terça-feira, 22 de janeiro de 2019
E então, enquanto Mané, entre chorumelas, contava para a mãe o episódio do árabe ingrato (vide abaixo), ela se lembrou de outro, muito tempo atrás, igual ou parecido, que ocorrera no aeroporto, daquela vez, Mané não lembra? E Mané que não lembrava escuta a mãe relatar daquela vez no aeroporto de Viracopos quando foram buscar a irmã que voltava de viagem, Mané solteiro, o pai, a mãe e os sobrinhos gêmeos pequeninos, que já estavam com saudades dos pais. E enquanto esperavam Mané foi até ali com os meninos comprar alguma guloseima e se deparam com a cena: um homem falando em árabe com a atendente de informações que olha para ele com olhos esbugalhados. Mané, que sempre se sente atraído pela língua árabe, vai até o local dos fatos e tenta interferir. O homem, com bigodão e narigão adunco, fica feliz que Mané consegue entender alguma coisa, mas o cara tem um sotaque diferente e Mané não compreende o que ele quer. A certo custo, Mané diz que vai atrás de ajuda e, deixando os sobrinhos ali com o homem e a atendente, Mané vai até o outro lado buscar o pai que fala árabe com perfeição. O pai, sempre solícito, aquiesceu em fechar o livro que lia e seguiu Mané até o senhor. Lá chegando, descobriu que o árabe tinha se perdido dos familiares (parece que os árabes gostam de se perder). Com tranqüilidade e alguns cafés, o pai de Mané iniciou uma longa conversa com o sujeito, riram, apontaram para Mané e os gêmeos, parecia que o sisudo pai de Mané tinha encontrado um velho amigo. Mané prestava atenção tentando entender alguns pedaços: “eu sou do Egito, mas meu pai era de Alepo, não me diga talvez nossos pais se conheçam, ou fossem aparentados, aparentados? Impossível, eu sou judeu, ah judeu, que pena o que fizeram com os judeus, ah, e que pena fizeram com os árabes” e gargalhavam felizes. Pouco depois se aproxima uma família esbaforida, os parentes do árabe, gritam e brigam com o homem porque ele se perdeu, ele briga com eles por terem deixado ele se perder, beijam-se, abraçam-se, entre as muitas palavras, escuta-se sempre um “yahud” e Mané percebe que estão agradecendo a ele e ao pai, dois yahud, adultos e dois yahud pequenos e loirinhos e depois todos vão embora felizes, Mané também, com a sensação da missão cumprida e então ele corre para o desembarque arrastando os gêmeos que lá esta a mamãe saindo do portão e este, parece, não é o fim da história. Na confusão de abraços e beijos Mané conheceu Nadia, neta do árabe perdido e enquanto abraçava a irmã que chegava e se deleitava com a alegria dos pimpolhos a reencontrar a mãe, Mané se certifica de ainda ter no bolso o papelzinho que Nadia lhe deu sem ninguém ver e que continha um telefone fixo de Campinas e um endereço. Ao contrário do que possa parecer, Mané nunca mais viu Nadia e só veio a encontrar outro árabe perdido mais de 35 anos depois.22/01/2019
domingo, 13 de janeiro de 2019
Na infância, no seio da sua família judaica oriunda do Egito, a avó de Mané falava com ele em árabe, contava-lhe histórias, que nunca acabavam bem, em árabe, e lhe ensinava musiquinhas infantis, tudo em árabe. Vem daí a memória afetiva de Mané, toda vez que escuta essa língua, apesar da inimizade perene entre árabes e judeus. Corta pra hoje. Mané está dentro do seu carro parado num sinal. Do lado de fora tem cinco sóis para cada um, o asfalto arde. Mané vê sentado numa mureta na calçada adiante, um homem aparentando 75 anos, bem vestido, com uma boina xadrez na cabeça, segurando um lenço branco que às vezes passa no rosto para secar o suor. O homem lembra a figura de seus tios, bigode, narigão, enfim. Mané não tem certeza mas parece que ele chora. Mané hesita, não quer se envolver, mas encosta o carro e desce com sua garrafinha de água. Vai em direção ao homem que a esta altura soluça e se lamenta...em árabe. Mané se aproxima e começa a falar em árabe com o cara. O que houve, quem é o senhor. A cara do homem