sábado, 28 de janeiro de 2017
É final de tarde, Mané acaba de ler o último parágrafo do livro. Cansado pela intensidade da história, fecha o livro com estrépito e vai até a sala onde estão seu filho e sua esposa. Salma está deitada de lado no sofá, uma almofada sob o pescoço e outra entre os joelhos e ressona suavemente. Mané observa por alguns segundos o perfil levantino da mulher e propõe uma volta pelo bairro, já que não choveu, “o cachorro precisa andar um pouco, o bicho está ficando meio gordo”. Salma levanta de supetão e, sonada, informa que estivera tendo um sonho horrível que Mané a arrastava para um lugar que ela não queria ir, que ela pedia socorro e ninguém acudia e então Mané falou pro filho, “vamos, a mamãe não quer passear com o cão”. Mas Salma foi. Ao passarem pela padaria o filho quis pão de queijo e Mané prometeu que compraria na volta, mas, de soslaio, Mané viu um cartaz apetitoso que anunciava um picolé de edição limitada, “Magnum Petit Gateau, 9,80”. Mané que já não enfrenta com galhardia um picolé daquele tamanho propôs a Salma que ela degustasse o tal picolé e lhe desse uma ou duas mordidas. Salma, ainda acordando respondeu de mau humor se a intenção dele era cevá-la até que ela ficasse gorda como uma porca. Mané disse que apenas queria uma ou duas mordidas do sorvete que ele lhe oferecia, “mas vemos isso na volta”. Foram a passeio, conversaram sobre amenidades, sobre o fim da paz na Vila Madalena devido à proximidade do carnaval, Milu defecou e mijou, primeiro mijou de pois cagou e não mais que de repente se viram novamente à porta da padaria onde Mané entrou e voltou de lá de dentro com 120 gramas de pão de queijo e um sorvetão Magnum Petit Gateau que gentilmente ofereceu ao filho e à mulher nessa ordem. Seguiram vagarosamente pela calçada e Salma, mais do que depressa, rompeu o invólucro da guloseima e se pôs a morder grandes pedaços. Mané que ia à frente com o cão nada disse, mas ficou esperando que Salma lhe oferecesse e como essa não o fez, retrocedeu alguns passos para se juntar à ela e percebeu alarmado que o sorvete já ia pelo fim. Com a boca cheia, Salma disse que o sorvete era uma delícia, se ele queria uma mordida e ele disse que sim. Então ela colocou o resto do sorvete na boca, engoliu o último bocado, aproximou-se de Mané e depois de lhe dar uma leve mordida no lóbulo da orelha cochichou-lhe “se eu ficar balofa saiba que a culpa é sua”.28/01/2017
Para todos os meus amigos, familiares e conhecidos: eu amo todos vocês. Dito isto, se você postar algo que me gerar trabalho, coisas como "curtir", "compartilhar" e "cortar, copiar e colar" e que, em seguida, eu seja obrigado a fazer uma postagem para provar meu amor ou amizade, peço que apenas considere ou então finja que eu fiz isso. Não pense nem por um segundo que, por eu não ter seguido as suas instruções, isso signifique que eu não te ame ou que você não seja meu amigo. Valeu! 27/01/2017
Assim em vésperas de feriado, fim de semana ou se a moça que trabalha em casa vai faltar, Mané, que é um ótimo marido, costuma lavar a louça do café, do almoço e do jantar, isso se todas as refeições forem feitas em casa. Hoje não foi diferente, dia útil, amanhã feriado, Mané teve pela frente uma louça considerável, de carne, duas panelas gordurosas, um cenário desanimador. Mas Mané enfrentou a pia e pode-se até dizer que o fez com prazer. Mas qual o segredo do amor de Mané por uma pia de louça? Claro, vocês já podem ver pela foto. Mané gosta de passar o rodinho de pia no final dos trabalhos. O rodinho de pia é a tara de Mané, é a cereja do bolo, é quando se chega ao ponto final e tudo rebrilha. Na sessão de hoje, Mané já tinha lavado e enxaguado tudo, só restava na pia aquela última espuma a ser devidamente retirada pelo rodinho quando Mané percebeu o cachorro voltando do jornalzinho com cara de satisfeito. Mané parou a labuta foi até a área de serviço e viu a sujeira que o cão tinha feito, trocou o jornal, limpou tudo, passou um pano e quando ia voltando para o rodinho percebeu que a sua esposa tinha puxado toda a água, não tinha sobrado uma mínima bolhinha de detergente pra contar a história. Mané olhou desolado para a pia limpinha e precipitou-se enfurecido para a sala e enfiou, aos gritos, o dedo na cara da mulher: “quem mandou secar a pia?” Ela o olhou com aquela cara de “tá doido?” Mané pegou seu livro e saiu resmungando e resignado prometeu que amanhã cedo, na louça do café, não deixaria ninguém entrar na cozinha até que estivesse tudo pronto. 24/01/2017
Mané está numa festinha de aniversário. Um sábado à noite, uns 20 anos atrás. Na sala pequena se aboletam duas dúzias e meia de pessoas. Todos conversam gritando, tem uma música saindo por dois alto falantes e faz frio, o que faz com que as janelas estejam só um pouquinho abertas, o que deixa o ambiente abafado. Por falta de lugar, Mané está sentado no braço de um sofá, ao seu lado direito está sua jovem esposa e ao lado esquerdo uma moça mais velha, irmã do anfitrião. Mane está de mãos dadas com a mulher e mal presta atenção ao que se passa do seu lado esquerdo. Súbito, Mané sente que alguém está passando a mão na sua coxa. De soslaio ele observa que a irmã do aniversariante, uma mulher bonita, está passando a mão insistentemente na sua coxa. Ele não sabe o que fazer então não faz nada. De tempos em tempos ela repete o gesto e Mané fica lá pasmo sem se mexer. Assim se passa uma hora, a mulher de tempos em tempos põe a mão na coxa de Mane, cinge os dedos, retira a mão. Diversas vezes. Lá pelas tantas a mulher de Mané percebe e resolve se levantar puxando-o.
- a mulher estava passando a mão em você?
- imagina...
- eu vi! Se não estava passando a mão então o que foi aquilo?
- acho que ela estava limpando a mão, não viu que estava segurando um copo com gelo suado?
- e?
- e ela não percebeu, vai ver queria limpar a mão no braço do sofá e não viu que eu estava lá.
- limpando a mão no braço do sofá? Quem faz isso? Chega vamos embora!
E foram...
Anos depois Mané encontra a mulher na Vila Madalena e "nossa, como vai? Faz tanto tempo"!
E Mané: "acho que uns vinte anos, a última vez que nos vimos foi no aniversário do..."
A moça fala que lembra, mas, "vocês foram embora de repente..."
E Mané: sobre aquele dia, vc estava passando a mão na minha coxa ou estava limpando a mão?
