sábado, 9 de novembro de 2013
Nas noites de insônia Mané vem pra sala e senta na poltrona reclinável. Se estiver frio ele pega uma das cobertas que sempre ficam por ali ou, se estiver calor ele abre a janela. Mané fica prestando atenção nos barulhos da madrugada, carros que passam zunindo, ônibus que resfolegam lá na subida e gente saindo das baladas ou chegando em casa das baladas. Tem bêbado que se lamenta, casais que discutem ou riem bem alto. Se Mané esta de bom humor ele se envolve nas histórias e imagina uma continuação pra elas. Se Mané está de mau humor ele deseja possuir um rifle M-16 e neste caso ele sairia à janela e atiraria nos bêbados barulhentos, nos carros com música alta e nas motos de escapamento aberto. O caminhão de lixo também seria um bom alvo, juntamente com os lixeiros que ficam declamando seu trabalho. Mas o que acontece mesmo é que Mané fica sentado esperando alguma coisa acontecer e o que pode acontecer é: Mané adormecer sentado, o dia raiar, o cachorro vir pra sala e ficar observando ou Mané abrir um livro. No dia seguinte, invariavelmente Mané passa o dia com sono, mas, em compensação, não há duas noites insones em sequência. 08/11/2013
Mané é um exímio escolhedor de frutas. De olhar uma fruta, Mané pode dizer daqui a quantos dias poderá ser consumida. De tocar uma fruta, Mané pode dizer se ela estará doce ou azeda. Mané aceita desafios de qualquer espécie, Mané pode até dizer se aquela maçã muito vermelha esta farinhenta ou com uma consistência adequada, sem nem chegar perto dela. Houve época em que o maior desafio de Mané eram os abacaxis. Abacaxis são matreiros e podem levar qualquer expert ao erro com a maior facilidade. Mané já teve problemas com melões, mas isso também é coisa do passado. Melancias e uvas são moleza, basta um olhadinha, uma pancadinha aqui, outra acolá e pronto. Mangas são uma questão à parte. Mané sabe escolher uma manga, mas já foi e ainda é, muitas vezes, enganado. As mangas não se submetem assim facilmente. Têm que ser cortejadas antes do consumo e mesmo assim decepções severas podem acontecer na forma de coisas podres emergindo do caroço ou cobrinhas nojentas como as das goiabas. Mas toda essa ciência de quase nada serve a não ser para consumo próprio. Na família pequena de Mané, ninguém gosta de frutas. 06/11/2013
Quando Mané trabalhava no banco, lia regularmente todos aqueles jornais e revistas sobre economia. Gazeta Mercantil, Visão, Exame e outras que agora ele não lembra. Era sua primeira e primordial atividade do dia. Às vezes fazia isso também por vaidade uma vez que não era raro ele próprio aparecer em reportagens com citações e opiniões a respeito do mercado de Leasing, no qual Mané era especialista. Meses atrás Mané recebeu um comunicado de uma editora presenteando-o com uma assinatura de Exame por 6 meses. De graça! Mané vibrou, já fazia anos que não lia Exame. Hoje de manhã, sozinho na sala enquanto todos dormiam, fuçando numa reentrância de um móvel que ninguém toca, Mané encontrou 5 edições de Exame, ainda embaladas em seu plástico, magnificamente intocadas. Ainda falta chegar uma. 02/11/2013
Mané está sentado vendo novela. No braço do sofá os dois “zaps”, o tablet, o telefone e um livro aberto. Mané está com tédio, na lê, não fala, não navega e não muda de canal. Ao seu lado a filha está largada cutucando a boca. A mulher lê (e comenta) as notícias do jornal. Mané responde por educação e a filha pergunta “o que”? O filho, mais esperto, já foi dormir. O cachorro está estatelado no tapete, dorme a sono solto e até ressona. Mané observa o cão dormindo. Ele faz movimentos com a boca, às vezes dá um chutinho no ar e mexe as orelhas. Súbito o cão começa a abanar o rabo freneticamente ainda dormindo. Estará tendo um sonho feliz? Mané chama a atenção das meninas e as duas fazem “ownnnn”! 30/10/2013
Quando Mané se casou, muitos anos atrás, ele tinha uma poderosa moto Honda CB400 que foi vendida por Cr$ 5 milhões. Com o dinheiro da venda Mané comprou uma linha telefônica para o seu novo lar de casado. Essa linha continua na casa de Mané, onde hoje existem outras quatro linhas celulares. Praticamente não é utilizada. Quando ela toca todos na casa se assustam, pois leva um tempo pra se dar conta de onde vem aquele som estridente. Do outro lado da linha, invariavelmente, estão, uma vez a mãe de Mané e na outra, a sogra. Foi um investimento muito bom. 20/10/2013
Mané está quase vomitando de tão enjoado de todas essas homenagens aos professores que, na verdade, eram seres que todos odiavam quando crianças/adolescentes, inclusive e principalmente este Mané. Assim sendo, pra parar com tanta hipocrisia, Mané resolveu homenagear a única professora que lhe traz alguma boa lembrança. Essa professora ensinava português no colegial e era uma gostosa que ia dar aula de mini-saia e flertava com todos os alunos e a quem, a título de descarrego, Mané confessa ter dedicado inúmeras sessões de onanismo explícito em muitas tardes onde, supostamente, deveria estar estudando português. 15/10/2013
Os filhos de Mané têm respectivamente 24 e 19 anos. São, portanto, aos olhos de Mané, crianças crescidas, seres humanos quase adultos que tem vontades e predileções definidas. Desde que as crianças assomaram à sua vida muita coisa mudou para Mané. Mané não fala das noites mal dormidas, dos plantões em prontos socorros hospitalares ou das filas duplas de carros nas portas das escolas. Tampouco reclama da preocupação constante, das más criações e da têmpera desgovernada dos adolescentes. Mané reclama da geladeira e da despensa. Desde a mais tenra idade na geladeira de Mané, contem coisas exclusivas das crianças. Iogurtes, danoninhos, bolinhos, bolachinhas e etc. E sendo coisas das crianças Mané não ousava as tocar. E esse hábito ficou arraigado. Um quarto de século passado e a geladeira ainda contem “coisas” das crianças. Agora cedo Mané viu um Yakult na porta da geladeira. Teve ímpetos de tomá-lo, mas lembrou que o filho é que toma Yakult em casa. A casa estava silenciosa, todos dormiam, um Yakult apenas, ninguém ia notar apesar de ser o último. Mané não resistiu, pegou o copinho, tirou o lacre e bebeu o liquido de um gole só. Depois embrulhou a prova do crime num papel e já ia jogando no lixo quando resolveu olhar o prazo de validade. Será que lactobacilos vencido há 6 meses fazem mal? 13/10/2013
Hoje Mané vai ligar para o auditor e perguntar por que é que ele colocou todas aquelas coisas feias no relatório da auditoria dos balanços do ano passado. A minuta chegou e não traz nenhuma surpresa então porque Mané ficou pensando naquilo quando deitou pra dormir e quase perdeu o sono? Mané pensou, pensou e chegou à conclusão que o problema não são as coisas erradas que a gente faz na vida contábil ou pessoal. O problema é quando alguém descobre. Segundos depois Mané adormeceu. 09/10/2013
Um dos problemas que Mané tem na vida é o fato de ser pontual. Mané nunca se atrasa pra nada, faça sol ou chova canivete. Como podem deduzir isso lhe traz muitos dissabores. Para não fazer o outro esperar muitas vezes chega antes e além desse lapso adiantado, 100% das vezes a outra pessoa se atrasa. Um dilema. Para ilustrar o descalabro Mané conta que recebeu um convite para uma comemoração segunda à noite. No convite esta lá marcado o horário: 19:30hs. Mané, sabedor de que não conseguiria chegar antes das 21:00, preocupou-se em declinar pois é de se supor que um evento segunda à noite não demore muito. Recebeu de volta uma resposta bem humorada que dizia: “sem problemas, acho que ninguém chega antes das 20:30hs e pode vir junto com o fulano que só vai chegar às 21:30hs. Mané ficou se sentindo muito mané!. 07/10/2013
É domingo. Não tem quase ninguém nas ruas, não tem ninguém no carro com Mané que está parado num daqueles semáforos com temporizador. As bolinhas vermelhas vão se apagando, o sinal verde já vai abrir. Apesar de não estar atrasado e não ter nada pra fazer Mané está impaciente e olha pra as bolinhas com instinto assassino. Mané aperta as mãos no volante quando a antepenúltima bolinha se apaga e nesse momento um casal de velhinhos pisa na faixa de pedestres. Vão atravessar a rua na hora em que falta uma bolinha pro verde. Mané sente ímpetos de acelerar quando o sinal abre os velhinhos ainda nem estão na frente do carro, mas levariam um grande susto. Mané olha pros velhinhos que acenam com a mão e sorriem com seus sorrisos bondosos de velhinhos. Mané se pergunta por que os velhotes têm sorriso bondoso? Talvez esses dois velhinhos tenham sido sacanas na juventude, tenham feito maldades, Mané esta quase acelerando quando ouve uma buzina insistente atrás. Mané xinga o sujeito e aponta para o casal que nem chegou na metade da rua. O sujeito se aquieta, Mané se aquieta, os velhinhos seguem sua travessia a passo de cágado. É domingo, Mané não tem nada pra fazer, tampouco tem pressa. 06/10/2013
É domingo. Não tem quase ninguém nas ruas, não tem ninguém no carro com Mané que está parado num daqueles semáforos com temporizador. As bolinhas vermelhas vão se apagando, o sinal verde já vai abrir. Apesar de não estar atrasado e não ter nada pra fazer Mané está impaciente e olha pra as bolinhas com instinto assassino. Mané aperta as mãos no volante quando a antepenúltima bolinha se apaga e nesse momento um casal de velhinhos pisa na faixa de pedestres. Vão atravessar a rua na hora em que falta uma bolinha pro verde. Mané sente ímpetos de acelerar quando o sinal abre os velhinhos ainda nem estão na frente do carro, mas levariam um grande susto. Mané olha pros velhinhos que acenam com a mão e sorriem com seus sorrisos bondosos de velhinhos. Mané se pergunta por que os velhotes têm sorriso bondoso? Talvez esses dois velhinhos tenham sido sacanas na juventude, tenham feito maldades, Mané esta quase acelerando quando ouve uma buzina insistente atrás. Mané xinga o sujeito e aponta para o casal que nem chegou na metade da rua. O sujeito se aquieta, Mané se aquieta, os velhinhos seguem sua travessia a passo de cágado. É domingo, Mané não tem nada pra fazer, tampouco tem pressa. 06/10/2013