se ilumina, ele segura as mãos de Mané que lhe oferece água. O homem bebe. Resenhando: o refugiado sírio veio ao Brasil encontrar o filho, houve uma confusão de datas, o homem se perdeu há três dias, chegou nem sabe como até ali, Mané o achou. Deu-lhe água, comida e estudou um papel que o sujeito tinha na mão que continha um número de celular, um endereço perto dali e um nome, Khaled, filho de Hassan que agora sorria confiante para Mané. Entraram no carro com ar refrigerado, Hassan ficou impressionado. Pouco depois, Mané toca num prédio e alguém responde em árabe. Khaled desce esbaforido, os dois se abraçam, choram e gritam. Khaled briga com Hassan por ter se perdido. Hassan briga com Khaled por tê-lo deixado se perder. Mané assiste a tudo embevecido, parece assistir a cenas de sua família se reencontrando. Pouco depois os dois chegam perto de Mané, Hassan quer beija-lo mas Khaled o puxa, Mané sente um clima estranho mas, apaziguado, despede-se, entra no carro não sem antes escutar Khaled sussurrar ao pai: «yahud», judeu. Mané, que segundos atrás estava completamente feliz, sente vontade de dar marcha a ré e atropelar os dois, mas acelera enquanto tenta pensar como eles poderiam ter sabido. Enquanto o ódio vaza por seus poros, Mané lembra da bandeirinha de Israel grudada na traseira do seu carro: «yahud». Mané ficou com gosto ruim na boca, ia dar um gole na garrafa de onde Hassan tinha bebido mas preferiu jogá-la pela janela. 12/01/2019
Ele não lembra mas a família conta que, quando embarcaram no navio que os traria do Egito, Mané, que recém dava os primeiros passos, assim que se viu no convés, aproveitou uma distração de sua jovem mãe e disparou para longe, deixando a família em polvorosa nos primeiros minutos daquela que seria a maior aventura de suas vidas. Com a ajuda de tripulantes e de outros passageiros, capturaram Manézinho e o devolveram à segurança do colo de sua mãe que, mortificada, já imaginava o pimpolho mergulhando no Mediterrâneo e sendo devorado por terríveis criaturas marinhas. Um dia se passou e a convivência já se tornava insuportável pois a mãe não largava de Mané que se debatia freneticamente em busca de liberdade. De noite, aproximou-se um senhor e ofereceu à família um objeto que já não lhe valia mas poderia oferecer segurança para a mãe e certa liberdade para o endiabrado petiz: uma coleira. Era uma coleira dorsal, de couro, feita para crianças mesmo, à qual foi adaptada uma extensão e desde aquele momento, Mané andava pelo navio a dois metros de sua mãe, ele mais ou menos livre, ela mais ou menos tranquila. Mané pensa nesse episódio todo dia, quando passeia com Milu e sempre toma cuidado ao dar puxões e trancos, talvez por ter levado alguns naquele passado distante. Nesse começo de ano turbulento, Mané andou desejando que sua mãe lhe apusesse uma coleira, mesmo que virtual, e lhe indicasse qual o caminho bom para seguir, às vezes Mané se sente meio solto e fica com medo de tropeçar, cair no Mediterrâneo e ser engolido por uma terrível criatura marinha. 11/01/2019
Voz de Salma ao telefone com mãe:
10:30 - Mãe tudo bem?
dormiu bem?
vai sair?
10:40 - o que? A prima Dalila? Não acredito.
10:44 - ah, nem pensei nisso ainda, talvez comprar alguma coisa no mercado...
10:50 - mas ela falou uma coisa dessa?
10:55 - eu já falei pra você tomar um remedinho, meio comprimido e você vai chapar...
10:55:30 - chapar, dormir muito.
11:00 - não comprei nada ainda, só para o Anuar.
11:02 - mas o que você quer que eu faça? Ele não gosta de nada...
11:03 - ela é que nem o pai, uma chateza.
11:10 - mãe, ou faz peru e lombo ou peru e tender. peru, lombo e tender é exagero.
11:15 - ...rabanadas, claro.
11:26 - pode deixar eu trago sorvete.
11:30 - tá bom.... não nada, o Anuar quer torta de morango.
11:40 - de novo? O filho dele fez isso? Ah não acredito, o que esse moleque tem na cabeça...?
11:45 - tatuagens...não, caveiras, não, florzinha, letras, sei lá.