E ela: "oi"? 22/01/2017
São 9 horas, Mané já passeou com o cão, comprou pão fresco, tomou café, deixou o filho no trabalho, andou 4,8km, tomou água de coco, secou-se da chuva do fim da caminhada, lavou-se, trocou de roupa, tomou cafézinho de coador que tinha acabado de sair, sentou-se à sua mesa, ligou o computador, checou os recados do celular, praguejou por causa de uma caneta que lhe manchou a calça e dispôs-se a trabalhar. E agora, o que Mané vai fazer?18/01/2017
Mané esta feliz porque lhe trouxeram um livro de Portugal que ainda não saiu aqui. É o quarto volume de uma tetralogia e num arroubo de generosidade ele o cede à esposa para que ela o desfrute primeiro. Enquanto a mulher o lê a ritmo de cágado, ele já traçou outros quatro livros, não na forma de tetralogia. Noite dessas enquanto ela seca o cabelo, Mané pega o livro pra fuçar e constata alarmado que ela nem chegou à metade. Terá de ler outros quatro enquanto espera. Então Mané se consola em ler as orelhas e a contracapa e se espanta ao ver que a história está ali resumida, o enredo desnudado, mas, como isso é possível? Depois de dois segundos vem a iluminação, mas claro, conclue Mané, é um livro impresso em Lisboa, made in Portugal, ora pois, eles te contam a história pra ver se gostas e já que gostaste, compra-te o livro.16/01/2017
Ontem enquanto degringolava pelos baixios da Vila Mariana, houve momentos em que Mané se sentiu inseguro, seguia por ruas semi-desertas e por algumas vezes, ao cruzar com pessoas que julgou estarem em atitude suspeita, temeu ser assaltado, pois carregava uma soma em dinheiro além do esmartefone. Enquanto resfolegava pelos aclives imaginou-se sendo ameaçado pelo cano de uma arma, tendo que entregar o dinheiro, o celular, os tênis e, sabe-se lá o que mais, e voltando semi-nu para o escritório, como é que ele se explicaria? Por isso hoje ao chegar despiu-se da carteira e do celular e mergulhou animado nas ruas vazias, mas com aquela sensação que a gente fica quando esta longe do celular: isolado do mundo, a pé, nu com a mão no bolso. Mané levou apenas 27 reais consigo. O trote desenvolve-se de forma natural, ao invés de descer para depois subir, Mané hoje subiu para depois descer, mas durante os 47 minutos que durou a empreitada, Mané não conseguiu se desligar. E se a mãe ligasse? E se o filho ligasse? E se a filha ligasse? E se a mulher ligasse? E se o cachorro ligasse? E se ocorresse uma hecatombe que precisasse da interferência de Mané e ele chegasse tarde para evitar o desastre? A cada tanto perguntava a um passante que horas eram, apressava-se pelas calçadas e rotundas. Mal parou na banca do coco, atirou o dinheiro para a moça japonesa, entrou desabalado na sua sala e buscou avidamente o celular na gaveta querendo ler rápido os 750 whatsapps e as 80 ligações que lhe tinham feito naquela última hora...... Tudo vazio. Aliviado e contrariado Mané se deu conta que ninguém o tinha procurado, nem nenhuma besteira importante tinha sido publicada no facebook e na caixa de entrada do seu e-mail, apenas um spam propondo-lhe um tratamento contra impotência, será que Mané precisa pensar nisso? Exausto, Mané resolveu tomar um banho, pois tinha se sentido meio grudento ontem ao longo do dia.13/01/2017
Mané anda meio ressabiado com as mudanças de horário deste início de ano o que fez que ele não conseguisse mais ir ao parque de manhã pra andar. Esteve contrariado e sorumbático, mas hoje resolveu inovar. Ao sair de casa as sete pra levar o filho ao trabalho, o fez de short, tênis e camiseta, e levou consigo uma sacola com suas calças, uma polo e um sapato mais adequado para o ambiente de trabalho. Levou também uma toalha, desodorante e sua escova de cabelos. Chegou as oito no escritório, estacionou na vaga da diretoria e adentrou ao prédio sob os olhares do motorista que fumava nos degraus da entrada. Vai pro clube?, disse o João. Sem mais que um aceno com a cabeça Mané entrou, deixou as coisas na sua sala e imaginou um percurso para o seu passeio e, sem mais delongas, saiu trotando pelas ruas da Vila Mariana em direção à cinemateca, de onde seguiu para o Instituto Biologico, onde teve alguns problemas para atravessar a rua pra pegar a Morgado de Mateus, uma leve subida que o levou até a caixa d’água da Rua Vergueiro e depois, indeciso, Mané virou à direita na Domingos de Moraes e lá perto da estação Vila Mariana do Metro parou pra comprar uma água de coco tendo depois disso seguido diretamente para o escritório na Rua Rio Grande. O app do telefone que mede distâncias percorridas denunciou um percurso de 4,8 km cumprido em 40 minutos e Mané, que estava suado e ofegante considerou satisfatória a empreitada. Entrou sob o olhar atônito das meninas que chegavam ao trabalho, mas Mané não falou nada, muito menos elas. Mané teve a sensação que olhavam pras suas pernas. De pronto, Mané trancou-se no banheiro depois de ter parado de suar, fez uma higiene meia boca, vestiu as roupas de trabalho e, nesse momento, deu-se conta de que não tinha trazido um par de meias mais adequado para calçar com os sapatos. Pelo sim, pelo não, Mané ficou com as meias brancas esportivas e considerou que não teria maiores problemas por isso. O que acham?12/01/2017
Mané muitas vezes é taxado como sendo uma pessoa pessimista, que vê o mundo de forma um tanto sorumbática. Tantas vezes o foi que ele mesmo passou a acreditar nisso e, diga-se de passagem, até se beneficiou desta situação. A boa notícia é que Mané não é pessimista. Na verdade Mané é um sonhador e como tal tenta evitar que os sonhos se realizem porque quando isso acontece, eles se desfazem e se tornam imperfeitos. 10/01/2017
Mané é estrangeiro! No sentido estrito “estrangeiro” se traduz por uma pessoa que é de outra região ou país. Mané é estrangeiro porque tem nacionalidade italiana e mora no Brasil. Mané mora no Brasil há 60 anos, mas nunca se naturalizou, pois Mané nunca se sentiu brasileiro. Mané também é estrangeiro porque nasceu no Egito e foi expulso de lá quando tinha um ano, passou uma pequena temporada na Itália e depois veio pra cá. Refugiado de guerra. Onde Mané poderia se sentir “não estrangeiro”? Mané já pensou que Israel pudesse ser esse lugar, só que não! Mané já foi algumas vezes pra Israel. Numa delas, na alfândega, Mané aproximou-se do guichê onde tinha uma moça que lhe sorria. Ele apresentou o passaporte italiano onde consta o local de nascimento e o seu local de origem, três lugares diferentes. A moça, simpática lhe disse “o senhor é uma salada de nacionalidades”. Mané riu, mas permaneceu impassível e ficou pensando em como lhe dizer em hebraico “isso deve ser uma coisa muito comum por aqui”, mas não conseguiu junta lé com cré por isso continuou sorrindo abobalhado. A moça carimbou o passaporte, lhe disse bem-vindo a Israel e tenha uma boa estadia e então Mané lhe perguntou quanto tempo poderia ficar no país com aquele carimbo e a moça lhe respondeu 90 dias. E se Mané quiser permanecer mais tempo? Ela disse então que ele precisaria de um visto e depois perguntou, meio confirmando, se Mané era judeu. Mané disse, claro que sim e então ela respondeu, “bem, assim sendo, o Sr. sabe que pode fazer Aliá* e, neste caso, o Sr. pode ficar aqui para sempre, pode finalmente voltar pra casa. Essa foi uma das vezes que Mané se sentiu em casa, mas Mané sabe que em Israel, ele também se sentiria estrangeiro. Em todo caso essa é uma outra história. *Aliá ou Aliyah (translit. do hebraico עליה ou עלייה : ascensão ou elevação espiritual) é o termo que designa a imigração judaica para a Terra de Israel ( em hebraico, Eretz Israel) - que, até 1948, correspondia ao território do Mandato Britânico da Palestina - e, a partir de 1948, para o Estado de Israel. 08/01/2017
Mané é tido como rabugento porque não quer viajar nos feriados. Aí parte da família fica de mau humor e a outra parte é tão rabugenta quanto Mané, onde o mau humor é perene. O cachorro não fala nada, apenas deita com as pernas abertas no chão da cozinha e fica lá refrescando as partes. Aí Mané conversa com gente que viajou e levou oito horas pra percorrer 150km. Chegando lá não tinha mais comida no supermercado, faltava água durante o dia, à noite e nos intervalos. Todos são devorados por mosquitos e grande parte pega virose e ao invés de ir à praia, ficam cagando em casa. Bom, mas também porque ir à praia? Lugar cheio de areia, calorento, fraldas com bosta boiando na água, melhor ficar em casa, um livrinho, o ventilador novo é uma beleza. Também teve aqueles que foram pro campo. Casa cheia, pessoas com idades entre 85 e 2, correria, balburdia, chorumelas, cachorros, vespas, pernilongos e claro, churrasco. Mas daria pra pegar uma piscina se ela não tivesse amanhecido verde, enfim, alguém sabe cade o cloro? Fumaça, carne dura, cerveja quente, ah, delícia. Mané é rabugento, sim! Mas não é mané. 06/01/2017