E depois de ter ouvido durante uma hora o que mais ele NÃO ia comer depois da cirurgia (aliás, porque tanta receita se a idéia é não comer mais nada?), Mane escuta da nutricionista que seria bom ele perder peso (um pouco) até a data da operação ao que Mané lhe respondeu: “como assim perder peso antes da operação?, não é pra isso mesmo que estou fazendo a cirurgia?” 02/10/2013
Mané está sentado na sala de espera da nutricionista. Esta curioso por saber como é a Dra., mas imagina que ela seja alta, magra, esbelta e bonita já que ela só come coisas saudáveis e na proporção exata. Além disso, deve ter uma pele sedosa, cabelos cheios de vida porque em conjunto com a comida saudável ela toma dois litros de água por dia, em momentos espaçados e de forma constante. Mané está pensando na humilhação de se sentar na frente da nutricionista e ter de confessar todas as porcarias que come e como ele se alimenta errado e como ele ingere aquele monte de comida ogra todos os dias e todas aquelas coisas que se fala para o médico. Absorto em seus pensamentos, Mané escuta seu nome e se dirige à sala e quando entra se depara com uma mulher gordinha. Ora, ora, uma nutricionista gordinha? Que bom! Mané simpatizou imediatamente com ela. 01/10/2013
Mané leu uma reportagem sobre o exército de Israel onde se contava um dos treinamentos mais difíceis para os soldados, que consiste em uma caminhada de muitos kilometros levando uma carga de vinte quilos nas costas. No fim desse périplo os soldados ganham uma festa com comida, bebida e descanso. Grande coisa. Mané não vê nada de surpreendente caminhar por aí com vinte quilos nas costas. Ganhar festa e refresco por causa disso? Soldados moleirões; Mané anda por aí, faz uns vinte e cinco anos com uns quarenta quilos nas costas, na barriga, nas pernas e ninguém nunca fez festa nenhuma pra ele. 30/09/2013
Na infância Mané morava na Av. Rio Branco, muito perto de onde hoje fica a sala São Paulo e a famigerada cracolandia. Já não era lá aquelas coisas em termos de vizinhança, apesar de estar bem próximo do Palácio do Governo, onde morava o Adhemar de Barros. Ali bem perto também ficava um salão de baile chamado Avenida Danças, onde senhores não tão respeitáveis assim iam dançar com garotas conhecidas como as táxi-girls. Claro que depois da dança muita coisa podia acontecer, mas disso Mané não sabe por que era muito criança. No Natal, o Avenida Danças dava uma super festa para todos os filhos das putas do bairro e Mané, na qualidade de amigo de um deles, que, aliás, era seu vizinho de porta, lembra de ter ido uma ou duas vezes nesta festa, acompanhando o amigo e sua formosa mãe, com a devida autorização da família. Mané lembra de ter gostado muito das festividades e dos presentes que ganhou. E mais nada! 23/09/2013
Nesses últimos anos Mané levava o pai à sinagoga nas manhãs do Yom Kipur. Mané chegava com seu pai na cadeira de rodas e ia abrindo caminho no meio do aperto em que a sinagoga se transforma nesta data. Seu pai, que sempre foi um homem discreto, ficava lhe dizendo para ir devagar e não atropelar as pessoas, mas Mané seguia adiante sem lhe dar ouvido e abusando da boa vontade que as pessoas têm com cadeirantes velhinhos, pelo menos dentro de uma sinagoga. Depois, acomodados em seus lugares, ficavam fofocando sobre os mais diversos assuntos enquanto escutavam as rezas. No fim da vida o pai de Mané passou a ser menos exigente nas coisas da religião e se contentava em estar ali mesmo que fofocando ao invés de rezar. Fazia questão mesmo era de cumprimentar o Silvio Santos, que ainda reza ali na cadeira ao lado. Foi estranho chegar sozinho nesta manhã pela primeira vez à sinagoga. Mané chegou a falar a uma pessoa, que se sentia esquisito sem o pai ali do lado e a pessoa lhe disse que não se sentisse, pois sem dúvida ele estava lá. Diante do ceticismo de Mané a pessoa insistiu: “mesmo que você não acredite”! 14/09/2013
Mané foi educado numa família onde se tinha por habito dizer as coisas na cara. Mané se lembra de quebra-paus homéricos entre os parentes que vieram do Egito, sempre num nível elevado de calor, quase uma Praça Tahrir familiar. Todo mundo se xingava, colocava os pingos no is, iam embora zangados mas com os pratos bem limpinhos. Tempos depois a paz voltava a reinar em torno das arestas aparadas, até que um próximo entrevero explodisse. Em alguns casos a paz não voltava a reinar, mas isso era porque não valia mais a pena, uma relação que se esgarça não merece mais ser relação. Mané se ressente um pouco e sente falta das brigas e das coisas ditas na cara. Hoje em dia quase não se briga mais, mas a paz não reina de verdade e as pessoas vão arrastando redes cheias de ressentimentos que se um dia se esgarçarem nunca mais poderão ser costuradas. 12/09/2013
Mané já esta deitado na maca sem camisa esperando o médico que vai fazer o ultra-som do coração. Na cabeça de Mané só pensamentos tenebrosos, como daquele amigo que foi fazer um exame rotineiro do coração e os caras não o deixaram ir embora do hospital. Foi operado e ganhou 3 pontes de safena. Mané pensa também em tudo que ficou pendente, trabalho, brigas em família, coisas não ditas e coisas não feitas. Entra um baixote vestido de branco, pele azeitonada, olhos puxadinhos, o cabelo negro e liso caindo pela testa. “Voa tardji”, diz o doutor em portunhol legítimo. Mané espia com o rabo do olho. “Vino facer una evaluacion?”, continua ele. Mané faz que sim com a cabeça e espia de novo cada vez mais desconfiado. “Vamo lá intón”. Mané fica tenso e o médico lhe devolve o olhar desconfiado. O ambiente fica hostil enquanto o doutor lambuza o peito de Mané. Antes de começar o exame propriamente dito o médico diz para Mané: “ok bamo dexar una cossa bein clara aqui: eu non soy cubano"!. E Mané responde: boliviano? 06/09/2013
Mané está parado num farol em meio ao caos. Mané não tem pressa, mas também não quer ficar parado no trânsito. Diversas motos passam rente entre ele e o outro carro e Mané sente um calafrio cada vez que um deles passa raspando. Mané pensa: “um filho da puta desses ainda vai quebrar meu espelho”. Dez segundos depois um motoqueiro passa e entorta o espelho retrovisor de Mané, deixando-o pendurado. Mané grita: “filho da puta desgraçado” e recebe de volta um dedo do motoqueiro. Cheio de ódio, Mané pensa: “tomara que o desgraçado caia”! Cinco segundo depois Mané vê o motoqueiro, 100 metros adiante, resvalar num outro carro, perder o equilíbrio e cair. Mané observa o cara a se contorcer e promete que não vai pensar mais nada até chegar em casa. 04/09/2013
Mané caminha pelo parque conversando sobre amenidades com o amigo. A conversa está animada porque estão falando mal de alguém, nem se importando com o nono mandamento: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo”. Nisso ouvem alguém assobiar, ambos viram a cabeça. Um velhinho assobia para outro velhinho que está adiante. O da frente para e espera o que assobiou. Mané e o amigo passam pelo que parou e vão adiante. Mané vê os velhinhos se cumprimentar e conversar no meio da pista e comenta: “vão sentar agora no solzinho e ficar levando um lero”. Mané e o amigo riem da piada e continuam a caminhada. Uma ou duas centenas de metros adiante, Mané percebe alguém se aproximando célere por trás. Mané espia com o rabo do olho a vê os dois velhinhos se aproximando depressa. Mané e o amigo se mobilizam para não ser ultrapassados. Em vão! Os velhinhos passam de passagem e deixam Mané e o amigo sentindo-se como dois cágados invejosos. “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” e “Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”. 30/08/2013
Num cruzamento sem farol, Mané se aproxima da faixa de pedestre e vê dois jovens de skate com intenção de atravessar. Como eles estão parados Mané se adianta para passar e quando chega quase na faixa os caras resolvem atravessar e Mané que já passava quase os atropelou. Mané xingou e levou um xingamento. Fim do episódio. Hoje cedo, no mesmo cruzamento Mané vê uma moça com seu lindo cão, sem coleira, na mesma situação, com intenção de atravessar. O cachorro está um pouco adiantado e Mané, ainda longe da faixa, breca imediatamente, abre um sorriso e faz sinal para a dupla passar. A moça sorri também e ao passar acena languidamente para Mané e segue tranquilamente seu passeio matutino enquanto Mané segue tranquilamente para seus afazeres. Moral da história? 23/08/2013
Faz dois dias que não tem internet na casa de Mané. Conexão, apenas as dos telefones e Mané acaba percebendo a ineficiência destes artefatos se nao for para consultas rápidas aos emails e facebook. Mané observa uma certa cara de infelicidade nos moradores da casa. Algumas delas olham para o computador como se olhasse para a foto de um amor perdido. Projetos são adiados, compromissos se perdem. Mané tenta ajudar a filha mas não adianta. Como fuçar o site do INSS nessa relincha ridícula? Mas em segredo Mané se rejubila. Ficar sem internet é experimentar a volta à idade da pedra, mas é também uma experiência libertadora. Nada de responder emails de trabalho à noite. Nada de notícias desagradáveis um pouco antes de dormir. Nada de se sentir sozinho na frente da tela mesmo tendo 790 amigos no facebook. Free Mané, que a internet não volte mais!