11:50 - mas aí nós vamos ter que lavar a louça, o Mané só lava louça em casa, mas ele pode tirar a mesa.
12:09 - tá bom, eu passo mais tarde pra gente conversar.
Voz de Mané ao telefone com a mãe:
12:19 - oi mãe tudo bem? Tá melhor?
12:19:02 - passa a pomada e toma bastante água
12:19:04 - hoje não
12:19:05 - beijo, te ligo amanhã.
12:19:06 - mas o que tem a internet?
12:19:07 - tá bom eu vejo depois, tchau. 23/12/2018
Mané chega em casa ansiando por um banho, mandar pelo ralo toda a nhaca do dia e adentra ao lar atirando óculos, carteira e mochila, faz um cafuné no cachorro e se dirige ao quarto onde, sem mais delongas, despe-se e joga a roupa suja no cesto enquanto liga o chuveiro e deixa escorrer a água para que esquente. Quando já sobem rolos de vapor pelo banheiro Mané entra no box e se depara, ao lado de inúmeros frascos de shampoo, cremes, sabonete líquido, buchas, escovas e quetais, com 5 garrafas de 1,5 litros de água mineral da marca Bonafonte. Mané estranhou as garrafas dentro da sala de banho e como já estava molhado gritou para Salma a saber o que significava aquilo, mas não obteve resposta. Após o banho dirigiu-se à sala com a toalha enrolada e perguntou novamente à Salma o significado da água mineral estocada no chuveiro ao que ela respondeu para deixar as águas onde elas estavam e Mané perguntou se ela podia ao menos explicar a razão dessa estocagem de água em local tão estranho e emendou: “é para o caso de alguém sentir sede durante o banho?” Salma olhou com cara de poucos amigos e foi ela própria tomar banho. Pouco depois Salma sai do banho e se põe a secar o cabelo diante do espelho e quando termina ela chama Mané e pede que ele passe a mão nos seu cabelos. Mané passa a mão e Salma lhe pergunta: “então?” E Mané responde: “então o que?” E Salma: “estou enxaguando meus cabelos com água mineral, veja como ficaram sedosos”. Eles ficaram se olhando um pouco, depois Salma saiu da frente do espelho e Mané também se virou para sair e aproveitou para perguntar o que teria para jantar. 07/12/2018
Lá pelo meio da sua carreira bancária Mané recebeu [mais] uma promoção que o deixou muito cheio de si, além de encher de orgulho toda sua família, pai, mãe, irmã, tia e esposa, menos os filhos que, pequeninos, não se deram conta do ocorrido. Seu chefe, um sujeito severo e sisudo, lhe disse que uma das razões para sua promoção, além do seu brilhantismo natural, claro, era que Mané era um sujeito pragmático que, diante de diversas bolas quicando, sabia escolher a bola boa. Tudo muito lindo, ao longo da vida Mané utilizou a sua verve pragmática para marcar seus gols e perder uns tantos outros. O problema é que Mané andou percebendo que muitas das bolas ruins abandonadas graças ao propalado pragmatismo, poderiam ter se tornado gols espetaculares mas o Mané, turrão, continua indo atrás das bolas boas que a cada ano se tornam mais raras. Culpa do chefe, o inferno são os outros. 28/11/2018
Quando Mané era criança costumava passar a tarde em casa com a sua avó, mãe de sua mãe. A avó, que tinha tido um infarto, precisava fazer caminhadas e Mané a acompanhava em pequenos passeios pela Av. Rio Branco, onde moravam. Eles iam até a granja comprar uma galinha pro jantar, iam até a farmácia, até a venda para um tubo de margarina ou um pão de forma e, às vezes, a um local que tinha acabado de ser inventado chamado supermercado. Certa feita, quando ja tinham comprado tudo que precisavam e se preparavam para sair, Mané encasquetou com uma bolacha mas a avó disse que não teria mais dinheiro o que provocou uma birra por parte do moleque e a avó, que habitualmente cedia a tudo que o neto queria, foi até a tal bolacha, pegou um pacote e o colocou por dentro da malha, arrastou Mané boquiaberto até o caixa, pagou as compras [menos a bolacha] e saiu do supermercado esbaforida. Na rua Mané tentou argumentar mas ela lhe fez « shhhhhh » com o dedo nos lábios e lhe deu o pacote de bolachas. Em casa, enquanto abriam o produto do roubo, ela fez Mané prometer que nunca contaria nada a ninguém, que tinha feito uma coisa errada mas que às vezes, mesmo sem querer, o ser humano fazia isso. Disse pra ele nunca repetir o gesto mesmo se fosse em benefício de um neto. Mané ouviu tudo com os olhos arregalados entre uma bocada e outra de bolacha e prometeu não contar a ninguém o segredo, mas, como às vezes o ser humano faz coisas erradas, 57 anos depois do acontecido, Mané quebrou a promessa. 15/11/2018