Mané entra na padaria e repara numa senhora sendo atendida no balcão. Cabelo aloirado, levemente acima do peso, um vestido de verão estampado. Mané olha pra ela, ela olha pra Mané. Enquanto pede os pãezinhos Mané acha que conhece a moça. Pelo rabo do olho percebe que ela esta olhando pra ele enquanto sorve pequenos goles de um suco. Mané já esta com a compra na mão e se dirige ao caixa quando, ao passar por ela, ele vê que ela faz um sinal com a mão e o chama pelo nome. Mané estaca. Um olha pro outro, Mané a reconhece, mas não se lembra do nome. Depois de alguns segundos constrangedores, ela se identifica, os dois se surpreendem e se dão um abraço nem tão apertado, nem tão solto, no entanto. Relembram os tempos do ginásio, ela uma moça bonita e popular e Mané, um mané. Resolvem sentar para um café rápido, a família esta esperando pelo pão. Conversa travada, 50 anos em 5 minutos, lá pelas tantas Mané recorda que a moça ia pra escola de mini-saia, meia branca três quartos e um mocassim marrom cheio de tachinhas. Eles ficam em silêncio e logo depois ela diz que lembrava daquele mocassim, da meia branca e da mini-saia e lembrava também que Mané sempre ficava olhando pras suas pernas quando ela passava. Mané não achava mais que fosse capaz de ruborizar, mas sente o rosto ficar um pouco mais quente e pra sair da situação ele responde: não pras pernas, pras coxas. Uma grande gargalhada deixa o ambiente mais leve e nesse momento um cara barrigudo se aproxima e põe a mão nas costas dela. É o marido, ela diz, e ri mais um pouco. Mané da a mão pra ele e um beijo nela, ela da seu telefone, ele liga pra ela registrar o dele. Provavelmente nunca mais vão se ver. Mané entra em casa com o saco de pão e a esposa pergunta “que cara é essa, parece que encontrou a menina mais gostosa do ginásio!” 04/01/2017
Duas mulheres no metro conversam em espanhol. Estou de costas, não sei qual a aparência delas, apenas escuto claramente: - Alicia, sabes lo que? (Vou fazer uma tradução livre pra facilitar). A colega de Alicia continua:
"Eu entendo de mulher. Sei que você está insatisfeita, mas é bem verdade que mulher satisfeita, mas satisfeita mesmo, é um artigo em extinção. Primeiro porque os homens não comparecem. É lamentável mas os homens gostam mesmo é de falar no assunto, contar vantagem para os amigos e fazer justiça com as próprias mãos. E falando sinceramente, acho que somos nós, as mulheres, que gostamos da coisa." "Sei, sei, responde Alicia com um muxoxo, então talvez eu deva falar com ele?" Nesse momento a outra mulher, a do trem, anunciou a próxima estação e eu não consigo ouvir a resposta da colega de Alicia. Elas levantaram, rindo. Tinham aparência um pouco exagerada, de argentinas, bem apessoadas, magras, uns 40 anos, cabelos vermelhos presos em coque com espetos, franjas, bermudas jeans, blusas floridas, havaianas, bolsas grandes, unhas do pé pintadas de vermelho/vinho, mas o sotaque era espanhol, percebeis? Tem duas gringas insatisfeitas na Vila Madalena.23/12/2016
Na próxima encarnação, se Mané tiver chance de escolher, vai preferir voltar como cachorro. Neste caso Mané só espera ser adotado por uma boa família que lhe dê comida, carinho, passeios três vezes ao dia e um lugar confortável para dormir. Mané não vai ser um cão antisocial mas vai ser invocado. Vai cheirar todas as pessoas, lamber as que gosta, rosnar e ameaçar as outras. Cachorros sabem como ninguém apartar as que são confiáveis das que não. Suas relações serão pautadas pela fidelidade e, se não for castrado, vai tentar cruzar com todas as cadelas que puder, no caso de ser uma fêmea, vai se insinuar para diversos machos. Mané sabe que sua vida vai ser curta e sabe também que não vai sentir falta do dom da fala porque os cães, assim como outros bichos, sabem falar com os olhos.21/12/2016
Essa é uma fábula sobre o ódio.Meu filho mais novo tem deficiência intelectual. Desde que nasceu nossa vida se transformou numa corrida de obstáculos, cada dia uma nova fase, cada fase um novo desafio, cada desafio uma mudança de rumo. Eu e minha mulher ficamos e estamos a postos, armas em punho, às vezes totalmente perdidos, às vezes vislumbrando pequenas veredas onde entramos, sempre tateando, sempre olhando onde vamos pisar e só depois pisando. Muitas vezes afundamos mesmo tendo tomado todo cuidado, todas as vezes nos levantamos e, até o momento, estamos seguindo em frente. Alexande, terminou o ensino médio, escreve, lê livros, usa computador com desenvoltura e trabalha. Uma das piores arestas é a sua vida social. A sociedade hoje aceita melhor os deficientes, só que não. Amigos? Namorada? Só se for entre os iguais. Uma das soluções que logramos para esse assunto foi o Grupo Chaverim e agora eu finalmente chego aonde eu queria chegar com esse post. Não vou aqui ficar falando do que faz essa ONG, quem quiser que clique no link, mas eles cuidam da vida social dos deficientes. Pois bem, o Grupo Chaverim corre o risco de acabar. As razões são as mais diversas, desde a má administração dos (parcos) recursos financeiros, passando por sonhos e devaneios de dirigentes (muito bem intencionados) e terminando com o ódio, sim ódio. A pá de cal do Grupo Chaverim, que propicia entre outras coisas atividades nos fins de semana e oficinas diversas durante a semana e que, desde sempre sofre com a falta de recursos financeiros (70% de seus membros não pagam mensalidade ou pagam parte) pode ser lançada pela justiça(?) do trabalho. Exato; dois ex funcionários movem ações contra o grupo, demandando reparações de muitos milhares de reais, dinheiro este que não existe. Eles odeiam o Grupo Chaverim. O resumo da ópera: o ódio destrói tudo. Destrói o alvo do seu ódio e destrói a você mesmo.O resultado é que o grupo a médio/curto prazo tende a acabar. Os demandantes na justiça vão ficar sem nada, os dirigentes e pais de deficientes terão o sonho destruído e talvez mais. Os deficientes, hahaha, os deficientes, nem sei o que falar deles. Já têm tão pouco, passarão a ter menos, principalmente os que, ainda por cima, têm dificuldades financeiras, condição que encurta as opções (não só de deficientes). OK!, Este era o recado. Obrigado por lerem, o Grupo Chaverim está na UTI, sinais vitais estão mantidos por hora mas ele precisa de ajuda. Se você puder ajudar, entre no site ou pergunte-me como, ou curta e compartilhe.14/12/2016
Mané acorda um pouco antes do despertador. Esta ao lado de sua mulher que dorme. Mané leu num livro que no sono as pessoas ficam sozinhas, sem ninguém. Cada qual com seus sonhos, seus devaneios, a anos-luz de tudo, mesmo daquele que dorme ao seu lado. Durante o sono é cada um por si, cada um na sua. Mané, apesar de desperto, também se sente sozinho e então resolve cutucá-la. Ela abre o olho e pergunta se já está na hora. E Mané responde que sim, está na hora!07/12/16
No metro de São Paulo existem três tipos de trens: os muito velhos, os velhos que foram reformados e os novos que estão na linha amarela. O custo para se andar em qualquer deles é o mesmo, R$ 3,80 (e zero para Mané que tem um cartão de idoso). Ocorre que, assim como a idade dos trens, as viagens neles também são distintas. Nos novos tudo parece funcionar melhor, o ambiente é silencioso, o ar é condicionado e o sistema de som, bilíngue, funciona perfeitamente, sendo claro e audível em qualquer recôndito do trem e, além disso, você pode se locomover livremente dentro da composição, ou seja, pode entrar no último vagão e andar pelo trem até o primeiro; uma coisa mágica. Nas outras linhas só existem trens velhos e muito velhos. Os velhos ainda quebram o galho, têm ar condicionado, são bem iluminados e o sistema de som funciona bem, em português, a não ser quando há eventos internacionais, quando a moça começa a falar inglês também: “next station, paraíso, transfer to green line two”. Já os trens muito velhos são calhambeques que não tem ar condicionado, não se escuta nada porque o sistema de som é ruim e porque tem ventiladores barulhentos atirando ar quente na cara das pessoas a titulo de condicionamento de ar. No alto verão, entrar num desses muito velhos é uma aventura sensorial: assim que se põe o pé dentro do trem, cola-se na pele um ar estagnado, gosmento e gorduroso, e um cheiro de milhares de fluidos corporais misturados que são furiosamente espalhados pelos barulhentos ventiladores. Então, depois de toda essa explicação, Mané questiona publicamente o PSDB, na pessoa do Geraldinho, como Mario Covas se referia carinhosamente ao atual governador, que esta no poder estadual desde o ano 2000, porque cargas d´água somos obrigados, pelo mesmo preço a nos sujeitar a essa humilhação de andar nos trens muito velhos? Mesmo pagando zero de tarifa o serviço deveria ser equânime. Fora isso Mané tinha outras coisas a perguntar a muitos membros do PSDB, mas não quer agora, neste momento tão delicado pelo qual passa a nação, jogar merda nos ventiladores do metro.05/12/2016
Em momentos de lazer, quando Mané está sozinho no parque, na rua, na fazenda ou numa casinha de sapê, Mané lê, Mané fica fuçando no iPhone e às vezes conversa. Hoje num momento de introspecção, Mané lembrou que certa vez, num passado remoto, perguntou a uma menina por quem estava apaixonado e que se dizia apaixonada por ele, o que é que tinha feito ela se apaixonar por ele e ela disse que não sabia dizer exatamente porque mas que ela achava que era porque ele tinha apertado os botões certos. Mané acha que essa foi uma das coisas mais bonitas que já ouviu na vida.18/11/2016
