sábado, 25 de setembro de 2021

Na virada do século XX, Mané escrevia crônicas numa revista judaica. Crônicas de verdade, cinco mil toques sem espaço, não essas coisinhas que hoje se vê por aqui. Em 2001, ele cismou de publicar um livro, levou suas crônicas para um editor deprimido que todo mundo conhece e que fôra seu amigo na adolescência. Aquele foi o primeiro não que Mané levou na qualidade de escritor. E o último. Mané optou por não levar mais negativas e também por fazer uma vaquinha pra bancar a edição do livro. Mané levantou 65% do valor e o resto bancou ele mesmo. Um outro amigo fez a arte gráfica e, uma pessoa de seu relacionamento que participou com metade dos 65%, exigiu apenas que Mané lhe desse 100 exemplares dos 2000 que iam ser impressos. Mané fez isso com prazer mas ficou curioso com a exigência e perguntou o que ia fazer com aquilo? O amigo respondeu que ia guardar e vender quando Mané ficasse famoso e a edição ficasse esgotada. Bem, a história está aí pra provar que o sujeito fez um péssimo investimento, verdade que a edição esgotou, Mané depois publicou mais dois livros, também esgotados, mas, ficou faltando o detalhe de ficar famoso. Todo mundo sabe que Mané desistiu de ser escritor, pelo menos no sentido amplo da palavra, continuou a fazer o seu trabalho na área financeira e, claro, continuou escrevendo para suprir sua necessidade de escrever. Por sorte a notoriedade nunca foi seu objetivo porque no outro dia, Mané ousou se enfiar num sebo e se deparou com uma prateleira cheia de exemplares do seu primeiro livro, aquele financiado pelo empresário amigo. Mané teve a pachorra de contar quantos eram e achou 98. Cabreiro, Mané foi ao dono do sebo, seu conhecido. O sujeito descreveu o vendedor e Mané reconheceu o amigo. Disse que tinha comprado 100 exemplares no meio da pandemia e tinha vendido dois que, inclusive, "estavam autografados pelo senhor". Mané riu e disse que naquele lote tinha 30 exemplares autografados e o dono do sebo rejubilou-se dizendo que "autografados têm mais valor" e depois de um segundo continuou, "qualquer que seja o escritor". Mané fez ouvidos moucos ao último comentário e a pedido do moço, passou o resto da tarde autografando os 70 exemplares remanescentes. Foi bom porque Mané lembrou das noites de lançamento dos livros quando Salma teve que fazer uma salmoura de água quente na sua mão que doía muito depois de ter dado duas centenas de autógrafos. Mané ligou para o amigo e contou a ele o que tinha acontecido e ele se desculpou constrangido mas, "estava faltando espaço, sabe como é". Mané disse que não estava bravo, pelo contrário, os livros iam circular mas, se ele tivesse avisado, Mané os teria comprado por mais que os dois reais por livro que ele tinha conseguido. E mais, disse Mané, ele vendeu dois exemplares autografados por 20 reais cada, 900% de lucro. Silêncio. E Mané completou: "eu autografei todos os livros pro cara, parece que assinados tem mais valor". Eles riram, perguntaram como iam indo, família, filhos, vamos nos falar, abração. 2/9/21

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