terça-feira, 7 de novembro de 2017
O metrô é um território sagrado para Mané. Diferentemente de Salma, que conversa com qualquer pessoa que estiver por perto, Mané abomina contatos com estranhos. Assim que Mané se acomoda no trem sempre vazio no Terminal Vila Madalena, saca da mochila o livro que estiver lendo e enfia a cara nele, o que desautoriza e inibe qualquer pessoa de lhe dirigir a palavra. Mané também odeia aqueles pedintes que entram no comboio e começam a gritar: “desculpe estar incomodando a sua viagem, mas eu tenho três filhos e...”, ou ainda alguns músicos que, ao invés de se limitarem a tocar e cantar nas estações, quando Mané sempre deposita nos chapéus uma nota de dois reais ou então algumas moedas, insistem em tocar música andina, com flauta e tudo, dentro do trem, atrapalhando sobremaneira aquele momento de paz que Mané tanto gosta de desfrutar. Mas, como Mané dizia, hoje, ao sacar o livro e começar a ler, um senhor bastante lesado que estava sentado à frente de Mané nas cadeiras azuis claras, começa a fazer uma pergunta. Mané, que tem muita consideração por velhos, interrompeu a leitura e pediu para a pessoa repetir a dúvida e o cara repetiu, mas Mané estava convencido que ele deve ter nascido no Tibet, pois não entendia nada do que ele falava. O velhinho falou umas oito vezes e por fim, Mané que já não aguentava mais o bafo de lobo que ele emitia, descobriu que ele queria ia à estação Sé, o que lhe foi explicado: “desce no Paraíso, pega o trem em direção ao Tucuruvi, desce na Sé”. O olhar vazio do homem demonstrava que ele não entendia nada do que estava sendo explicado e Mané, exasperado por não poder ler e tendo certeza que o homem não chegaria a lugar nenhum, desceu com ele no Paraíso e colocou-o na plataforma certa e perguntou se ele saberia seguir adiante e o homem acenou que sim, mas Mané duvidou e resolveu entrega-lo aos cuidados de algum funcionário do metrô, o que foi feito com louvor. Quando Mané já se afastava do local, ele ouve um “senhor, senhor” e pensou até em não se virar, mas ele se virou e deparou-se com o funcionário com olhar estupefato a lhe perguntar que língua o tal velhinho falava e Mané respondeu Tibetano, mas não se preocupe, ele precisa ir à Praça da Sé, coloque-o no trem certo e peça pra alguém pegá-lo na outra ponta, ele entende português. Mané viu o rosto do funcionário se iluminar e depois de agradecer, pegou o velhote pelo cotovelo e foi indo embora, pelo menos alguma coisa funciona nesta merda de país. Mané ficou exatos cinco minutos com a sensação de dever cumprido e, de volta ao seu trem, arrependeu-se de ter brincado com essa historia de tibetano e começou a ficar preocupado com o destino do velho atrapalhado e ainda está.06/11/2017
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