2:30. Mané acorda meio sufocado e sentindo calor apesar do frio reinante. Mané olha para sua parceira que ressona suavemente e decide levantar. Mané passa pelo quarto da filha e vê que a mesma ainda não chegou. Mané teme pela segurança da filha pelas ruas de madrugada e senta na poltrona com um mantinha para fazer uma pequena vigília. Milu, o cão, vem até a sala para ver o que está acontecendo e sobe também na poltrona e se ajeita debaixo da coberta. Lá pelas 3:05, tudo fica quente outra vez e Mané decide voltar pra cama mas ao tentar levantar o cachorro rosna e então Mané decide ficar. La pelas 3:49 Mané expulsa o cachorro e se levanta e constata que a cama da filha continua vazia. Mané odeia camas vazias na madrugada. Mané volta pra sua cama e dorme de novo. 18/08/2013
Mané é tido como uma pessoa brava e mal humorada. Quando era “chefe” no Banco onde trabalhou por uma vida, era especialmente bravo e mal humorado. Pra falar a verdade Mané foi até taxado de “escroto” devido à sua atitude na empresa. Mas Mané não tem culpa, o Banco propiciava e incentivava atitudes autoritárias e escrotas. Isso vinha de cima e era o exemplo a ser seguido. Quem não era escroto, não vingava. Certo dia Mané chegou atrasado devido a um acontecimento que exacerbou sua habitual escrotidão. Sentou-se à mesa onde se avolumavam problemas e querelas. Enquanto tentava se concentrar escutou uma funcionária cantando a musica Ilariê da Xuxa. Mané odeia essa música e também não gostava da funcionária. De chofre, Mané se levanta e dirigindo-se à funcionária, de longe, grita: “dá pra parar de cantar essa música insuportável?” Mané soube que depois a moça ficou chorando no banheiro. Escroto, né? 07/08/2013
Quando Mané trabalhava no Banco costumava apavorar um amigo que era médico recém formado contando algumas das barbaridades que aconteciam nas vísceras destas instituições tidas como acima de qualquer suspeita. Hoje, com Mané já ex-bancário e o amigo já médico ex recém formado, o amigo costuma apavorar Mané com algumas barbaridades que acontecem nas entranhas dos hospitais, estas instituições tidas como acima de qualquer suspeita. 05/08/2013
Mané me diz que aqui no facebook podem se fazer amizades que não se sustentam na vida real. Amizades verdadeiras onde nos abrimos, contamos mágoas e falamos verdades. Depois, a gente vê a pessoa em carne e osso e percebe que não era tão íntimo assim. No facebook você vai colocando opiniões, distribui tapas e beijos e tudo isso se faz com base na escrita. É escrevendo que você difunde as suas idéias. O que freqüentemente Mané esquece é que, assim que escrevemos alguma coisa e alguma pessoa a lê, essa coisa muda de dono e se transforma em propriedade daquele que a leu. E nesse caso não adianta o escritor depois ficar falando o que pensou transmitir quando escreveu aquilo, pois não importa o que o escritor quis escrever, o que importa é o que o leitor entendeu. 04/08/2013
Mané acorda e fica deitado na cama que ferve. Mané sabe que tudo lá fora esta gelado mas o corpo já não quer ficar mais deitado e então ele levanta e corajosamente se dirige ao banheiro para fazer as suas abluções. Na janela da sala Mané recebe a violência do frio depois de por a cara pra fora para ver o quão frio estava. Este é o momento em que Mané escuta as patinhas do cachorro a se aproximar devagar. Mané olha pra Milu e Milu olha pra Mané. O cachorro vai até o banheiro de jornal na área e tendo se demorado muito pouco volta para a sala. Milu olha pra Mané e Mané olha pra Milu. O cachorro volta pra sua cama feita de um edredon velho e Mané se sente tentado a fazer o mesmo. Mané olha em volta e não acha nada ali que o anime. E então Mané se pergunta: e agora, quem irá nos socorrer? 24/07/2013
Mané tem que tomar dois remédios pela manhã em jejum durante 30 dias. Um deles, o da tireóide com o qual já estava acostumado, não causa problemas. Mané acorda, toma o remédio, vai passear com o cão e pronto. ½ hora é o suficiente. Agora tem o da helicobacter pilory, também em jejum de comida e de remédios. Então toma um remédio, da um tempo, toma outro remédio, da outro tempo. Mané dormiu tenso, acordou as 6:30 e foi tomar remédio, depois ficou no facebook enquanto todos dormiam e uma hora depois tomou o outro; mais tarde todos acordaram, Mané desceu com o cão, quando voltou pra tomar café parecia que tinha participado de uma maratona e estava morrendo de sono. E agora, quem irá socorrer Mané? 17/07/2013
Mané acha perigoso ficar velho. Foi pensando nisso que jogou na loteria e decidiu que talvez fosse melhor ficar milionário e velho. Depois, no caminho pro trabalho ficou pensando no que faria com os 42 milhões prometidos. Pensou nas maravilhas que iam acontecer. Listou mentalmente muitas coisas que poderia fazer e comprar, pessoas que ele poderia beneficiar. Parecia o advento de uma felicidade sem fim. Meia hora depois ainda preso no trânsito, já estava na dúvida. Já não conseguia priorizar direito, nem conseguia decidir o que comprar primeiro ou para qual lugar viajar para comemorar. No próximo farol preocupou-se em saber se ia conseguir atender aos pedidos que viriam, onde ia investir o dinheiro e como ia se proteger dos seqüestradores, bandidos e aproveitadores. Não que ele tenha ficado feliz, mas ao conferir o resultado da loteria, notou que não tinha acertado nenhum número. 07/07/2013
Mané já estava dormindo quando foi acordado por um estrondo, um barulho tão alto como se uma motocicleta de escapamento aberto fosse ligada e começasse a acelerar dentro do quarto. Depois de um minuto para se recuperar do susto Mané levantou para averiguar o que ocorria. Abriu a janela e verificou que o barulho vinha do prédio vizinho. Saiu pra sala bufando e viu que por ali reinava a calma, ninguém escutava nada, só “esse barulhinho estranho”, como disse a mulher de Mané. Resmungando “cidade de merda”, Mané desceu e foi até o prédio vizinho e ao inquirir o porteiro, este lhe contou orgulhoso que tinha “começado a funcionar o gerador novo”. Mané então notou que faltava luz naquele prédio ao lado e que um gerador funcionava a todo vapor e que nessa hora do início da madrugada nada poderia fazer e saiu de lá com a promessa de que a eletropaulo já vinha consertar o transformador que queimara tendo como conseqüência feito o gerador potentíssimo funcionar. Mané voltou pra casa e sob o olhar atônito da mulher e da filha, sentou-se frustrado pensando num meio de se vingar do barulho e da noite mal dormida que viria pela frente. Então Mané sentou na indefectível poltrona vermelha para ler e de repente começou a pensar numa tia dele que já morreu e adorava ouvir as suas histórias. E Mané se imaginou contando essa história para ela e de como no fim ela ia dar risada do ridículo de ficar brigando com porteiros de madrugada porque, talvez dissesse, “afinal, porteiros noturnos não dormem mesmo, que importa o barulho”? 28/06/2013
Mané está convencido que educou muito mal os filhos. Hoje na hora do jantar Mané teve um rasgo de esperança de não ter errado tanto quando a filha começou a falar sobre o quanto outros membros da família foram ou são mimados e todas as mazelas que advém dos excessos. Achei que vinha por aí um arroubo de maturidade quando ela própria disse que achava ter sido e ainda achava ser muito mimada apesar de já ser uma mulher sob todos sob aspectos. Por uns momentos reinou à mesa o silêncio da mútua compreensão familial, Mané pensando: “que mulher maravilhosa que criei tão linda, tão consciente, tão...”! Foi quando ela disparou, referindo-se ao filho de Mané seu irmão: “...mas apesar de ter sido tão mimada, ninguém foi mais mimado que ele e isso é muito injusto”! 24/06/2013
