sábado, 25 de setembro de 2021

Mané tem um amigo há 45 anos. Quando Mané trabalhava no mercado financeiro lhe contava coisas que ocorriam intestinamente naquelas instituições acima de qualquer suspeita e ele ficava apavorado com as coisas horríveis que podem acontecer ali. Hoje, sendo médico, ele apavora Mané sobre as coisas horríveis que podem acontecer dentro de um hospital, estas outras instituições acima de qualquer suspeita. Na juventude quando um dos dois estava sem a sua menina veneno, saiam a três, Mané, ele e a namorada ou, ele, Mané e a namorada. Eram inseparáveis e as namoradas deles, tinham que gostar dos dois, senão podia dar problema. Às vezes um ficava a fim da namorada do outro mas isso nunca foi um entrave e, apesar de algumas situações que ocorreram, tudo se resolvia entre os dois. Normalmente a culpa era delas. Andavam de bicicleta, jogavam tênis, saiam os dois no domingo à noite para comer chinese food e ir ao cinema. Quase inseparáveis. Depois ambos casaram, construíram suas famílias, Mané ama os filhos dele praticamente como os seus, antes da pandemia pedia para a esposa dele, exímia cozinheira, preparar-lhe pratos de sua preferência, assim como no passado ele pedia pra mãe de Mané algum prato árabe, não desses de restaurante, mas, caseiros, como full medamess ou enroladinhos de repolho. Claro que tiveram problemas, alguns sérios, houve brigas e estranhamentos, alguns graves, outros nem tanto mas eles sempre conseguiram aparar suas arestas. Machucados cicatrizam. Certa vez ele ficou com uma ex namorada de Mané, sendo que este último ainda nutria certa esperança, foi um furdunço mas Mané lembra que depois se vingou, ficando com ela quando romperam, a menina era muito dada, eles decidiram que ela não prestava. Em 2018 o amigo de Mané votou no Bolsonaro logo no primeiro turno. Mané tentou demovê-lo, vota no segundo turno, mas ele foi inflexível. Semana passada foram caminhar e ele ainda defende o presidente: “não deixam o homem governar”, reclama revoltado. Mané não diz nada, tenta mudar de assunto, comenta qualquer coisa sobre aquela coroa gostosa que está passando. E ele: “genocida? Quem o acusa não sabe o que é genocídio!” Mané fala então sobre um livro que está lendo, um filme da Netflix e fica pensando se essa amizade, depois de tanta coisa, pode sobreviver a mais esse golpe. Depois Mané volta pra casa e de noite se falam pra combinar a caminhada da semana que vem. Mané ama esse homem e deseja que ele desperte do seu estado comatoso, mas nunca que vai brigar com ele por causa de política. Já sobreviveram a mulheres roubadas não vai ser um político de terceira categoria que vai arranhar a relação. Mas que é insuportável ouvi-lo falar daquele jeito, isso é! 08/07/21

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