Chego no kilo onde almoço às vezes e encontro o dono do restaurante com cara de poucos amigos, assustado e mudo, ele que normalmente é uma pessoa afável e que gosta de conversar (até um pouco além da conta). Pergunto o que houve, faltou algum funcionário, doença na família, descobriu que a mulher esta te traindo? Nada disso, ele diz, estou mortificado com o resultado da eleição nos USA, estou com medo e o pior é que nem sei pra onde fugir. Eu já tinha notado um certo clima de histeria pela cidade e aqui no facebook também mas eu acho que as pessoas estão exagerando. Não sou direitista, também não esquerdista, aliás não sei a qual grupo pertenço e aliás ainda, acho que nem existe mais esse tipo de divisão assim como já existiu um dia. Na minha opinião, os brasileiros que estão preocupados com o Trump, deveriam se preocupar com o próprio umbigo, acho que cão que ladra não morde (pelo menos enquanto esta ladrando e o Trump ladra bastante) e mais, tomando-se como exemplo a situação no Oriente Médio, os melhores passos rumo a uma paz que nunca chega na região foram dados por políticos de direita (alguns piores também) mas o fato que nenhum, eu disse nenhum, bom resultado foi obtido por badaladíssimos políticos de esquerda, prêmios nobéis de paz e tudo. Vi postagens de brasileiros que moram nos USA afirmando que estão pensando em voltar para fugir do inverno Trumpista que se avizinha. Eu digo, voltem todos, aqui estamos muito bem, prendendo corruptos, com políticos de primeira no comando do país, a economia em franca recuperação, Lula quase preso, uma beleza. Me poupem. No momento eu só quero que o dia termine bem...09/11/2016
A moça entra na sala de Mané, e lhe faz um pergunta e aponta um problema. Mané tinha que saber a solução, mas está aéreo, com sono e não entende muito do assunto, que além de tudo era uma matéria muito chata. Mané não pode confessar que não entende nada daquilo e por isso tenta dominar a vontade de dormir e de expulsar a menina da sua frente. Então Mané fica escutando e fazendo que sim com a cabeça enquanto a garota fala por um longo tempo. De súbito ela se cala e Mané percebe que este é o momento em que deveria responder alguma coisa, mas ele não tem a mínima idéia de qual seja a pergunta e mesmo que soubesse ele tem certeza de que não saberia a resposta. A garota está parada diante dele e Mané finge pensar na resposta, mas na verdade esta tentando pensar em como fugir da situação. Mané então usa sua astúcia e pergunta à menina o que ela acha. Mané pensa ter visto uma sombra de impaciência passar por sua fronte, mas a garota diligentemente e de forma professoral começa a falar novamente e Mané se dá conta, pela entonação da voz dela, que ela esta repetindo tudo de novo, ou seja, ela tinha posto o problema e sugerido uma solução ao que Mané responde que, sim, ele tinha pensado exatamente aquilo e que ela podia ir por esse caminho. A menina agradeceu muito e saiu apressada e assim que ela lhe deu as costas, Mané ligou para o seu funcionário especialista naquilo, que estava de férias, e lhe perguntou o que achava da solução que tinham dado e ele, por sorte, afiançou o desfecho, mas observou “que estranho, eu tenho quase certeza de ter falado desse assunto com ela”, ao que Mané respondeu: “ótimo, sinal de que estamos em sintonia.”08/11/2016
Mané sempre foi preguiçoso, mas com a idade esse defeito “melhorou” muito. Quando solicitado Mané nunca refugou trabalho, pelo contrário, pelos locais onde passou sempre foi tido como uma pessoa colaborativa e que gostava de por a mão na massa e em casa, Mané vai ao mercado, lava a louça sempre e às vezes, arruma as camas. Mané teve relativo sucesso na sua vida profissional, mas acredita piamente que por causa da sua proverbial preguiça, perdeu ao longo da vida muitas oportunidades. A mulher de Mané diz que ele só sabe escrever crônicas e mini-contos porque é preguiçoso e adicionou aí um outro defeito, além de preguiçoso ela acha que Mané é imediatista, não consegue ver algo sendo construído vagarosamente, quer logo tudo pronto, portanto, nunca vai escrever um romance. Quando estava na época de namorar Mané só investia nas meninas que ele julgava já estarem “prontas” para ele. Cortejar uma moça por muito tempo dava preguiça, Mané preferia desistir. Mané teve um chefe que certa vez lhe disse que o achava muito pragmático, afirmação que Mané não sabia se tomava como elogio ou crítica, “mas como assim pragmático?”, ao que o chefe lhe responde que Mané só ia nas bolas boas e inclusive por isso tinha um índice grande de sucesso. “Mas é bom só ir nas bolas boas, certo?”, ao que o chefe respondeu, sim, mas as vezes tem coisas boas escondidas nas bolas ruins. A conversa parou aí, o chefe deixou de ser chefe pouco depois, mas lá estava a preguiça presente na vida de Mané. Bom, mas e daí? 07/11/2016
Quando chega essa época pré-aniversário, próximo do fim do ano com toda a fantasia que essa efeméride traz no seu bojo, Mané costuma ficar nostálgico e pensa nas coisas e pessoas que passaram pela sua vida, das que ainda estão e das que já se foram, seja porque morreram, porque sumiram ou porque a relação simplesmente acabou e dá aquela vontade de rever fotos, coisas escritas, enfim, aquilo que fazemos nesses momentos. Não esta sendo diferente do que foi em outros anos. Mané está nostálgico, ensimesmado e afeito a contar histórias que a mulher escuta com estoicismo e depois, disfarçadamente vai tentando redirecionar assuntos mais próximos à realidade, por exemplo, “quer ir ao cinema hoje à noite?” Mané foi ao cinema, mas a sensação não mudou, ao contrário agravou-se e Mané acha que neste ano está um pouco diferente porque antes, Mané costumava sentir nostalgia de fatos ocorridos enquanto nestes dias Mané anda sentindo nostalgia de coisas que, na verdade, não aconteceram. 06/11/2016
Mané foi o neto predileto de uma mulher que viveu em função de marido, filhos e netos mas que no fundo tinha alma rebelde. Rebelde, porém contida. Como todas as avós, ela o protegia e mimava, lhe dava de comer e lhe contava histórias em árabe e quando Mané reclamava por não entender uma parte, não lhe dava trela e o instava a prestar atenção mesmo assim e dizia que não tinha importância perder um pedaço porque as historias no final das contas, terminavam todas do mesmo jeito. Suas histórias eram turbulentas, às vezes sombrias e nunca tinham final feliz, pelo menos aquele final feliz das histórias que se contam pra crianças. Mané, que já conhecia muitas histórias, às vezes, não se conformava e a questionava: "mas porque não foram felizes para sempre?" Ela respondia sempre em árabe na esperança de que Mané não entendesse: "não se deve sempre contar com isso, meu filho, na maioria das vezes não acontece!" reloaded 05/11/2016
Num horário de verão agora longínquo nasceu certa vez a filha de Mané. Ele, que estava extasiado com a novidade, foi até o cartório pra registrar a pimpolha e teve uma discussão com o escrevente porque queria que constasse da certidão que a menina tinha nascido no horário de verão. O escrevente se recusou a fazer a observação e Mané voltou contrariado pra casa. Mané ficou pensando que, quando fizesse um mapa astral da garotinha, ele teria que ficar lembrando em aumentar/reduzir o horário do nascimento para que os astros dissessem a verdadeira verdade sobre os destinos da recém-chegada. Mané nunca fez mapa astral da filha, nem mesmo ela própria fez ou se interessou pela matéria. O horário de verão já teve mais magia do que tem hoje. Mané lembra que passava dois, três dias acertando todos os relógios e alguma confusão já aconteceu com um ou outro compromisso por conta de um que não tinha sido adiantado/atrasado. No fim do horário de verão era a mesma coisa. Hoje a magia se perdeu. Mané acordou e olhou a hora no celular tendo constatado que tudo já estava mudado. Todos os relógios que Mané usa já tinham sido alterados. Cadê a graça? 16/10/2016
Esse rapaz aí na foto é meu sogro. Claro que nesse momento específico ele não imaginava que esse parentesco aconteceria, nem eu, que talvez ainda fosse um bebezinho. Pessoas estranham quando falo que eu gosto do meu sogro (e da minha sogra também), mas, sim, eu gosto. Estaria mentindo se dissesse que o nosso relacionamento foi fácil, não foi fácil. Foi facílimo!!! Nos últimos 31, quase 32 anos, almocei com ele todos os domingos, depois sentei pra conversar uma conversa onde ele falava e eu escutava. E ele me fazia perguntas, sobre dúvidas existenciais, sobre economia, sobre mulheres e ele mesmo as respondia e eu timidamente concordava ou não, mas na maioria das vezes, sim. Seu João nunca me fez uma cobrança, apesar de que ele era um cobrador nato, ele apenas sugeria isso ou aquilo e se você não fizesse nada a respeito, ele sugeria de novo e de novo, mas o tempo não ficava ruim. Nos últimos tempos ele se tornou mais afável e mais dependente dos filhos, natural mas não perdeu o bom humor e até chegava a brincar com as suas moléstias e fraquezas. Foi um dos melhores amigos do Alexandre, meu filho que tanto precisa de amigos, e me dizia, à boca pequena, que ele, meu filho, era o mais feliz dos homens pois pouco percebia todas as "merdas" que existem no mundo e quando eu dizia que ele percebia sim, ele me olhava sério em seguida ia fazer um agrado no garoto. Seu João faleceu na semana passada de uma forma totalmente inesperada. Levou consigo a sua maior mágoa, que foi a morte prematura do seu filho primogênito que não conheci, coisa que, segundo suas palavras, ele nunca perdoaria. Seu João saiu de cena e vai deixar uma enorme cratera nas nossas vidas, domingos e feriados nunca mais serão os mesmos e eu nunca mais vou ouvir sua célebre frase: "alguém no mundo pode comer uma comida igual a minha, melhor do que a minha, nunca". Minha galeria de velhinhos queridos vai aumentando em algum lugar por aí! Aos que lhe desejam o descanso eterno ele diria, "mas quem falou que eu tava cansado?"11/10/2016
Então, quando você acha que tudo já esta organizado, os papéis verdes no montinho de papéis verdes, os azuis com os azuis, os amarelos com os amarelos, vermelhos com vermelhos, fúcsias com fúcsias, brancos com brancos, pretos com pretos, enfim, todos ordenados, cada um no seu escaninho, quando você pensa que você vai finalmente poder seguir adiante e em paz...vem uma ventania e embaralha todos os papéis de novo. 07/10/2016