Dois anos atrás, numa consulta, Mané reclamou de uma comichão persistente nas costas num ponto impossível de coçar com as mãos o que fazia, nos auges da crise, Mane se esfregar numa quina de parede, tal como fazem os elefantes que chegam a derrubar árvores no frenesi coçatorio. O médico olhou e receitou uma pomada que deveria ser passada duas vezes ao dia. Mané questionou a prescrição, se ele não consegue coçar o local, como faria para passar o unguento? O médico fez aquela carinha e perguntou a Mané se era casado e diante da resposta afirmativa o médico atalhou: « pronto, você já sabe pra que servem as mulheres ». Mané riu muito mas quando contou a piada para Salma ela apenas respondeu que não sabia quem era mais imbecil, se Mané que achara tanta graça ou o médico com esse humor rasteiro. Hoje, no otorrino, Mané ganhou uma prescrição de pingar três gotinhas de algo no ouvido que estava coçando e, na inocência, perguntou ao médico como fazer para acertar as gotas no local exato e o médico lhe perguntou se era casado e, incontinenti, ambos caíram na gargalhada. Ao chegar em casa com as gotas Mané pediu humildemente a Salma que lhe aplicasse a posologia e Salma até agora não entendeu por qual razão Mané começou a rir assim que a primeira gota caiu sobre seu tímpano. 07/11/2018
Mané estava de mau humor então jantou mal. Vitimizou-se, fez birra e levantou da mesa quase sem comer. Depois de fazer isso e aquilo, foi tomar banho e voltou melhor e faminto. Como a função já tinha terminado, sorrateiramente, Mané esgueirou-se para a cozinha com intenção de comer uma manga rosa, a última remanescente na geladeira. Milu veio atras e ficou olhando, mas ele não pode comer manga. Então Mané descascou a fruta, cortou os filés e se pôs a devorar o acepipe enquanto Milu comia finas fatias de pera. Quando estava a três mordidas do fim, Salma adentra ao recinto: « oba, manga rosa, dá um pedaço »? Com os últimos bocados no prato, o silêncio tornou-se palpável. Salma hesitou ante o olhar assassino de Mané, entendam, Mané é capaz de mandar trazer um caminhão de manga rosa da Bahia para Salma, mas não peçam para ele ceder o último pedaço.04/10/2018
Suna, uma amiga, ligou hoje cedo a pedir informações sobre o celular que Mané acabou de comprar. Contou que sua filha tinha sido assaltada no trânsito, quebraram o vidro e levaram o celular que estava no painel com waze. Mané deu as informações, perguntou pela filha mas, desgraças dos outros sempre são menos desgraçadas. Mané estava com aquilo na cabeça enquanto assestava seu próprio celular no suporte do carro. Pensou na garota apavorada, pensou nos cacos de vidro se espalhando por cima dela e pensou no transtorno de perder o celular. Ficou com pena de Suna e da filha enquanto saia da garagem. Já pela Dr. Arnaldo, ar frio na testa, Mané não pensava mais no episódio enquanto o waze lhe dizia para pegar o acesso para a Paulista em 300 metros. No acesso, um lugar cheio de nóias, o trânsito estava parado, o ar continuava gelado e tocava "crying" do Aerosmith. Steven Tyler estava no auge da canção quando Mané viu uma pessoa vindo na direção de seu carro. Não parecia nóia, estava com as mãos no bolso e andava resoluto no meio das filas paradas. Mané teve certeza que o cara ia assaltar alguém. Os carros à frente começaram a andar e sucedeu que o sujeito ficou a alguns metros do carro de Mané olhando fixamente na sua direção e Mané, num rompante de idiotia e apavoramento, acelerou o veículo em direção a ele que, assustado pulou para a calçadinha do meio e ficou estatelado no chão olhando enquanto Mané se afastava. Pelo retrovisor Mané viu que ele tinha algo nas mãos, não sabe dizer o que. Mané também viu o seu olhar de ódio, talvez por não ter entendido a agressividade de Mané ou talvez pela oportunidade perdida. Mané se afastou depressa e pensou em ligar para Suna e enquanto seus batimentos cardíacos voltavam ao normal, pensou na merda que podia ter acontecido, sob qualquer ponto de vista e pensou em como a violência pode transformar as pessoas. 03/10/2018