Até pouco tempo atrás, quando amigos ou familiares de Mané voltavam do exterior sempre traziam presentes cobiçados que eram impossíveis de se comprar aqui: já houve época que se cobiçava um tênis all star, uma calça Lee, canetas Montblanc, relógios TAG e por aí afora. Ultimamente tornaram-se um “must”, os equipamentos eletrônicos, isso sem falar de bolsas, roupas e muitos outros cacarecos. Mas, sinal dos tempos, ou digamos da passagem do tempo, a irmã de Mané voltou agora de viagem e trouxe presentes. Na bagagem, claro, as generalidades de sempre. Lá do ladinho, mas já ocupando um espaço bem grande, muitos comprimidos de Vitamina D, Glucosamina para as cartilagens... vecchiaia bruttissima 22/06/2013
Mané tem notado que agora que o aumento da tarifa foi revogado, aparecem os cientistas políticos do facebook a dizer que as manifestações agora estão sem rumo, que é preciso achar uma diretriz para canalizar a energia do povo nas ruas, que isso e que aquilo. A única coisa que da pra entender de tudo isso é que a população ficou finalmente de saco cheio e que os R$ 0,20 foram a gota dágua. Se o movimento vai fenecer, se vamos voltar todos ao marasmo anterior, se disso sairão mudanças, se vamos nos tornar vítimas de bandidos e vândalos aproveitadores, isso ninguém sabe, nem nós mortais, nem os governantes, nem os sociólogos, jornalistas, psicólogos e nem vocês, filósofos Manés das “redes sociais”.21/06/2013
Mané tem evitado tecer comentários sobre a Revolta do Vinagre porque não esta entendendo direito o que esta acontecendo. Mané é da geração pós 64 que não esta muito acostumada a se manifestar e por isso teve poucas chances na vida de participar de uma revolta. Sim, Mané estava na PUC numa longínqua noite de 1977, mas fugiu de lá de motocicleta assim que a coisa apertou e foi com o primo para o Jockey Club enquanto o pau comia na Monte Alegre. Mané foi também a um ou dois comícios das diretas já, mas ficou longe, chupando sorvete. Em 1992, Mané esteve na Paulista assistindo aos carapintadas a pedir o empessegamento do Collor de Mello, mas aquilo foi uma festa. Ontem Mané pediu para a filha não ir à USP hoje, afim de evitar a manifestação do Largo da Batata. A filha disse que vai à aula e depois vai à manifestação. Mané descobriu então que é reacionário. Mané não ta afim de revolta. Mané só quer que todos tenham condução, saúde e educação adequadas, que todos os malfeitores sejam presos e que o dia termine bem. 17/06/2013
O liquidificador da casa de Mané quebrou depois de três décadas de uso. Era um excelente artefato da marca Wallita e Mané ficou condoído pelo olhar de decepção da esposa, sabe-se lá quantos sentimentos estavam ali representadas no liquidificador quebrado, que tinha chegado em casa como presente de casamento. Ato contínuo, Mané foi até uma loja e comprou o melhor liquidificador que encontrou. Mané confessa que até pensou em comprar um processador ultramoderno, algum aparato que substituísse esse objeto já tão antigo e ultrapassado. Mané pensou, desistiu e acabou comprando um liqui novo. E foi festejado ao chegar em casa com o artefato, mesmo sendo por coincidência dia dos namorados, já que sabidamente, dar um presente deste tipo em datas como essa, é provocação. Há tempos, no entanto que de comum acordo, Mané e a esposa se dão presentes quando querem e não em datas marcadas pelo comércio. Nesse dia dos namorados, como toda quarta feira, a mulher de Mané saiu com as amigas e Mané ficou em casa lendo um livro difícil e com raiva de ver seu time empatar mais uma vez. 13/06/2013
O filho de Mané está indo coletar roupas para uma campanha do agasalho e na saída fez uma pequena coleta com os membros da casa. Pegou umas roupas dele, da mãe e da irmã. Perguntou para Mané se ele tinha algum casaco para doar e lá do quarto, depois de averiguar no armário, Mané respondeu que não tinha nenhum do qual quisesse se desfazer. No elevador, carregando a sacola com o que tinha conseguido o filho de Mané, inconformado com a negativa do pai, olha para ele e diz: “mas nem esse velhinho que você está usando”? 09/06/2013
Mané está pela página 50 de um livro que comprou num sebo, tão novo que parecia que o dono anterior tinha comprado na livraria e levado ao sebo para vender. Azar dele. Depois das primeiras páginas Mané começa a gostar do livro. Quando vira para a página 56 Mané se depara com um fiapo de mixirica, daqueles branquinhos que se soltam da fruta, já ressecado repousando entre o terceiro e o quarto parágrafo. Então Mané pensou que o dono anterior tinha lido e que provavelmente estava gostando, pois continuava lendo mesmo enquanto comia mixirica. Mané ficou pensando o que mais o cara tinha comido durante a leitura daquele livro que antes parecera tão novinho. Mas Mané não se importou e como o livro estava bom, foi até a geladeira averiguar se havia mixiricas. Pegou uma ponkan, daquelas que tem bastante fiapo, sentou-se à mesa e começou a descascá-la. E porque o livro estava muito bom, Mané não despregou os olhos dele enquanto comia a mixirica. 02/06/2013
Mané estava ressabiado porque tinha que trocar o celular da esposa e não queria gastar dinheiro. Mesmo assim foram até a loja e depois de uma longa e exasperante espera foram atendidos por um rapaz simpático até. Aí ficaram naquele lero lero do plano, disso e daquilo, o que também foi exasperante. Aí Mané perguntou sobre o resgate dos pontos, quais marcas de “esmartefone” tinha disponível e isso e aquilo. No fim o sujeito achou ali uma promoção e em troca de um ano de fidelidade levaram um ótimo celular, de graça, e de quebra a conta caiu 50% pelo mesmo prazo da fidelidade, mesmo com a inclusão do plano de dados que ela não tinha. A mulher voltou pra casa feliz da vida, Mané mais ainda. Coisas assim, às vezes, acontecem. 31/05/2013
Nesses dias o caçula de Mané completou 19 anos. O menino já é mais alto que ele e o fato de ver o filho deste tamanho gera um sentimento ambivalente, certa alegria misturada com alguma tristeza. Mané tem um problema com a passagem dos anos e ultimamente eles tem passado rápido. Mané sabe que esse filho será dele para sempre, mas mesmo assim sente medo do tempo, ou da falta dele. Mané sempre pensa como foi bom ter filhos e cuidar deles. Mesmo depois de os ingratos terem crescido! 25/05/2013
Mané parou numa banca de frutas e levou pra casa uma bandejinha de caquis rama forte. Depois de jantar Mané colocou os caquis lavados na mesa e começou a degustá-los. Ops! Dejá vú? Cortou o primeiro em duas partes e depois cada parte em duas partes que formaram quatro partes. Estava tão delicioso que ele resolveu repartir o segundo, que estava tão delicioso quanto o primeiro. Mané partiu o terceiro e com a barriga cheia constatou que estava, também, delicioso! Quando chegou ao quarto caqui a esposa apareceu reclamando a sua metade e Mané tergiversou dizendo que não estava lá essas coisas e em seguida devorou a fruta enquanto a esposa reclamava que “a temporada do caqui já está no fim, não está mais lá essas coisas mesmo”. Mané concordou de boca cheia. O quarto caqui estava uma delícia e ele não estava a fim de discutir a relação! 20/05/2013
Lá pelas tantas o filho do amigo do Mané declara que vai estudar Economia e todos olham pra Mané esperando que este se inchasse de orgulho. Eis que Mané se apequena e resiste a falar do assunto, pois a verdade é que Mané não gosta de ter estudado o que estudou e que Mané nem sabe direito o que aprendeu na Faculdade de Economia da PUC. Nisso Mané percebe que o menino olha para Mané, assim como todos na mesa e ele se sai com uma exclamação de surpresa do tipo, “é mesmo?”, “que boa idéia, vamos ver se entra numa faculdade pública para economizar os cobres de seu pai”! O menino responde que vai tentar USP, GV e Insper. E Mané pergunta: “PUC não”? E o menino: “Deus me livre, nem pensei na PUC”! 19/05/2013
