sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
Da janela da sala de aula se podia enxergar a cidade velha, o sol brilhando no domo dourado da mesquita de El Aksa. Sem dar na vista, Mané e um amigo saíram de fininho e tomaram um ônibus que os levaria até a Porta de Jaffa. Depois de ultrapassar as grossas muralhas, por dentro daquela entrada em L à prova de arietes, o ambiente mudava por completo, uma viagem ao passado. Passearam pelo shuk, pechincharam com os mercadores, comeram algumas podres delícias e viram-se no meio do bairro árabe. As advertências sobre segurança vieram à mente, mas ninguém falou nada. Do outro lado da pracinha divisaram uma porta verde, a entrada para a planície das mesquitas. Resolveram ser uma boa ideia visitar o lugar e se dirigiram para um guarda trajado num deselegante uniforme azul. De pele mais escura, bigodinho, os dentes da frente separados, o guarda pareceu um sujeito simpático. Mané conversa com o guarda usando seus parcos conhecimentos de árabe e pergunta se poderiam visitar a mesquita. Quando ele ia começar a falar escutam alguém gritar: Oliveira! Oliveira! O guarda se vira, pede para esperarem um pouco e vai atender ao chamado. Quando volta Mané pergunta ainda em árabe: você chama Oliveira? Ele responde que sim. E de repente falaram junto: mas então você é brasileiro!
Na frente deles estava José Oliveira, nascido em Porto Seguro - Bahia, filho de João Oliveira e Fatma. De um modo singelo ele conta que sua mãe tinha vindo ao Brasil com seus pais, fugindo da guerra de 1948. Tempos depois, já casada com o brasileiro e com filhos, resolvem voltar, por insistência dos parentes de Fatma. Estabeleceram-se em Jerusalém oriental, então sob governo da Jordânia. Pouco depois eclode a Guerra dos Seis Dias e nas palavras dele “acabamos vindo morar em Israel”. Depois disso pergunta para confirmar: são judeus? Mané diz que sim e pergunta se isso representava problema. Acho que não, ele falou, é pena que meu pai já tenha morrido, pois ele ia adorar conversar com vocês, ele morreu sem voltar para o Brasil e isso sempre foi a grande mágoa dele. Passaram a tarde conversando com o Oliveira, escutando um inusitado sotaque bahiano misturado com árabe, entre uma ou outra palavra em hebraico. No final do seu turno, nos levou para dentro das mesquitas onde fizeram uma visita diferente, levados pelo árabe muçulmano e brasileiro, que fez questão de contar toda a história de Muhamad Ali. Ninguém falou do Templo de Salomão. Na saída, tão animado estava que os convidou para uma visita à sua casa. Disse que tinha muitos irmãos brasileiros, outros jordanianos, filhos e sobrinhos e que todos iam ficar extasiados com a visita de dois falantes de português. Numa rápida conferência, curiosos por visitar uma casa árabe, mas também receosos, resolveram aceitar o convite. Imprudência ou não, eles foram, e naquele dia conheceram Fatma já anciã, que lacrimejou ao escutar português. Conheceram também Aziz, Mahmud, Soraya, Anuar, Pedro, Nagib, Antônio, Laila, Lahanda, Kamal, Assad, Ablan, Fuad, Uaji, Raimundo, Yasmine, Ahmed, Zanuba, Zobaida, Nur, Alice, Samira, Muna, Nadia, Amina, Ismail, Hussein, Abdul e outros. Uma grande e animada família, os Oliveira de Jerusalém. Na maior hospitalidade lhes deram de comer e beber e eles retribuíram respondendo a diversas perguntas sobre o Brasil e deram as notícias que tinham sobre a Bahia. Na hora de ir embora, José e Pedro, acompanhados do pequeno Hussein, de Anuar e de Samira, os levaram em segurança até os limites do bairro árabe. Trocaram beijos e em segredo José disse a Mané que tinha percebido que ele não era brasileiro, onde é que tinha aprendido árabe?, mas que não tinha falado nada para não decepcionar o grupo. Samira e Anuar, disseram que tinham adorado o encontro e que se quiséssemos voltar, a casa estava aberta. Salam Aleikhoum, gritaram em uníssono, UAleikhoum el Salam, respondeu Mané que nunca mais soube dos Oliveiras.08/12/2020
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