Mané está sentado na sinagoga buscando uma conexão com Deus, que não lhe manda sinal. Na cadeira ao lado está sentado um jovem pai com um menino de 1 ano e pouco, inquieto e se debatendo. O tédio é quase completo enquanto as pessoas vão salmodiando em monocórdio. De tempos em tempos o menino olha para o pai e diz: “mamãe” e o pai se remexe desconfortável. Mais alguns minutos e o garoto: “mamãe”. Mané vai ficando impaciente com a inação do pai e o menino: “mamãe”. Depois do vigésimo “mamãe”, Mané perde a paciência e fala pro menino: “vem pra mamãe” e estende os braços pro garoto e, para a surpresa de todos, o menino vem feliz pro colo de Mané que sorri para o pai e este lhe devolve um sorriso amarelo. Mané mostra as letras em hebraico e conversa com o menino que fica ali tranquilo. Mais meia hora e Mané tenta controlar o garoto que começa a se agitar. E Mané diz: “agora fica quietinho que já está acabando” e segura o garoto tentando contê-lo. O menino estranha o tom severo e olha de soslaio para Mané. Ameaçando chorar ele diz: “papai”. Ato contínuo Mané entrega o menino ao pai que tinha ficado estático até então. Mané sorri para o pai, o pai lhe devolve um sorriso amarelo. O menino ficou calado até o final do serviço. Amen! 19/9/2018
Mané gosta de cores fortes e ficou perturbando Salma porque queria um agasalho de fleece cor laranja. Salma torce o bico mas nunca entra em discussões sobre gosto porque é uma lady. De qualquer forma, Mané procurou a cor desejada e não achou e já ia desistindo de adquirir um neste inverno quando, passando por uma daquelas lojas caras no shopping Iguatemi viu uma blusa da cor que queria, entrou, experimentou e, sem perguntar o preço antes, comprou a peça (nem foi tão caro assim). Saiu da loja feliz da vida e foi buscar Anuar que entrou no carro e logo foi abrindo a sacola que estava no banco do carona. Tirou a malha do pacote e exclamou: “que legal, pai, comprou uma blusa vermelha”? Como assim vermelha, responde Mané, essa blusa é laranja. E foram discutindo até em casa, se não era por causa da luz, Mané até fez uma enquete no grupo familiar e outra no grupo de amigos mas depois de ouvir que era vermelha, vermelho-alaranjado, quase vermelho, o melhor que conseguiu de uma amiga foi uma observação de que “essa blusa tem um sútil toque alaranjado”. Mané está frustrado, a vontade o deixou daltônico mas o que fazer, pelo menos o agasalho tem grife. Na foto, a comparação com um agasalho vermelho comprado em outros invernos. A falta que o laranja faz. 30/8/2018
Mané achou uma sugestão de um livro no seu clube de leitura e sugeriu ao filho que lho regalasse no dia dos pais. Uma edição excelente, muito bem cuidada, aparentemente uma boa história, meio caro, mas, e daí? Ao receber o presente Mané nota que o livro tem uma capa linda, muito bem trabalhada e bonita...e dura. Mané começa a ler o livro e ele não se encaixa nas mãos. Mané quer abrir as páginas um pouco mais e elas não se abrem. Mané quer mudar de posição mas o livro não permite. Mané encosta o livro no peito em busca de apoio mas a ponta da capa dura lhe perfura a pele. Durante o jornal nacional Mané se irrita com a hostilidade do volume, deixa-o de lado e levanta pra pensar em como domá-lo. Salma pergunta pra Mané qual o motivo da irritação, será por causa do baile que aquele candidato escroto está dando na jornalista, mas, alheio ao debate eleitoral Mané pergunta: pra que colocam capa dura num romancezinho comum? E Salma: “oi”? 29/2018