Mané parou numa banca de frutas e levou pra casa uma bandejinha de caquis rama forte. Depois de jantar Mané colocou os caquis lavados na mesa e começou a degustá-los. Cortou o primeiro em duas partes cedendo uma delas à esposa. Estava tão delicioso que eles resolveram repartir o segundo, que estava muito bom, mas não tanto quanto o primeiro. O terceiro estava saboroso, mas Mané já começava a achar que tinham que ter parado no segundo. Quando chegaram ao quarto caqui a esposa recusou a sua metade dizendo que os caquis da bandeja estavam piorando e ela achava que o último estaria uma droga. E ainda falou: “essa bandeja de caquis parece casamento, começa bom e vai piorando”! 15/05/2013
Depois do desastre Mané se pergunta se a lâmpada do abajur tinha quebrado, se pergunta se a água molhou o livro que ele tinha posto no chão e então, lentamente, ele tateia pelo criado mudo tentando achar o interruptor do abajur e promete para si mesmo que se a luz acender ele deixaria tudo como estava e voltaria a dormir. E eis que a luz se acende, eis que ele dá uma olhada e vê que a água espraiou-se pra debaixo da cama sem tocar o livro e eis que ele novamente ajeita os travesseiros, apaga a luz e se aconchega para dormir. Eis que adentram ao quarto a esposa e o cachorro. Eis que a mulher pergunta “o que está acontecendo” e eis que o cachorro começa a chapinhar na água enquanto lambe tudo à sua volta. Eis que Mané se levanta e depois da faxina volta pra sala e pergunta: “que filme vai passar hoje na sessão coruja?”12/05/2013
Mané está lendo na cama e eis que chega aquele momento em que os olhos começam a se fechar involuntariamente, o corpo vai escorregando pra baixo e sendo invadido por aquele torpor final que dá antes de adormecer. Então Mané coloca o marcador na página, põe o livro de lado, tateia em busca do interruptor do abajur e puxa a coberta até as orelhas. No escuro, Mané ajeita os travesseiros, um entre as pernas, o outro com o braço embaixo e suspira profundamente pronto pro sono. Minutos depois, Mané sente que algo prende a ponta do edredon que está no chão. Sem se abalar Mané dá um puxão para tentar soltar a coisa e eis que isso gera uma reação em cadeia. O abajur voa para o chão e na queda derruba a garrafa de água que se abre e derrama parte do conteúdo. No escuro, Mané avalia se deve levantar para avaliar os danos. Ou será que deve deixar pra lá? 11/05/2013
Na mesa do Mané tem uma gavetinha onde ficam as contas a pagar, as contas pagas que ainda não foram arquivadas, algumas canetas, muitas porcarias e um envelope pardo com uma grana para as despesas do dia a dia. Até algum tempo atrás, quando Mané precisava de dinheiro ele ia lá e pegava R$ 50,00 e usava. Tempos depois ele ia novamente lá, pegava mais R$ 50,00 e usava. Mané não sabe com que freqüência isso acontecia, mas havia uma freqüência que até certo dia foi normal. Mané então começou a notar que ele tinha que ir mais vezes lá pra pegar R$50,00 e passou a pegar R$ 100,00 e agora, toda vez que ele vai lá ele pensa se precisa de R$ 100,00 ou R$ 50,00 e acaba pegando R$ 100,00. A presidenta e o ministro da fazenda deveriam dar uma passada na gavetinha do Mané para ver o que é inflação. 08/05/22013
Assino Veja há 27 anos. Nos últimos anos bombardeado por todos os lados por notícias e análises a veja se tornou inútil, além de ser parcial e tendenciosa, o que faz com que, no máximo, eu a folheie rapidamente. Aqui em casa essa assinatura sofre a oposição da minha filha. A esposa lê de cabo a rabo, mas isso não é vantagem porque ela costuma ler até rotulo de xampu. Pra piorar um mês depois de pagar a assinatura través do boleto na opção anual, eles começam a mandar o boleto para a "renovação" da mesma, o que é profundamente irritante. Passo o ano jogando fora o carnê de boletos e só pago o último quando elas finalmente passam da adulação (você é nosso cliente preferencial há 27 anos, aproveite a excelente oferta, et etc) para a ameaça (se você não renovar agora vai perder a chance de receber Veja na sua casa e todas as vantagens que você adquiriu neste período). E eu pago. Eu tenho renovado sistematicamente. Por quê?05/05/2013
Na esquina da casa de Mané, bairro semi-nobre onde moram políticos mais ou menos importantes, gente descolada, intelectuais e outras pessoas de reputação ilibada, um sem teto armou o seu acampamento que consta de colchões, cobertores e um carrinho de supermercado cheio de coisas e trecos. Tudo isso está localizado ao lado do ponto de ônibus exalando uma fedentina difícil de agüentar de forma que as pessoas começaram a esperar a condução longe dali onde os motoristas, que entenderam a situação, fazem a parada fora do ponto. As pessoas, quando passam por perto tampam o nariz e nem olham. Os cachorros latem. E a caravana passa. Já faz quatro dias que ele está lá e ninguém fez nada. Nem Mané! 29/04/2013
Mané acorda nessa manhã de friozinho, o sol lutando para se mostrar em meio às brumas outonais e constata que o ano vai correndo célere, já indo pelo seu meio. Aparentemente as coisas estão todas no lugar, uma filha dormindo, outro na escola, a mulher na cozinha, as coisas do trabalho andando, emails de amigos, mãe no periscópio e cachorro na caminha. Mané se sobressalta por um momento, enquanto saboreia sua vida cartesiana, ao lembrar que apesar de toda a inteligência, apesar de toda experiência, o ser humano ainda não aprendeu a colocar em foco o inesperado. Ainda nos chocamos com a surpresa, com a percepção de que em uma fração de segundo, tudo pode mudar. 26/04/2013
Mané sempre fica constrangido quando alguém fala muito bem de uma pessoa falecida, que era um grande homem, que fez grandes coisas, que era uma pessoa perfeita, amantíssimo marido, bom pai, irmão caloroso e por aí vai. Mané sabe que tudo isso é mentira, ninguém é perfeito, ninguém é só bom. Ontem Mané lembrou do que disse na inauguração do túmulo do pai, sobre quanto o pai tinha lhe ensinado, sobre toda a herança cultural que ele deixou, mesmo tendo sido uma pessoa distante e recolhida, pouco afeita a demonstrações de carinho. Mané estranhou mas ficou feliz de ter sido contrariado ali mesmo no cemitério pelo sobrinho que disse que não concordava com nada daquilo, que o avô tinha sido muito próximo e carinhoso. Mané pensou consigo mesmo, que sorte ter tido um pai que era apenas humano, nem herói, nem bandido, apenas pai! 15/04/2013
Às 7:22 Mané constata que o cão precisa fazer xixi e depressa lhe põe a coleira e desce num prédio ainda quieto, pelo elevador que chega rápido e sai numa rua ainda vazia de carros e pessoas. Enquanto o cãozinho se alivia no poste, Mané observa do outro lado da rua, sentados à mesa da padaria, um casal que come pão na chapa com manteiga e bebe uma média. Ele, mais velho e mais gordo, fala e gesticula para ela, mais jovem, gordinha também, que mastiga devagar e lança no horizonte, pro lado de Mané, um olhar enfastiado. Mané se pergunta qual a relação entre os dois e fica curioso de saber o que se passa. O que será que o moço fala que tanto a entedia? Minutos depois encosta um caminhão de iogurte, que encobre a cena. Mané se impacienta. Quando o caminhão finalmente sai o casal já desapareceu. Mané percebe que Milu já acabou faz tempo e que o observa também curioso e assim, retoma a marcha com seu companheiro saltitando em seus calcanhares. 12/04/2013
A mãe de Mané ganhou de presente um celular que tem um dispositivo que manda um torpedo com apenas um toque para uma lista de pessoas em caso de necessidade. A mãe e a irmã de Mané foram até a loja, adquiriram a engenhoca, fizeram as programações necessárias e seguiram pra casa satisfeitas. Quanto mais segurança melhor. Isso foi ontem de manhã. Ontem à tarde Mané e as outras quatro pessoas escolhidas pela mãe, passaram a tarde recebendo uma mensagem que dizia: “PRECISO DA SUA AJUDA URGENTE, LIGUE PRA MIM”! Da primeira vez Mané ligou de volta e foi atendido pela irmã que se desculpou rindo. Na segunda quem gargalhava era a mãe. Depois não ligou mais e ficou pensando na história de Pedro e o Lobo. 09/04/2013