Mané precisa confessar que hoje teve uma idéia genial. Resolveu assim, em pouquíssimo tempo, um problema que poderia se tornar bem grande, com ônus para a pessoa atingida e para si próprio. O ocorrido não vem ao caso. Foi um início de tarde auspicioso e depois dos cumprimentos e comemorações de praxe, Mané sentou na sua sala para colocar a mente em ordem e no final desse processo, percebeu que ao invés de satisfeito com a resolução do problema, tinha na verdade ficado chateado. E qual a razão da contrariedade? Foi porque Mané percebeu que, ao ser atirado no meio daquele problema, Mané se arrepiou porque aquilo era a única coisa que ele não queria e para se livrar rapidamente do pepino, Mané utilizou todos os 10% do volume utilizável do seu cérebro para resolver a pendenga. Mané foi extremamente egoísta e só se preocupou com seu próprio umbigo para extirpar aquele caruncho que se instalou na sua cabeça. Mané se deprimiu porque em nenhum momento se preocupou de verdade com a pessoa atingida e sim consigo próprio: "tirar da frente aquele balão de São João que tinha caído na sua mesa, imediatamente", e, para isso, Mané teve uma idéia genial e resolveu o problema de forma meteórica e assertiva. É isso, então, o ser humano só trabalha em causa própria, mesmo que no caminho uns e outros sejam beneficiados. Triste!14/09/2016
Mané mudou um pouco a decoração do quarto a fim de ter um canto pra ler La dentro, antes a opção no quarto era ficar recostado nos travesseiros da cama o que acabava dando sono. Na sala, onde é o melhor lugar sempre acontece muita coisa e a leitura acabava ficando entrecortada. O fato é que Mané herdou uma “bergere” da vovó Fani, de sagrada memória, falecida recentemente e foi essa poltrona que ele colocou ali no quarto. Muito confortável sem dúvida, ideal pra ficar lendo por horas a fio recebendo apensa a visita do cachorro que vem de tempos em tempos para ver, afinal de contas, o que se passa lá. Ele vem, senta, fica encarando, Mané faz uns cafunés sem desviar os olhos do livro e depois ele sai. Depois, Mané sentiu falta de um pedestal daqueles que ilumina a leitura por cima da cabeça e no sábado, na casa da sua mãe, deparou-se com a luminária que era usada pelo pai, também de sagrada memória. Mané enfiou o plug na tomada, torceu o botãozinho e “voilá”, a luz acendeu. Mané então convenceu a sua mãe a lhe entregar mais esta parte da herança ao que ela aquiesceu e Mané voltou pra casa com a sua luminária. Mané inaugurou o conjunto todo agorinha ainda há pouco, enquanto aguarda para jantar. Quarto escuro, silêncio, poltrona confortável, livro bom, cachorro encarando, luz bem acima da cabeça, que mais Mané pode desejar? Mané agora vai ler no colo da Dona Fani e iluminado pelo pai. 12/09/2016
Quando Mané era pequeno, gostava de entrar na cozinha da mãe após a função e verificar que estava tudo limpo e sequinho, os pratos meticulosamente arrumados no escorredor ao lado de copos, talheres e etc., e, estando tudo arrumadinho ele pegava um copo, enchia de água mesmo sem ter sede, tomava um golinho e o devolvia à pia imaculada, deixando-o ali a repousar. Isso durou até a sua saída da casa dos pais aos 29 anos. Se a pia estava revirada, Mané não gostava de entrar na cozinha, quando tudo arrumado ele ia lá, tomava sua água ou sujava um pratinho com alguma coisa naquele ambiente silencioso que toma as cozinhas arrumadas e saia sorrateiro deixando o seu rastro. No ano em que passou num Kibutz em Israel, no final do dia de trabalho, Mané se juntava às meninas da cozinha para fazer a limpeza do final do dia. Era uma cozinha imensa, dezenas de utensílios e coisas, no verão todos ficavam encharcados ao final da limpeza e Mané gostava sobretudo dos arremates finais, a água sendo puxada vigorosamente pelos rodos e depois, o apagamento das luzes e a brilhante e silenciosa limpeza que tomava conta do lugar. Nos finais de semana ou quando a auxiliar de serviços gerais falta, na casa atual de Mané, a limpeza da cozinha fica por sua conta. E ele faz com prazer. Depois, quando tudo já ficou do jeito que ele gosta, Mané fica prestando atenção porque em poucos minutos, sua mulher vai lá, pega um copinho no escorredor, verte pra dentro uns dedos de café, pega um colherzinha e um saquinho de adoçante, mexe vigorosamente e toma o liquido escuro. Depois deixa tudo na pia. Daqui a pouco o menino vai lá e deixa um guardanapo jogado depois de ter comido algo e limpado a boca, ou a menina que acorda faminta e vai instalando os apetrechos necessários para comer, forninho, torradeira, prato, faca, garfo, copo...Mané volta quase feliz pra cozinha e constata que a casa esta cheia e que daqui a pouco vai ter louça pra lavar. 11/09/2016
Al Capone, notório criminoso da pior espécie, que tinha em sua ficha assassinatos, prostituição, tráfico de drogas entre outros, foi preso e condenado por uma singela sonegação ao imposto de renda. Vamos colocar as coisas na sua devida proporção. Talvez Dilma seja inocente, mas os que a cercam e aquilo e aqueles que ela representa não o são. Enquanto ficamos nos pegando aqui no facebook, eles, os ferrenhos inimigos de anteontem, já estão fazendo seus conchavos. Sejamos menos naives, Temer é tão ruim ou pior que Dilma, ambos foram ali colocados pelo PT. Seja menos palhaço, pare de defender essa ou aquela versão, pare de chamar o seu amigo de golpista e que ele não te responda "tchau querida". Trate de defender a si próprio, se puder. Ou então foda-se. 02/09/2016
Nessa sexta faleceu a sogra da minha irmã, D. Fani, D. Faiga, D. Feiga, isso nunca ficou muito esclarecido até hoje. Como minha irmã e meu cunhado namoram desde que são crianças, conheci D. Fani quando era muito criança. No enterro falou-se sobre ela, sobre a família que ela bravamente criou, aquilo que se fala sobre os mortos, tudo verdade, tudo muito pouco do que se pode falar sobre ela. Pode parecer estranho eu ficar aqui tecendo loas para a sogra da minha irmã, mas é claro que ela não foi só isso para nós. Pra começar D. Fani nasceu num dia 15/11, 33 anos antes do meu próprio nascimento em 15/11/1955. Meu relacionamento com ela começou num dia de chuva, quando eu voltava do Renascença já meio ensopado e tive a ideia de subir no apto onde eles moravam, na frente do Jardim da Luz, pra pedir um guarda chuva emprestado. Ela, que de mim só sabia ser o irmãozinho da namorada do filho, emprestou-me o guarda chuva não sem antes me secar e me oferecer alguma coisa pra comer e, na saída, exigiu que eu não esquecesse de lhe devolver o artefato assim que possível. Assim era a D. Fani. Além de acolhedora e generosa, era dona de uma sinceridade dolorida e até o fim da vida “infernizou” a todos com seus “tiros certeiros” e seus “aces” devastadores. D. Fani adorava a vida, ela falou isso pra mim e pra minha mulher muitas vezes quando convivemos em Atibaia e nos jantares de sexta feira na casa da minha irmã. Nunca posou de vítima, apesar dos muitos reveses da vida, preferia ficar com as suas vitórias. Topava qualquer programa, interessava-se por tudo, de política a culinária, de viagens a literatura, uma auto didata que sabia falar difícil tendo estudado pouco em escolas regulares. Nas animadas partidas de tranca, achava que éramos desanimados quando queríamos parar de jogar, ela que adorava varar as noites com as cartas na mão. D. Fani me apresentou à melhor torta de ricota que já comi na minha vida, sempre que produzia a iguaria, se eu não estivesse presente, mandava um pedaço pela minha irmã, não falhava. D. Fani sempre me pareceu uma mulher severa e forte e assim permaneceu até o fim, mesmo quando já, atrapalhada pela surdez, permanecia alheia às conversas. Mas, ás vezes, saia do seu mutismo e protestava perguntado afinal do que falávamos e quando explicávamos, ela nos surpreendia com alguma opinião ferina a respeito, sempre ligada, sempre esperta. Só tem uma coisa que D. Fani não conseguiu entender: o porque do motorista do Uber nunca lhe cobrar a corrida!! D. Fani vai deixar um buraco, mais um buraco, e vai se perfilar na minha constelação de velhinhos que eu adorava e que foram embora nos últimos tempos. D. Fani era minha gêmea, nascemos no mesmo dia e, na vida, só conheço uma mulher melhor que ela, mas não por ser melhor, e sim por ser minha: minha mãe é claro. 29/8/2016
É preciso ter cuidado ao dar livros de presente. Nem sempre conhecemos o gosto da pessoa ou, no caso de um leitor inveterado, se ele já leu o livro. A pessoa cheia de boas intenções se anima, compra o livro e escreve uma dedicatória emocionada, arruinando assim a possibilidade de troca. Num sebo, peguei na estante um livro que eu nunca compraria, "o vendedor de historias", do mesmo autor de "o mundo se Sofia". Abro o livro e vejo alguém dedicando o livro e a sua vida para uma garota chamada Mariana. Quase choro de emoção (e de pena) do sujeito cuja dedicatória foi parar numa empoeirada prateleira de um sebo. Prestando mais atenção, na escuridão da loja, vejo, em letras miudinhas no final da página da dedicatória, uma pequena observação que dizia: "olá sou a Mariana, nada deu certo pra nós, vendi essa merda de livro e aquele outro da tal de Sofia por dois reais cada e esse foi o fim de tudo". 28/8/2016
Depois do auspicioso final de semana, Mané acordou nesta segunda feira achando que de agora em diante tudo ia dar certo, que os ventos enfunariam as velas da boa sorte e que, daqui pra frente tudo ia ser diferente e a vida seria definitivamente bela. No entanto, mal tinha começado o dia, Mané notou que tudo continuava na mesma, nada tinha mudado. Ao contrário, Mané percebeu que adquirir um iPhone 6S de 64GB, além de não ter mudado o rumo das coisas, o tinha deixado consideravelmente mais pobre.15/08/2016
