quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Um dia na vida - terceiro fragmento - 6:56

Sozinho no carro voltei a sintonizar a única rádio que costumo escutar, aquela cujo jingle a define como a estação que “toca notícias”, e que, segundo o resto da família, não passa de uma falação sem fim, o que não deixa de ser verdade, pois quem passa grande parte do dia andando de carro, que é o meu caso, corre o risco de ouvir inúmeras vezes por dia a mesma notícia, a mesma opinião e o mesmo comentário. Tudo bem! Eu não me importo. Se estou sozinho no carro fico escutando a CBN e, mesmo por vezes achando tudo muito chato, continuo escutando e pensando em como são pernósticos e tediosos aqueles locutores e comentaristas. Tomo como exemplo o Arnaldo Jabor: ele nunca está satisfeito com nada. Parece que, quando o contrataram, uma cláusula no seu contrato rezava ser proibido ele sequer aventar a possibilidade de que alguma coisa pudesse dar certo em qualquer lugar do Brasil. Ele sempre desce o pau em tudo e todos e ainda por cima é anti-semita. Por outro lado, quem escuta os comentários do Gilberto Dimenstein, que costuma falar no rádio em tom de “Poliana deslumbrada” sobre a nossa cidade, vai achar que nós vivemos na melhor cidade da América Latina, quiçá do mundo. Ele tem a capacidade de descobrir, diariamente, alguém fazendo alguma coisa, na sua opinião, maravilhosa, uma ação comunitária perdida num rincão longínquo da urbe, e trata disso como se fosse um dos maiores acontecimentos do século. E depois, no fim, pergunta: “você não achou isso maravilhoso, prezado ouvinte?” E eu, o ouvinte, entalado no trânsito, morrendo de calor ou sendo assaltado, nunca tenho a chance de responder, mesmo porque não estou ao microfone, mas, se pudesse, talvez ele não gostasse do que ouviria. Mesmo assim, eu escuto até o fim tanto as suas quanto as outras diatribes que são ditas ao longo do dia, pois, no meio delas, sempre tem alguma coisa de útil, como, por exemplo, vias que estão congestionadas, locais onde haverão passeatas ou manifestações e, claro, notícias que vão acontecendo aqui e no mundo, as quais você fica sabendo na hora. E foi pensando em diatribes que me lembrei da conversa que tive ontem no jantar com a minha filha, que começou a fazer na semana passada um cursinho intensivo para entrar na faculdade, de forma que a vida dela se transformou num tsunami. Ela sai cedinho pela manhã e só volta lá pelas oito da noite, carregada de tantos livros e apostilas que nem sei como é que seu corpo frágil não verga ao peso de tanto papel. Condoído de tanto sofrimento comecei a questioná-la a respeito de um trabalho da escola que ela dizia ter que fazer no dia seguinte e que a faria voltar para casa somente às onze da noite. Disse que desse jeito não dava, que ela não ia agüentar, que o terceiro colegial ela tinha que levar de uma forma mais sossegada, que ela precisava estar descansada para o vestibular, em resumo: eu dizia que ela tinha que estudar menos. Ainda emendei dizendo que ela não devia ir ao cursinho no final de semana, que ficasse dormindo, saísse para se divertir, só faltou dizer para que matasse aulas. Demorei a perceber que a discussão estava invertida, mas, a certa altura, ela me perguntou se quando eu tinha feito cursinho meus pais exigiam que eu estudasse menos, faltasse às aulas e não fizesse os trabalhos da escola. Falei que na minha época o terceiro colegial era de noite, todinho preparado para você fazer cursinho de manhã e esquecer que existia o colegial e que, portanto nós não nos desgastávamos tanto. Ainda assim, ela levantou da mesa e me disse que iria continuar fazendo o colegial puxado dela, o cursinho intensivo, os trabalhos trabalhosos e que não iria matar aulas nos finais de semana. Depois eu fiquei pensando até onde pode nos levar a preocupação com os filhos. De repente, numa inversão total de valores eu estava quase obrigando minha filha a não estudar tanto em benefício dela própria. Como ela quase me matou de orgulho, estou pensando em lhe ministrar algumas vitaminas energéticas.
E foi assim que, às 7:01hs, eu cheguei à rua lateral da academia e me pus a procurar uma vaga para estacionar. Estacionei o carro a poucos metros da porta e pouco depois de desligar o motor fui tomado por um enorme ímpeto de fugir dali. Compreendi imediatamente que eu estava com preguiça e sem nenhuma vontade de entrar, falar bom dia para as meninas da recepção, apor o indicador na catraca eletrônica, deixar o agasalho na chapelaria, fingir fazer dez minutos de aquecimento, pegar o treino do dia no computador, perguntar algumas coisas para os professores, puxar ferro por 40 minutos enquanto converso fiado com alguém, fazer alongamento, fazer 30 minutos de bicicleta enquanto converso fiado com alguém, fazer alongamento, pesar-me, pegar o meu agasalho na chapelaria, falar qualquer coisa agradável para a chapeleira, despedir-me das meninas da recepção e finalmente ir para casa.
Às 7:02hs, o que eu queria era entrar na academia com uma metralhadora em punho e abrir fogo contra qualquer coisa ou pessoa que se mexesse, espalhando sangue e miolos pelas paredes. Depois jogar uma quantidade suficiente de coquetéis molotov para incendiar o local de forma que não sobrasse sequer um vestígio de aparelhos de ginástica, esteiras, pesos ou bicicletas. No entanto, depois de hesitar por dois segundos, subi os cinco degraus de ferro que estavam um pouco escorregadios por causa da chuva, abri a pesada porta, cumprimentei as meninas tendo recebido três imediatos e animados “bom dia”, e, solenemente, às 7:03hs, apus o meu indicador na catraca que me devolveu como resposta o fatal “acesso liberado”. Sem alternativa, entrei na academia e arrastei-me pesadamente rumo à chapelaria.
continua...

2 comentários:

Anônimo disse...

Mograbi,
Adorei seu blog, me identifiquei muito com voce, no entanto adoro ouvir a CBN.
Sua fã anônima...

Anônimo disse...

Alberto
ja estou no 3º capitulo, agora ja sei que tenho que ler na ordem inversa.
Um conselho, ouça no carro a Band News FM ( a cada 20 minutos tudo pode mudar), compare com a CBN ( a radio que toca noticias).
De sua fã anonima, mas que tenho a certeza de que vc sabe quem é