Um dos sinais de que Mané seria uma pessoa azeda era o jeito que ele tinha de demonstrar o seu desagrado desde o berço. Ainda bebê, na época das papinhas e mamadeiras, Mané costumava tomar um último “biberon” antes do sono da noite. Sugava o leitinho até a última gota e caso ainda não se sentisse satisfeito atirava a mamadeira com estardalhaço para fora do berço. A mãe, ao escutar o barulho (as mamadeiras eram de vidro) vinha correndo para lhe preparar outra, que era devidamente sugada, depois do que finalmente Mané adormecia. Mané concorda que é um tirano desde a mais tenra idade e atirar a mamadeira com a conseqüente correria que este ato gerava, era um apenas um exercício de dominação que seria aperfeiçoado com os anos. 06/04/2013
O primeiro ano da vida de Mané, 1956, foi um ano de relativa calma. Suas preocupações não iam além de chorar quando tinha fome, chorar quando tinha sono e chorar quando estava sujo. Fora isso era mamar, dormir e fazer longos passeios com a mãe e a irmã pela orla de Alexandria ou, dependendo da estação do ano, pelas ruas e parques da cidade. Ao contrario do que todos imaginavam Mané foi um bebê de peso normal, sossegado se assim se pode dizer, mas já dava mostras do difícil caráter que teria herdado, segundo as más línguas, de um tio materno. Em outubro de 1956 houve uma guerra no quintal da casa de Mané, o Canal de Suez. Mané nem desconfiava, mas pelo fato da a sua família estar do lado errado da fronteira, sua vida iria mudar radicalmente em menos de seis meses. 05/04/2013
Nos anos 1950, em Alexandria pelo menos, as mulheres que davam à luz ficavam 10 dias na maternidade e foi esse o tempo que a mãe do Mané passou hospitalizada para tal fim. Por via de conseqüência, as cerimônias de circuncisão dos varões judeus eram feitas no próprio hospital que tinham recintos específicos para tal finalidade. A cerimônia de Mané foi bonita e a mãe dele conta que toda a família esteve presente, mesmo aqueles que já tinham ido visitar nos longos 10 dias de molho. Mané teve seu pinto cortado no colo do tio de seu pai, Salomão, no sétimo dia de vida e não guarda lembrança do episódio que foi perpetrado por um especialista, muito famoso na comunidade, que outrora havia circuncidado também o filho de sua Majestade, o Rei Faruk I do Egito. 04/04/2013
Quinze dias antes do seu nascimento Mané parou de se mexer na barriga da mãe. A preocupação foi geral e todos correram ao médico para ver o que havia sucedido. Eis que conseguiram escutar o coração de Mané, mas mesmo assim ele continuava sem se mexer e para prevenir qualquer malefício o médico recomendou que a mãe de Mané fosse ao consultório duas vezes ao dia para se certificarem de que estava tudo bem. E assim foi feito, uma vez de manhã, outra de tarde e em todas as vezes o coração estava lá presente e batendo. No dia do nascimento de Mané eles finalmente descobriram a razão da imobilidade: Mané nasceu pesando 4,5kg e não havia mais espaço nenhum no útero materno, um touro! 03/04/2013
Quando a filha de Mané era desse tamaninho, Mané oferecia pra ela de sobremesa banana amassadinha com um pouco de canela, guloseima que era devorada em poucos minutos. Se Mané demorasse um segundo para oferecer outra colherada, a garotinha já reclamava, abria um bocão e remexia os pezinhos. Hoje, ao encontrar duas bananas bem maduras, Mané as amassou e as ofereceu aos filhos. O filho aceitou, mas a pequena aí do lado, que infelizmente já cresceu muito, fez cara de nojo.31/03/2013
O filho de Mané ficou meio desarranjado ontem e andava entre o banheiro e o sofá cabisbaixo e contrariado. Ficava resmungando entre dentes que não sabia se poderia ir à escola na manhã seguinte. Mané não gosta de ver filhos doentes ou infelizes e na volta de mais uma ida ao banheiro, Mané disse ao filho que não precisava ir à escola na segunda, caso não estivesse se sentindo bem. Foi bonito ver como o rosto do filho se iluminou, quase que de imediato começou a conversar muito com as pessoas, uma animação linda de se ver. O desarranjo cessou em seguida e nesse momento, ao invés de se sentir manipulado, Mané fechou a noite feliz. No momento, o garoto dorme! 25/03/2013
Todo dia de manhã cedinho Mané vai à padaria e pede três pãezinhos clarinhos e um pão integral, num ritual que se repete quase diariamente há dez anos. Quando Mané vai chegando ao balcão ele cruza o olhar com a moça que o atende, sempre a mesma. Ele sabe que ela sabe o que ele vai pedir e ela sabe que ele sabe que ela sabe o que ele vai pedir. Então hoje, para afastar o tédio, Mané encostou no balcão e não falou nada. Apenas olhou fixamente nos olhos da moça, que após um segundo de hesitação, serviu-lhe o de sempre. Com uma piscadela, Mané agradeceu e retirou-se mudo como entrou, percebendo com satisfação que os pães estavam quentinhos do jeitinho que ele gosta. 22/03/2013
Mané às vezes vai ao cinema do clube. Além de ser gratuito, tem a vantagem de ser num lugar sossegado, com ausência completa de filas e do stress que temos de sobra no circuito shoppings/paulista. No entanto, como diz o ditado, não tem almoço grátis. Mané chega sempre uns quinze minutos antes, já munido de balinhas e água, senta no seu lugar predileto e fica no aguardo do início da sessão. A administração bem que tenta fazer com que as sessões sejam tranqüilas e tocam até aqueles três sinais, como no teatro, mas quem falou que os sócios deixam? Parece que quando o filme começa a sala de projeção ganha vida. Os folgados acham que é nessa hora que devem entrar na sala e ficam passando na sua frente à procura de um lugar. Amigos tentam se localizar aos gritos, mães resolvem ligar para os filhos para avisar que vão ao cinema e tem gente que atende ao telefone a toda hora dizendo bem alto: “não posso atender, estou no cinema”! Isso sem falar naqueles que guardam seis lugares e meia hora depois de iniciado o filme ainda tem a cara de pau de dizer que o lugar está reservado gerando discussões acaloradas. Mané precisa dizer que o dito clube é um lugar freqüentado pela nata da sociedade paulistana, só primeira classe, é claro! Nata azeda! 17/03/2013
Na fila do banco de Mané tem ar condicionado, sofá, água gelada e cafezinho. Vindo do trânsito e do calor, Mané achou aquilo um paraíso e quase festejou o fato de haver seis pessoas na sua frente. Sentou, bebeu água, recusou o café e relaxou enquanto os bancários faziam seu mais do que entediante trabalho. Nisso entra na saleta uma senhora muito chic aparentando ser dona do lugar, por volta de 60 anos e indaga imperativa: “quem seria o último da fila”? Todos olham pra Mané que tendo antipatizado instantaneamente com a figura, fechou-se em copas, encostou a cabeça no sofá e fingiu estar cochilando. A mulher insistiu na pergunta e Mané irritado lhe respondeu que a última da fila era ela mesma. Todos na sala riram e a mulher do café retirou-se sem oferecer nada à baronesa. 12/03/2013
A filha de Mané chega à noite e mãe lhe pergunta se já jantou ao que ela responde afirmativamente. A mãe lhe pergunta o que comeu e a filha responde “fui num Buffet de sopas”. Ante o estranhamente diante de um cardápio tão exótico para a temperatura atual a filha se defende: ué, eu não tomo sorvete no inverno?
para los hermanos del cono sur
La hija de Mane llega por la noche y la madre le pregunta si ya tenía cenado y la niña dice que sí. La madre le pregunta qué comió y respondió la hija: ¡”Fui a um buffet de sopas”! Ante el asombro frente a un menú tan exótico a la temperatura actual, la hija se defiende: ¿“Hey, yo no tomo helado en el invierno”? 10/03/2013
A filha de Mané se apronta para sair de manhã cedinho. Anda pra lá e pra cá, portas batem, gavetas são abertas e depois fechadas, coisas são atiradas para o lado. Depois ela brinca com o cachorro, lhe da alguns afagos e se dirige para a porta. Ao girar a chave ela proclama: “eu vou, mas depois eu volto”! Dito assim, não parece tão obvio.