Mané gosta de ler. Não passa um dia sem ler, no banheiro, no taxi, no metro, no trabalho e em casa. Quem ensinou Mané a ler foi o pai dele, que passou os últimos sete anos da vida com um lado do corpo inerte, mas com a cabeça funcionando a mil por hora até o último minuto. O pai de Mané não se entediava e nem se vitimizava diante da sua condição. Certo dia, convidado a dar um passeio, que era sempre uma operação de guerra com cadeira de rodas, bengalas e andadores, disse que não poderia ir porque estava com a "agenda cheia" e Mané, curioso por saber o teor daquela agenda, questionou o pai e este lhe respondeu que depois de ler o jornal, ele iria viajar estudar e se divertir e, com a mão boa apontou três livros que o esperavam no criado mudo ao lado. Certamente o pai de Mané lhe ensinou muito mais coisas, mas, com o passar do tempo, Mané só consegue se lembrar do amor aos livros. E isso lhe parece mais que suficiente. 01/07/2016
Para não encompridar muito essa história que Mané nos conta desde anteontem, ele tem a dizer que diante do quadro que se ofereceu, fez o que já vinha fazendo: nada! O mês de março passou e Mané recebia notícias dela o tempo todo: está namorando, brigou com o namorado, arrumou um emprego, enfim. Mané a via com certa frequência e optou por adotar uma postura superior, cumprimentava-a com afabilidade e era correspondido, mas mantinha certa distancia, aquela distancia que se mantém para evitar novos dissabores. Evitava dissabores mas também deixava Mané paralisado em estado de total catatonia, só o cheque surrupiado em dezembro é que continuava gritando ali dentro da carteira. Durante o mês de março e em parte do mês de abril, Mané não trocou mais de uma dúzia de palavras quase protocolares com ela, mas percebeu que havia uma troca de olhares um pouco diferenciados, ou estaria enganado? Mané não tinha se recuperado do trauma do final do verão e não estava disposto a se arriscar novamente e assim seguia na sua política de neutralidade, sem graça e sem dor. Em meados de abril de 1983, quis o destino que ambos se vissem numa situação em que acabaram ficando sozinhos, ela sem condução, ele de moto. “Quer uma carona”?, Mané perorou. Ela, por sorte, queria. “Mas eu estou de moto”. “Moto?” “Sim, moto”! “Ah, tudo bem, faz tempo que não ando de moto, você tem capacete pra mim”? Mané disse que não tinha capacete nem pra ele, mesmo assim ela montou na moto e agarrou Mané por trás muito bem apertadinho, Mané julgou que muito mais que o necessário, encostou o rosto nas suas costas e colocou as mãos nos bolso da jaqueta dele, já fazia friozinho em abril. E assim singraram pelas ruas ensolaradas de uma São Paulo que ficou bonita de repente, cada vez que Mané acelerava, ela o apertava um pouco mais e assim chegaram sem nenhum incidente até a casa dela. Ela fez sinal ao porteiro e Mané adentrou com a moto na garagem e estacionou assim perto do elevador. Ela desceu da garupa e agradeceu a carona, oscularam-se na face e ela deu dois passos pra trás quando Mané percebeu certa hesitação. Depois de poucos segundos ela andou de volta os dois passos que tinha retrocedido, colocou uma das mãos no guidão da moto e a outra espalmada na coxa de Mané. Mané sentiu um leve tremor, mas não deu nenhuma demonstração de descontrole. Ela olhou nos olhos dele e disse: “você tem alguma coisa pra me dizer e esta tentando fazer isso há meses, nós nos vimos um monte de vezes e você não fala nada, só fica olhando”! E Mané: “eu?” “Sim, olha, vamos deixar de rodeios, me explica logo aquela história do cheque que você roubou em dezembro”!14/06/2016.
Ainda com relação ao post anterior, Mané não quer dar a entender que tudo se resolveu lepidamente, que no dia seguinte, ele tirou o cheque subtraído da carteira e discou o número da moça (sim se discava o número do telefone) e que eles se encontraram e que tudo se revelou e que viveram felizes para sempre. O que de fato aconteceu pode ser resumido em apenas uma palavra: “nada!” Ou melhor, aconteceu que aquele cheque que Mané surrupiou da mesa e embolsou, se transformou na primeira conta que Mané viria a pagar para sua esposa, não que em diversas oportunidades eles não tivessem dividido contas ou em outras até mesmo ela ter assumido as despesas, afinal, tratava-se de um casal moderno. Mas voltando aos fatos, eis que o mês de dezembro terminou, entrou janeiro de 1983 e com ele as férias e cada um foi para um lado e a verdade é que não se falou mais no assunto, mesmo que Mané sentisse permanentemente a presença daquele cheque na sua carteira. Eis ainda que as férias acabaram, que chegou o mês de fevereiro e com ele a festa de aniversário de uma amiga comum. Pleno verão, Mané estava tomando cerveja gelada sem se importar que fosse noite, que estivesse de moto e ainda por cima sem capacete, as coisas eram assim no passado. Lá pelas tantas a porta se abre e eis que ela surge esplendorosa, vestida de branco e queimada de sol. O coração de Mané chegou a fibrilar, mas ele resistiu e tomou a decisão de que a revelação não passaria daquela noite. Na primeira oportunidade, Mané sentou-se ao seu lado e abriu uma conversa fiada, mas ele sabia que ela sabia que ele não estava falando coisa com coisa, apenas olhando sem conseguir desviar para as marquinhas de biquíni que se viam por baixo e por entre a blusinha leve que ela usava, quando ele resolveu dar a sua grande cartada: “você percebeu que o saldo da sua conta bancária esta maior do que deveria estar?” “conta bancária”? “sim, saldo em banco, você deve ter XX cruzeiros a mais na sua conta!” “Minha conta, sei lá, não vejo o meu saldo no banco desde dezembro, por quê?” Mané ficou desconcertado e apenas disse: “Ah!” Nisso ela pediu licença dizendo que ia ao banheiro e já voltava e Mané ficou ali esperando, mas ela não voltou, ao contrário, pouco depois saiu de braço dado com um sujeitinho e Mané ficou ali sem saber o que fazer com o coração partido. 13/06/2016
Por falar em dia dos namorados Mané remexendo em algumas coisas velhas encontrou um cheque emitido pela esposa em dezembro de 1982. Na noite da emissão daquele cheque Mané estava num bar perto da PUC comemorando a formatura de um amigo e na mesma mesa se encontrava aquela com quem ele viria a se casar dali a exatos dois anos, a emissora do cheque. Eles não se conheciam ainda, mas naquela noite Mané ficou de olho nela e planejava pedir ao amigo que lhe facilitasse o acesso àquela moça, já que eram colegas. Mané passou a maior parte da noite matutando como faria a abordagem, pois, pelo menos aparentemente, ela não tinha se dado conta da existência dele. Já quase no final da tertúlia, Mané que é uma pessoa tímida e pouco afeita a arrebatamentos, não tinha avançado nem um centímetro no seu plano de aproximação quando a moça começa a recolher seus pertences para se retirar. Em desespero, Mané procura sem descanso uma solução quando vê que a menina esta preenchendo um cheque, colocando no verso caprichosamente o seu telefone e jogando, displicentemente, o cheque no meio da mesa, a título de pagamento de sua parte na noitada. Olhando para os lados disfarçadamente, Mané então recolhe o cheque da moça e diligentemente o coloca no bolso e em seguida preenche um cheque de sua própria lavra com o dobro do valor e poucos minutos depois se retira com o seu amigo. Naquela noite ao pespegar um beijo de despedida na bochecha de sua futura esposa, assim como fez com todas as outras meninas que estavam na mesa, Mané aspirou profundamente o perfume que vinha dela e teve certeza que em poucos dias iria utilizar o telefone que estava no verso daquele cheque aninhado no seu bolso. A título de registro, Mané enfatiza que nunca depositou aquele cheque e que sua mulher também nunca percebeu o saldo a mais na conta. 12/06/2016
Despertador de Mané tocou as 6 hoje cedo. Levanta, faz as coisas, coloca um short, duas camisetas e um agasalho, meia e tênis, e segue rumo ao Vila Lobos pra fazer exercício. No parque enregelado pergunta-se diversas vezes que diabo está fazendo ali, por mais que se mexa o corpo não esquenta. Trânsito, padaria, café da manhã, sai pra levar o cão tomar banho. A essa altura do dia já andou uns 6km, o frio continua mas o dia está longe de acabar. Cãozinho de volta pra casa, 800 metros para o metrô com baldeação, mais 900 metros até o escritório aonde chega praticamente na hora do almoço. Telefone, contador, presidente, fome e mais frio. Almoço pra constar, computador, conversa com um, uma olhadinha na obra do almoxarifado, cafézinho, água, duas pequenas reuniões. No fim da tarde muito trânsito, a esposa nas imediações então a volta é de carro. Lá pelas 6, doze horas depois de acordar, de novo na rua com o cachorro, xixi, cocô e frio. Recheia os pasteizinhos, janta, banho, pijama, roupão de inverno na frente da TV sem assistir nada. Mané deduz que você percebe que está ficando velho quando às 6 da manhã, um minuto depois de acordar, já esta pensando no momento eternizado nesta foto. (segue foto sentado de roupão na cadeira vermelha) 09/06/2016