Desde pequeno, quando Mané dava chilique, seus familiares comentavam que ele tinha o mesmo caráter de seu tio Isaac, em francês diziam: « il a le sale caractère de son oncle Isaac », o que é uma coisa pesada pra se dizer de uma criança, mas, também diziam isso, « elle a la le sale caractère de sa tante Denise (que vem a ser a mãe de Mané, irmã do tio Isaac)», de uma prima de Mané, a saudosa Gisele, o que na prática significa dizer que Mané estava cercado por todos os lados de pessoas explosivas e geniosas, o que justifica plenamente o seu jeito estupido de ser. Tudo isso para explicar que na sexta feira Mané, que estava tendo um dia aziago, recebe às duas da tarde um e-mail de trabalho totalmente errado e atravessado que o fez perder as estribeiras e descarregar um caminhão de merda sobre a mocinha que não tinha nada a ver com os problemas dele. Vejam bem, ela estava errada, mas de forma nenhuma merecia tal reação. Quando acabou, até mesmo Mané se espantou com o que tinha feito e conviveu com os destroços durante o fim de semana torturando-se por (talvez) ter que pedir desculpas na segunda quando teriam que resolver o assunto do malfadado e-mail. Hoje, até o 1/2 dia nada sucedeu e Mané que além de explosivo é ansioso, mandou um whatsapp para a moça tratando do assunto com um tom [olha voce errou eu reagi exageradamente então ninguém pede desculpa pra ninguém e vamos em frente] e, para sua surpresa a moça respondeu educadamente, o que deixou Mané desconcertado e meio sem saber o que fazer. Resolveram a pendenga comercial sem falar sobre a falta de pavio, a moça fazendo as coisas de forma muito distinta e Mané ali meio constrangido. Mané pensou: mas não vai nem ter nem um foda-se-zinho? Nem uma lavagem pequena de roupa? Não teve, ficou assim. A coisa ainda está na cabeça de Mané o que só comprova a sua tese de que o inferno são os outros, mesmo quando não reagem. Que será que vai acontecer se Mané ligar pra pedir desculpas? Ou será melhor ligar e perguntar por que ela não o mandou tomar no cú?20/8/2018
Mané viu esse novo app de bicicletas Yellow e se animou. Salma ia pra Paulista e Mané foi de carona até a Consolação. No caminho cadastrou-se no aplicativo, colocou créditos e saiu em busca de uma bicicleta. Mané andou a Paulista inteira monitorando o mapa do app. A bicicleta mais próxima estava na rua Estados Unidos. 3 km de caminhada depois, no Paraíso, começou a garoar. Mané praguejou e maldisse a sua sorte. Eis que passa um táxi que Mané tomou, deu o endereço e comeu uma balinha. Ficou satisfeito pelo ambiente quentinho. Agora Mané vê que apareceu uma bicicleta no Jabaquara. Fim da história. 17/8/2018
Mané encontra o sobrinho por acaso no clube e este o convida pra um temaki antes do cinema. Mané topa. Eles comem e conversam, sempre bom nas raras vezes em que se encontram a sós. Pouco antes de se levantarem o sobrinho propõe uma selfie e Mané refuga, não gosta de selfies porque sai carrancudo e todos ficam dizendo que ele é mal humorado e tem cara de bravo. O sobrinho diz que tem um segredo para sair com cara feliz em selfies. « E qual seria a técnica », pergunta Mané. O sobrinho cochicha: « faz um sorriso forçado ». E Mané: « vc vai forçar o sorriso »? E o sobrinho responde: « vou ». Clic...09/9/2018
Nem consegui fazer minhas abluções matinais direito. No jornal continuam as péssimas notícias, primeiro sobre nossa “zona” eleitoral. Na segunda página, um botânico brasiliense chamado Nagib Nassar desfia seu ódio a Israel, falando meias verdades e mentiras inteiras sobre mim e meu povo, coisa a qual não me habituo por mais que escute isso todo dia. Depois, vejo que o atentado na Venezuela falhou, se é que foi atentado. Fora isso, mais um dia úmido como esse que se apresenta não vai dar pra aguentar, tenho a sensação de que vou mofar. No fim, quando já ia desistindo da vida, descubro que o São Paulo está finalmente na liderança do campeonato, mas nem isso melhora o astral, sei que o importante é estar na liderança na última rodada, não agora. Dou a descarga e fico com a impressão que os dejetos, nesse momento, estão com mais sorte, pelo menos tem um rumo. 06/8/2018
Assinar:
Postagens (Atom)