vai pra casa, paira uma sensação de missão cumprida e paz. Nesta segunda Páscoa pandêmica, a quantidade de ovos que chegou não foi lá aquelas coisas, no mais, reflexo da diminuição geral de doações que se observou ao longo do ano. De qualquer forma Mané saiu para distribuir o pouco que restou, com uma pulga atrás da orelha: como faria pra chegar nas pessoas? Parar o carro e atirar os ovos de longe? Mané ficou com esses pensamentos sombrios quando passou por um grupo de pessoas, uma família talvez, algumas mulheres sentadas sobre seus andrajos e crianças brincando ao lado. Mané encostou o carro e chamou as crianças que vieram e, mais ou menos de longe, pegaram os ovos. Quando Mané se preparava pra ir embora, ouviu um clamor e, ao se virar viu um bando de gente vindo em sua direção, Mané entrou no carro, afastou-se um pouco e disse pra eles ficarem longe e eles obedeceram. Mané tinha no carro um lote de máscaras e disse à turba que iria distribuir um ovo e uma máscara por pessoa e alguns responderam, "máscara não precisa". Como dizer? Não foi bom. As pessoas sujas e com cara de poucos amigos pegaram seu ovo e sua máscara que Mané tinha deixado em caixas a uns três metros. Ninguém pegou mais do que devia e poucos agradeceram. Uma menininha veio pedir esmola depois de pegar o ovo, Mané deu. O ambiente estava estranho e então Mané resolveu encerrar a atividade que em outros anos tinha sido tão prazerosa. Deixou no carro um tantinho de ovos para os funcionários do prédio e para a titular de serviços gerais, que certamente vão gostar. Desta vez, Mané sentiu como se estivesse cumprindo uma obrigação e talvez isso seja verdade. Vade retro, as coisas estão todas muito erradas, não se consegue mais extrair prazer de nada. 01/04/21

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