A esposa de Mané se tornou, por hobby, livreira. Montou um sebo virtual e sai por aí caçando livros para vender. Já esta conhecida nos bazares da região e no prédio, o faxineiro da tarde sempre encontra material descartado para lhe oferecer, que ela compra por lote. Acontece que como a coisa é feita mais por amor aos livros do que por comércio, ela tem se apegado ao estoque e muitas vezes sente pena de vender determinado livro, ou por ser uma preciosidade, ou porque ela imagina que vai gostar do enredo, ou por qualquer outra razão. Quando alguém faz a compra de um livro ela tem um prazo, que normalmente é curto, para postá-lo ao seu destino. Daí ela desenvolveu um método, que a princípio Mané duvida da eficácia, de ler o livro reservado naqueles dois dias que ela tem para mandar. E foi assim que no café da manhã ela disparou: “sabe aquele livro X que você gostou muito e me disse pra ler, pois é, foi vendido”. “Puts que pena, vou comprar um para você ler, então”. Ao que ela responde: “não precisa, eu li”. “ah, você já tinha lido?”. “Não eu li de ontem pra hoje”. Mané duvidou, o livro tem 450 páginas. “É assim: eu leio o primeiro capítulo pra entrar no clima, depois vou lendo pequenos pedaços dos outros capítulos e depois eu leio os dois capítulos finais”. “Ah, mas você não entendeu nada do livro”. E para provar que tinha entendido, ela contou a história de ponta a ponta e do que Mané lembrava, julgou que ela tinha tido uma compreensão razoável do enredo, tendo perdido apenas alguns detalhes. Ainda sem querer dar o braço a torcer, Mané começou a rebuscar detalhes da história e, claro, estes lhe tinham escapado. Depois ficaram em silêncio. Depois Mané elogiou o método de leitura dela, que multiplica a capacidade de ler livros. Depois pensou, mas não falou nada que, para mergulhar num livro, que é o mesmo que mergulhar numa outra vida que não a sua, não se devem perder os detalhes, são eles que explicam porque e como as coisas chegam a algum lugar. Mas Mané não vai podar a iniciativa da esposa. Depois levantou da mesa.08/08/2016
Houve época em que Mané chegou a achar que a vida seria um caminho para a realização de seus sonhos, caminho este cheio de percalços, com certeza, mas atapetado por uma felicidade tranquila e perene. A própria vida tratou de lhe mostrar que a realidade é outra e que a vida na verdade é ir comprar pão fresco na padaria e tirar as coisas da geladeira para o café da manhã. A vida é conferir o saldo do banco e levar o lixo pra fora. A vida é andar de metrô e pegar trânsito nos dias de chuva. A vida é ser chefe e subalterno, é conhecer gente e deixar pra trás pessoas que você gosta. A vida é discutir com a mulher por causa da comida fria e depois ter um momento de ternura e cumplicidade com ela. Vida é vibrar com os bons momentos dos filhos e sofrer com seus embaraços. Vida é contrariar outras pessoas e engolir contrariedades que lhe causam. Mais recentemente a vida propiciou a Mané o facebook onde as pessoas são quase sempre boas, muito felizes e muito mais corajosas, mas também trouxe de arrasto a queda do sinal da internet e os vírus de computador, duas coisas que podem acabar com a sua vida. Mané ainda não entendeu a vida, nem vai! Ninguém vai.07/06/2016
Imaginem que Mané se encontra num cruzamento de duas daquelas ruinhas da Vila Madalena onde passam carros nos dois sentidos, tem carros estacionados dos dois lados e onde, ainda por cima, circulam por ali diversas linhas de ônibus. Imaginem que estamos num sábado á tarde, momento propício para o lazer ou para adiantar alguns assuntos daqueles que te aprisionam perpetuamente, fazer um supermercado, comprar um presentinho, levar alguém pra algum lugar ou fazer uma visitinha pra algum parente doente. Imaginem que Mané já fez tudo isso e que no momento só anseia voltar pra casa e deitar na cama com...um bom livro, aquele que ficou interrompido antes de se iniciar a saga sabática vespertina. Mané está a 50 metros da garagem do seu prédio, pra onde ele olha há carros, há gente tentando atravessar a rua, há ônibus tentando virar a esquina sem tomar de roldão aqueles carros que ficaram estacionados na esquina. Chove, as pessoas buzinam dentro dos carros, não parece haver solução para o nó. A passo de cágado, o carro de Mané é o segundo na fila do farol e este aguarda ao volante a ponto de explodir. O farol abre, o carro da frente passa, o farol fecha. Mané tem que virar à esquerda quando abrir o farol. A fila na mão oposta onde está Mané esta parada faz tempo. Mané espera que quando o farol abrir os caras não avancem, caso contrário fecharão o cruzamento e Mané não poderá entrar à esquerda e alcançar seu prédio que esta ali a 50 metros. O farol abre, Mané pisa no acelerador e esterça mas tem a sua passagem interrompida quando o primeiro carro da fila do outro lado acelera mais rápido, para no meio do cruzamento e interrompe o fluxo de carros em toda as direções. O cara percebe a merda que fez e pede pra Mané da ré para ele poder manobrar, mas Mané não tem uma alma nobre. Mané olha pra ele e lhe diz “foda-se” e coloca o carro na posição P e olha para o outro lado no aguardo dos acontecimentos. O desafeto se desespera e tenta manobrar o carro e a cada movimento se enrola mais e o ambiente no cruzamento começa a ficar explosivo. O cara fica completamente cercado e torto na rua, provavelmente nunca mais vai poder sair de lá. Quando o farol abre e o cara não podendo mais se mexer, Mané da uma rézinha e escapole feito um poltrão deixando pra trás muita ira e indignação. Dentro do carro, a esposa de Mané lhe lança olhares de reprovação, mas não fala nada. Talvez voltem a falar sobre isso quando o ambiente desanuviar. Ou não! 05/06/2016
Mané esta ressabiado com a deterioração pela qual passa seu esqueleto, mas mesmo assim frequenta diligentemente as tediosas sessões de fisioterapia. Exercícios e conversa repetitiva, Mané só quer que o tempo passe logo para poder ir embora com a sensação de dever cumprido. Mané não suporta conversar com o fisioterapeuta, que passa o tempo dando lições de anatomia, muito menos com os outros três estropiados que frequentam o ateliê no mesmo horário. Contudo, tanto o profissional do corpo, quanto os outros pacientes elegem Mané para torturar, o primeiro corrigindo os movimentos de Mané incessantemente e justificando cada ordem com uma descrição detalhada das funções daquele osso/cartilagem/músculo. Quando Mané é finalmente deixado à própria sorte, a jovem que tem uma cicatriz no joelho lhe diz: “ombro, é?” Mané demora um átimo para perceber que a moça fala com ele e responde: “é”! “o meu é problema no joelho, rompi os ligamentos colateral medial e o cruzado anterior”! Mané acena com a cabeça imaginado em que momento ele teria perguntado à moça qual era o problema dela, e se afasta disfarçadamente, mas vai parar ao lado de uma velhinha que sorri: “o meu também é problema no ombro. No ombro e no punho, por Jesus, sofro penosamente todo dia e toda noite”! Mané sente vontade de dizer que é judeu, mas opta por se calar e dá um sorriso que deve ter parecido uma carranca, pois a velhinha não diz mais nada. O terceiro participante se aproxima e diz que “problema no ombro, joelho e punho é moleza”, que ele desafia qualquer um de nós a enfrentar, como ele, a dor no ciático, a escoliose e a lombalgia. Todos riem, quase gargalham cada um se jactando da própria dor. Mané se afasta a ponto de vomitar. Avisa ao fisio que terminou as séries, que o cumprimenta como se fossem velhos amigos e recomenda: “nada de sentar torto no sofá, hein, faça os exercícios do pescoço em casa e lembre-se de alongar o ombro quando acordar, até sexta”! e se dirige à recepção. A mocinha lhe pergunta para quando quer marcar a próxima sessão e Mané pensa: para nunca talvez? "Sexta, por favor, mesmo horário"!02/06/2016
Mané está numa daquelas lojas grandes onde se pega a mercadoria, experimenta e leva sem ninguém falar com você. Por um lado é bom, você não é obrigado a aturar o vendedor, por outro vice fica meio perdido. Tudo bem, Mané pega o que queria, faz o filho experimentar ali no meio do salão e satisfeito se dirige ao caixa. Chegando lá, Mané se depara com uma fila de pelo menos 25 pessoas e se posta no final praguejando contra sua ideia de girico. Depois de algum tempo Mané está a ponto de desistir, quando vê ali do lado um plaquinha indicando a fila preferencial. Mané hesita mas, a dormência dos caixas o faz decidir e, intrépido, ele sai da fila e vai para o corredorzinho dos velhos. Em menos de 2 minutos Mané está fora da loja, ufanando-se da sua novíssima condição de velho. Lá dentro os jovens na fila de espera espicham seu olho invejoso para Mané que se afasta gargalhando satisfeito. Hahahahaha! 26/05/2016
Mané sai de casa no final da tarde deste feriado para passear o cão. Tudo esta calmo e silencioso na Vila Madalena, pouquíssimos carros passam pelas ruas, tem pessoas sentadas na padaria e uma multidão na porta daquele boteco bebendo cerveja. Ouvem-se sons de televisão, bochichos de multidão, algumas risadas, copos se chocando e sente-se um cheiro de álcool no ar. Na praça, ao escurecer, pais se apressam com suas crianças pra casa, namorados se agarram encarapitados em bancos de cimento, uma banda toca um sambinha lá longe, por sorte quase não da pra ouvir. Milu faz seu xixi e seu cocô, cheira todos os cantos e late pra os outros cachorros, menos para aquele grandalhão. As luzes vão acendendo, as ruas estão em paz, as pessoas estão relaxadas e a sensação é de que a tormenta já vai longe. O tempo pode parar, não preciso de mais nada nem quero enfrentar o que esta por vir. 21/04/2016
Nos últimos anos Mané se cuidou. No último check-up apresentou resultados de exames de adolescente. Colesterol, triglicérides, glicemia, pcr, tireoglobulinas, bilirrubinas,ureia, transaminases, testosterona, antígeno prostático e carcinoembriônico, coração, pressão, tudo na mais perfeita ordem, lindo demais, só festa, vamos pro abraço.