Mané para los hermanos del cono sur
La hija de Mané se prepara para salir por la mañana muy temprano. Camina de acá para allá, dando portazos, cajones se abren y se cierran, y cosas son arrojadas a un lado. Juega con el perro, luego le hace unos mimos y se dirige a la puerta. Cuando se gira la llave proclama solemnemente: “¡Me voy, pero vuelvo!”. Dicho así, no parece tan obvio.07/03/2013
Mané já praguejou contra o Chávez, já lamentou a morte do Chorão, já curtiu a foto de 2 netinhos, já elogiou um amigo, já discordou de outro 5. Já recebeu 8 bons dias e se chocou com fotos de enchentes, elefantes mortos, cachorros maltratados e bombardeios à mesquitas na Síria. Mané já se emocionou com fotos de bebes sorridentes, de patinhos caminhando à beira do lago, gatinhos e cachorros confraternizando, chimpanzés dando de mamar a tigres e paisagens lindas ou bucólicas. Por fim Mané leu dezenas de reclamações contra as mais diversas empresas, outras dezenas de avisos de gente indo tirar férias ou voltando delas, gente desejando a chegada da sexta feira ou feliz aniversário, pais tentando se comunicar com filhos, esposas declarando seu amor aos maridos, alertas contra remédios, comidas e sobre o perigo de não se fazer exercícios e não se alimentar adequadamente. Mané leu também sobre o capitulo da novela e sobre a eliminação do Big Brother. Por fim Mané se cansou lendo mensagens positivas do Osho, Chico Xavier e de muitas páginas de auto-ajuda. Mané acha que isso já foi o suficiente por hoje. Mané vai “keep calm e voltar pra cama mais um pouco. 06/03/2013
Milu não está se importando com a renúncia do papa. Hoje à tarde naquela hora de certa paz logo que chega em casa, Mané tentou explicar para o cachorro o que isso significava, mas o animal não pareceu se interessar, apesar de ter ficado olhando fixamente durante os 6 ou 7 minutos que Mané contou a ele sobre a idolatria dentro da religião, da necessidade que o homem tem de criar representantes de Deus aqui na Terra, fenômeno que existe em todas as religiões e seitas. Não teve jeito, Mané até achou que o cão começava a se interessar quando falou sobre o santo protetor dos bichos, ele mexeu as orelhas – Mané viu, mas o que o cachorro queria era a cenoura que Mané segurava na mão durante toda a palestra. Justiça seja feita, ele escutou tudo com a maior paciência e atenção, mas já começava a ganir de aflição quando Mané lhe disse: “dá a patinha”!, coisa que fez impaciente, pegando em seguida a cenoura com a boca para roê-la no canto. 28/02/2013
Mané acha bacana essa relação das pessoas com a religião e a reverência que fazem para padres, rabinos e quetais. Mané às vezes tem vontade de ter uma ligação maior com a religião, dá a impressão, talvez falsa, de que tudo fica mais fácil, deixar assim o bem e o mal por conta da vontade de Deus. Na suntuosa sinagoga, no 5º mês da morte do pai, Mané se deparou com um ambiente vazio. As outras nove pessoas foram amáveis e gentis como sempre, tendo Mané se sentido atenciosamente acolhido. Mané teve uma dúvida, mas o rabino tinha faltado e ele não quis perguntar pra outra pessoa. Terminaram a reza rapidinho porque ia desabar um temporal e logo todos se retiraram entre sorrisos e tapinhas nas costas. Mané entrou no trânsito com certa tristeza na alma, não pelo trânsito, mas por uma razão diversa. 27/02/2013
Moramos aqui numa cidade de merda localizada num país de merda. Vivendo e trabalhando em bairros tidos como nobres e pagando caro por isso, nem assim estamos isentos a passar quatro horas no trânsito pra voltar pra casa, sujeitos a levar uma árvore na cabeça ou eventualmente ser assaltado sem ter sequer pra onde fugir. Pode-se colocar a culpa nos políticos, podem estes devolver a culpa à deseducação da população que usa as ruas da cidade como lata de lixo ou latrina. Pode-se, mas de que adianta se há tantos anos já fazemos isso? Votar em vereadores bacanas que se preocupam com o preço das goiabas e se escondem na hora da chuva? Votar em prefeitos falastrões que se autodenominam postes ou em outros que usam a prefeitura para criar partidos e ganhar vantagens? Mais vantagens? Safados, caras de pau, bandos de filhos da puta que me obrigam às 10:00 da noite a resgatar minha filha que saiu do trabalho às 17:00 e não conseguia chegar em casa porque não havia ônibus, táxi ou qualquer outro meio de locomoção, no meio de uma avenida nobilíssima onde só havia bêbados e escuridão. Somos apenas idiotas, indefesos idiotas somos nós! Nessas horas eu gostaria de ser terrorista!
Mané cansou de ver pessoas sofrendo pelas próprias deficiências e pior, sofrendo por achar que os outros são melhores que eles próprios. Um dito popular americano diz que a grama do vizinho é sempre mais verde, isso quando temos grama. Mas Mané não se incomoda com isso. Por trás de aparências encantadoras, de ambientes plácidos e cheios de harmonia, todas as pessoas escondem esqueletos dentro do armário. Mané já sofreu pela grama alheia e também já encontrou verdadeiros cemitérios por baixo dela. 03/02/2013
A filha de Mané chega em casa com uma sacola de supermercado cheia. São quase 10 da noite e ela pergunta se tem alguma coisa pra jantar. Mané está sozinho vendo o início do jogo e responde laconicamente: “ tem!” Ela procura pela mãe e volta com ar de enfado, “cadê a mãe”? Mané responde que a mãe saiu, “quarta feira é o dia de sair com as amigas, não lembra”? A menina: “tem alguma coisa pra jantar”? E Mané, “sim, tem”! Daqui a pouco ela volta senta na sala com Mané e começa a remexer na sacola do super. Milu se aproxima já pedindo. Ela tira de dentro uma mousse de maracujá e a come. Depois, dizendo que queria algo salgado, vai até a cozinha, faz um tostex e come. Tira do saco uma mousse de chocolate e come. Distraidamente começa a abrir um saquinho de ovinhos de amendoim. E come! Enquanto pergunta quem está jogando ela abre um pacote onde tinham três muffins, escolhe um mais escuro, e come. Depois ela tira as botas e o cachecol, pois nós estamos no verão, recosta-se no sofá e reclama: “to gorda, vou rolar até o quarto”! Mané sente inveja de tudo que ela comeu, mas não diz nada. Ela passa na sua frente desfilando, esquelética. Mais tarde a mulher chega e Mané pergunta se ela bebeu e veio guiando e ela responde: “tudo bem, por aqui”? E Mané responde: “tudo bem!”31/01/2013
Mané está lá na fila do plantão fiscal da Receita Federal, como sempre maldizendo os funcionários públicos e a sua sorte, nesta ordem, quando sente uma irrefreável vontade de fazer xixi. Depois de hora e meia, tem duas pessoas na sua frente e o tempo dos atendimentos parece ter triplicado. Mané se aproxima do guardinha, cuja função é gritar “próximo” e lhe pergunta se acha que vai dar tempo se ele for ao banheiro. O sujeito lhe devolve um olhar de torturador e lhe pergunta se a vontade em questão é a número 1 ou número 2. Mané responde em voz alta: “é xixi”. Então a autoridade diz que é melhor segurar, pois se ele o chamar e Mané não estiver ali, Mané perde a vez. Mané resolve esperar e quinze minutos depois já estava sentado na frente de um fiscal, tendo a situação se resolvido em outros quinze; “o Sr. vai ter que retornar aqui quando o programa de 2013 estiver disponível”, e “a malha fina pode não aceitar o relatório da Sul America, melhor conseguir os recibos originais”. Com a bexiga já explodindo, Mané corre até o banheiro e repara que não tem luz, mas mesmo assim Mané faz o que tinha que fazer. Mané não tem certeza, mas acha que a sua pontaria não estava muito boa naquela escuridão. 30/01/2013
Mané senta na poltrona. Não fez nada o dia todo, mas está exausto. Esta é a deixa para Milu se aproximar, sentar na sua frente e ficar encarando. Mané tenta conversar, fazer cafuné, mas nada tem resultado. O cãozinho se esquiva e volta para a posição original encarando. Mané fala as palavras mágicas: “quer cenoura”? O cão vibra e imediatamente se põe de pé, rodopia em torno de si mesmo e depois espera ansioso com a bunda empinada. Mané percebe que já tem dois pedaços de cenoura pelo chão da sala e tenta contemporizar com o cão, mas não tem acordo, ele quer uma novinha da geladeira. Mané faz então um esforço hercúleo e vai até a geladeira. O cão vem atrás saltitando e rodopiando. No caminho Mané pega as cenouras usadas do chão e tenta dá-las ao cachorro. Ele rejeita. Mané então abre a geladeira e mexe no saco das cenouras. O cachorro geme de aflição. Mané então faz de conta que as cenouras velhas eram novas, lava e retira os pedacinhos pretos e volta pra sala com o cão nos seus calcanhares. Mané senta de novo no sofá, Milu está a ponto de explodir. Mané fala: “senta”! Ele senta e nesse momento ganha uma das cenouras recicladas e com ela entre os dentes foge pra debaixo da mesa. Em poucos segundo ele volta pra reclamar a segunda cenoura. Ouve-se a cenoura sendo roída. Mané se recosta feliz, pois sabe que satisfez o cão e que ainda é mais esperto que ele. 26/01/2013
Mané chega animado ao cinema para assistir Django Unchained. Mané adora sangue jorrando e diálogos intermináveis e por isso não perde nenhum Tarantino e por isso chegou ao shopping com 40 minutos de antecedência. Lá se deparou com uma fila de carros no estacionamento. Sem se abalar Mané entra na enorme fila do ingresso, já se maldizendo por não ter comprado pela internet. No caixa Mané descobriu que só tinha lugar na primeira fila e mesmo assim comprou os ingressos avidamente. No primeiro minuto ficou claro que não daria para ver o filme dali. O cara dava um tiro e você não conseguia ver quem tinha morrido. Súbito, um casal que estava lá encima se retira indignado, pois uma das cadeiras deles estava quebrada. Rapidamente, enquanto iam em busca dos seus direitos Mané apossou-se de suas cadeiras. O "quebrado" em questão era apenas num pequeno cantinho do encosto, nem era tão ruim, bastava ficar imóvel durante as duas horas e meia do filme, mas pelo menos se enxergava a tela toda e nem precisava ficar com a cabeça virada pra cima de olho arregalado. Mané considerou a cadeira quebrada e rejeitada na última fileira como um upgrade. Já o casal em questão, Mané não sabe. No final da sessão, Mané os viu sentados nos degraus. Nada como se ver numa situação miserável para que uma situação ruim se torne boa. 23/01/2013
Meu pai, órfão de mãe aos 6 meses de idade, foi criado por tios e tias, já que naquela época era impensável um homem ficar solteiro ou criar um filho sozinho. Não se sabe ao certo porque a madrasta não o criou, mas o fato é que a família o acolheu de alguma forma e, traumas a parte, meu pai foi educado, sempre se deu muito bem com seus meio-irmãos, criou uma família e “La nave vá...”
