sábado, 2 de novembro de 2019
Durante a faculdade e um pouco depois, Mané teve uma namorada que foi importante. Eram dois gênios fortes e por isso a relação foi intensa tanto no afeto quanto nas brigas. Aliás, foi um namoro repleto de idas e vindas, terminava com promessas de nunca mais e voltava com a sensação do agora é para sempre. Era como se tivessem um acordo: vamos sempre brigar, mas a gente retoma daqui a pouco, e assim foi durante quase 6 anos. Num desses rompimentos, que foi mais demorado que o normal, Mané conheceu Salma e já a namorava há quase um ano quando foram a um show do Eduardo Dusek – Barrados no Baile. Lá nas arquibancadas, enquanto aguardavam o início do show, Mané e Salma comiam guloseimas e se amassavam quando Mané se sentiu observado. Por cima do ombro de Salma, Mané revê a sua namorada da faculdade que o fulmina com um olhar de: “como assim, não tínhamos um acordo?” Aquela foi a última vez que Mané a viu e aquele olhar o assombraria para sempre. Pouco depois se casou com Salma e num determinado dia de 1986 toca o telefone no recém formado lar de Mané, enquanto assistiam na TV a Tancredo Neves agonizando mas mantendo os sinais vitais. Um colega da faculdade, diz Salma. Uma breve conversa e o cara lhe informa que tem uma má notícia: a namorada da faculdade tinha morrido num acidente, missa de sétimo dia amanhã. Mané ficou em estado de choque, nem o apoio de Salma o tirou do catatonismo. Mané foi à missa, reencontrou os parentes, mas tudo lhe parecia distante e irreal, como assim ela morreu, não tinham um acordo?
Passados mais de 30 anos, de tempos em tempos Mané se lembra dela e a coisa sempre fica assim, parada no ar, aquele último olhar sempre incomodando, como uma história sem fim. Nesses dias Mané resolveu visitá-la no cemitério e quando chegou lá se deparou com um gramado bonito e uma placa com seu nome. Mané não tinha trazido flores (nem as pedrinhas dos cemitérios judaicos) então ficou lá um tempinho remexendo nos bolsos a procura de alguma coisa, um sinal. Nada. Nada a não ser uma paçoca que Mané tinha comprado num farol por 2 reais. Então Mané tirou a paçoca do bolso e a depositou num vão destinado ao vaso de flores, e a cobriu com umas folhas secas. Mané pensou alguns segundos se aquilo fazia sentido, mas depois lembrou que paçoca é uma guloseima mineira e como ela era de origem mineira e gostava de guloseimas, talvez apreciasse. Então Mané se afastou rapidamente antes que alguém percebesse sua insanidade, entrou no carro e mergulhou na realidade. No carro Mané ficou pensando que ainda faltavam alguns detalhes para fechar essa página, mas ele desconfia que o livro vá permanecer aberto. Mané ligou o rádio na Kiss FM onde tocava, significativamente, uma musica do Guns and Roses, cujo refrão martela insistentemente: “yesterdays got nothing for me” 15/10/2019
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