Até o início da adolescência vivi numa família de imigrantes e que devido à necessidade, moraram juntos em alguma época da vida, duas, três famílias no mesmo apartamento de 2 ou 3 quartos, passavam férias coletivas em Praia Grande e São Vicente, todos os netos sob a guarda dos avós ou tios. Na adolescência, primos vinham passar férias nas nossas casas ou vice-versa, namorados se aboletavam no quarto e sala de veraneio da família e não consigo me lembrar de nenhum dissabor serio em virtude deste ajuntamento.
O que significa isso? Significa que havia um sentido de solidariedade e amizade às pessoas próximas e/ou consanguíneos. Havia um sentido para a palavra família e essa filosofia suplantava crises e desentendidos, até os políticos ou religiosos, no fim das contas eram pessoas com as quais se podia contar com boa vontade e até mesmo com certa dose de má vontade.
Hoje tudo isso não existe mais. Somos ilhas até mesmo no núcleo familiar pequeno, cada qual sentado na frente do seu computador, às vezes mães mandando recados para os filhos no facebook. Você convida ou é convidado para ir à casa de primos que se tornaram pouco mais que conhecidos. A casa do seu irmão, já não é mais tanto assim a sua casa e não raro você topa com desconhecidos naquelas festas em que por acaso seus familiares de primeiro grau se cruzam.
Sinal dos tempos, afinal nós progredimos. Aqueles ajuntamentos familiares eram por necessidade, porque éramos pobres e se não fosse assim, nem férias teríamos. Agora temos casa em Atibaia e na Baleia, assim como tivemos apartamentos no Guarujá. Pais viúvos passam a morar em companhia de domésticas ou vão para um asilo. Damos dinheiro para parentes falidos, mas não um prato de comida, muito menos uma cama. Filhos determinam hora para os avós visitarem os netos e as férias, bem, não existem apartamentos comunitários em Nova York.
Pobres velhos. Pobres de nós que estamos ficando velhos. Pobres dos que vão envelhecer em duas décadas e pobres dos que estão nascendo agora. Vão ficar a ver navios, vão bradar palavras ao vento, vão enxugar gelo...acordem! 22/01/2013
Mané passou o fim de semana preocupado com duas reuniões que teria segunda logo cedo. Mané não se sentia preparado e nem queria se preparar e assim ficou sofrendo sábado e domingo, olhando papéis e maldizendo sua sorte. Eis que Mané acorda cedo para arrumar de novo suas anotações e se esforçar para pelo menos ler parte do material quando o telefone geme, um minuto após Mané ter ligado o WI-FI. Duas mensagens do Uatsap: “Sr. Alberto, lamento...” e a segunda: “infelizmente teremos que adiar...” Um dia feliz às vezes é muito raro, acho que os caras estavam mais preocupados que eu! 21/01/2013
Mané vai até o correio pra reclamar de um objeto que tinha enviado no fim do ano 12 e que ainda não tinha chegado ao destino. A atendente muito atenciosa pede o numero do recibo e se prepara para preencher um grande formulário e Mané responde a todas as perguntas e quesitos com gosto e obediência. Passados vinte minutos, a fila atrás de Mané rugindo, a moça coloca um monte de carimbos e selos no formulário e em seguida fornece um número de telefone, aconselhando Mané a ligar estando de posse tanto do recibo de envio como da cópia do formulário. Mané, pedindo aos céus que o impedisse de esfaquear a moça, pega o número e de lá mesmo liga, quando uma nova atendente, após anotar o número do envio, o número do formulário e lhe fornecer um protocolo, lhe pergunta à queima roupa: “o Senhor deseja registrar uma reclamação e fazer um pedido para que a encomenda seja entregue imediatamente, além de receber o dinheiro da postagem de volta”? Mané fica desconcertado e pergunta se não era isso mesmo que ele estava fazendo e já tinha feito há mais de 20 dias. E se ele não fizesse quanto tempo mais ia demorar para entregarem o pacote? Diante do mutismo da moça, Mané declarou: “sim, eu desejo, eu desejo isso ardentemente”! Mané tentou se lembrar se tinha trazido a UZI, mas resolveu ir embora na paz. 19/01/2013
Mané chega à USP, a maior Universidade da América Latina para pegar o histórico escolar da filha, por exigência do Leão. São 11:45, Mané faz a ficha na porta da faculdade e adentrando ao recinto eis que dá com a cara na porta, onde está grudado um cartaz dizendo que o almoço vai das 11:30 as 14:00. Tudo bem, mas não tudo bem, Mané retorna sobre seus passos e vai buscar algo pra fazer nas duas horas e meia de almoço que ganhou por conta do serviço público estadual. Às 13:55, Mané retorna com o bucho cheio, afinal dá pra se comer um monte de coisa em duas horas e meia, e fica feliz de encontrar a porta da secretaria aberta e todos os funcionários sentadinhos nos seus lugares. Mané entra e diz “boa tarde” e, em troca, percebe que a moça que o atenderia olha o relógio com má vontade e lhe diz: “voltamos do almoço às 14:00”! Mané senta numa cadeira e fica alisando o iPhone por mais 4 minutos, levanta-se e diz de novo: “boa tarde, vocês já voltaram do almoço”? A moça então se aproxima e diz, “boa tarde, pois não em que posso ajudá-lo”? Mané então fungou profundamente e deu uma cusparada na cara da moça. Não satisfeito, pegou uma cadeira e atirou na cabeça dela. Depois Mané sacou uma metralhadora da mochila e atirou em todos os funcionários que estavam na sala, espalhando lascas de osso e pedaços de cérebro de funcionário público pelas paredes. Depois, Mané pegou o documento da mão da moça que o atendia e que ainda suspirava e se retirou andando calmamente. Na saída cumprimentou os seguranças, ligou o carro e saiu cantando “Im singing in the rain, just singing in the rain”. 18/01/2013
Mane sente repulsa por gente desconfiada. Gente que sempre imagina que esta sendo passada pra trás, gente que acredita que os outros vieram ao mundo para roubá-los, ludibriá-los e extorqui-los. Diz Mane que, o que essa gente não sabe é que, quando pensamos que alguém pode nos fazer alguma coisa, nos mesmos já fizemos aquela mesma coisa para alguém. 17/01/2013
Assinar:
Postagens (Atom)