Só que não! No horizonte à vista três grande problemas: próstata grande (idade, sabe como é, né? um remedinho todo dia por enquanto resolve), catarata (idade, sabe como é, né? um controle a cada 6 meses por enquanto resolve), artrose no ombro (idade, sabe como é, né? um remedinho e uma fisioterapia resolve por enquanto), fora alguma novidade que pode advir. Eu lá quero saber de empessegamento. 16/04/2016
Mané passou pelo caixa todos os itens do carrinho, só falta um, o pacote de peito de frango. Mané pegou na gôndola a mercadoria que pingava uma agua sanguinolenta e ficou com um pouco de nojo mas como a patroa tinha encomendado, enfiou o frango numa bolsa de plástico e lá estava ele no caixa, tendo sobrado só o frango e Mané passa a coisa pra moça e ela passa a coisa pelo leitor ótico e o leitor ótico não lê o código. Cria-se um impasse a moça chama um estafeta ele vai até o fundo, troca a etiqueta e a moça passa o produto e novamente o leitor não reconhece e Mané, que já está de saco cheio da situação demorada e do frango, resolve desistir de levar aqueles pedaços de galinha morta e o gerente vem e insiste em tentar mais uma vez e a coisa não passa de novo e Mané manda a caixa fechar a conta e sai do mercado sem o frango. Chegando em casa a mulher dá pela falta do produto e Mané que no momento está muito politizado põe as mãos em concha na boca e responde: "não vai ter frango", "não vai ter frango", "não vai ter golpe"...ops.27/03/2016
Depressão numa visão crua: deprimir é quando se rompem amarras que te obrigam a fazer coisas que você não gosta no dia a dia. As cordas arrebentam, você não se responsabiliza mais por essas coisas, ou seja, liga o botão do foda-se da pior maneira, você para de fazer tudo aquilo não gostava e o que gostava também.
Depressão numa visão mais poética: imagina que falem que o bacana da vida é colecionar livros. Você então começa a coleciona-los compulsivamente. Um dia a sua biblioteca fica insuportavelmente cheia e desaba na sua cabeça e então você é obrigado a rearrumar tudo, jogar fora o que você comprou sem querer, guardar aquilo que realmente gosta e não acreditar mais quando te disserem que a única coisa boa da vida é comprar livros.
Uma arma pra fugir da depressão: saber ligar o botão do foda-se antes que ele ligue à sua revelia.
Ninguém precisa me agradecer pela dica. 19/03/2016
Hoje cedo Mané foi fazer uns exames e diante da maquininha de senhas deparou-se com as opções de "exames sem agendamento" e "atendimento prioritário", entre outras de somenos. Mané ficou na dúvida, ainda fresco nesta matéria de ser legalmente idoso. Então Mané apertou a primeira e conferiu o numero que estava sendo atendido naquele momento percebendo que tinha dez pessoas na sua frente. Mané olhou de soslaio para ver se não estavam olhando e discretamente apertou também a opção prioritária e deu-se conta, satisfeito, que naquela opção, diante dele só havia cinco pessoas. Procurou uma poltrona confortável, abriu o livro que esta lendo, "um homem chamado Ove" de Fredrik Backman, cuja temática discorre sobre um velho muito parecido com Mané. Quando soava a campainha Mané conferia o número chamado e causou-lhe espécie o fato de a fila dos jovens estar andando mais rápido que a dos velhos. Mas azar, a poltrona estava boa, ele tinha duas senhas e um bom livro para ler, o resto que se fodesse. Eis que chegou a vez de Mané pelo caminho dos jovens e ele se dirigiu a contragosto para a atendente já que o momento do livro estava bom. Na frente da moça Mané colocou seus documentos, o pedido médico e a duas senhas ao que a moça lhe questionou se eram dele e quando Mané se viu pego com a boca na botija, pensou depressa e disse que não, a senha prioritária era para a sua mãe, e apontou para uma das inúmeras velhinhas que estavam sentadas na espera. A moça então lhe disse que "então estão chamando a senha dela" ao que Mané, reagindo rápido novamente, levantou-se, e se dirigiu à velhinha que havia antes apontado e falou: mãe estão chamando sua senha, e enfiou a senha prioritária dele na mão dela. E a velhinha: "obrigada meu filho, estava distraída aqui". Mané voltou para a mesa e encarou a mocinha nos olhos que lhe devolveu o olhar. Pouco depois, ela sorriu e disse: "ela não é sua mãe, certo"? Ao que Mané respondeu: "moça, tenho um exame de urina pra fazer e minha bexiga esta cheia, você pode se apressar"? 15/03/2016
O ombro de Mané estragou, “de ruim”, como diria a filha dele, “verschlechtert”, como diria a Dona Faiga. Depois de ter dado um mau jeitozinho de nada, Mané acorda com uma indizível dor no ombro esquerdo como se nele estivesse enfiada uma faca. Passar desodorante e vestir uma camiseta tornaram-se operações de alto risco, movimentos repletos de sofrimento e dor. Lavar o sovaco no banho também ficou quase impossível. Depois de dois dias reclamando Mané resolve ir ao médico que demora mais dois dias para atendê-lo. Mané não consegue içar a mochila com o braço esquerdo, não consegue esterçar o volante e também não consegue se segurar nas barras do metrô. No consultório o médico manuseia o braço de Mané e provoca dores mais horríveis do que as que Mané já sentia. Mané reclama e o médico sorri dizendo que assim ele pode diagnosticar melhor. Mané não tem certeza, mas o médico denota prazer no olhar a cada gemido de Mané. O médico senta após o exame e diz pra Mané que ele pode estar com uma lesão em um dos "manguitos rotadores", nome fofinho para os ligamentos do ombro. Pra saber a extensão do dano, só com uma REMA, aquele exame em que você fica duas horas dentro de uma máquina ouvindo barulhos e tendo claustrofobia. Mané pergunta se há a possibilidade de poupá-lo do exame e o médico mais uma vez sorri de forma maquiavélica e diz que só se Mané quiser arriscar um diagnóstico errado, hahahahaha! E quais as perspectivas, pergunta Mané num misto de ansiedade e ódio. Bem, diz o doutor, se a lesão for total, ou seja, se houver um rompimento do ligamento, a solução é cirúrgica, 45 dias imobilizado, 60 dias de fisioterapia em seis meses você pode lutar box de novo, hahahahaha! E continuou: mas se a lesão for parcial, um remedinho e fisioterapia devem resolver, ou adiar, o problema, você ainda é jovem. Aliás, vou te dar um remedinho já e você vai tomar até o dia de fazer o exame e no retorno vai me dizer se o remedinho fez efeito, isso já será um grande indicativo, se o remedinho fizer efeito o prognostico pode ser melhor, se não...hahahaha! Mané marcou a REMA, comprou o remedinho e já tomou duas das nove bolinhas prescritas. Hoje de manhã Mané sentiu que o remedinho está fazendo efeito, hahahahahah! 04/02/2016
Mané confessou que mentiu ontem quando contou sobre a família no metrô. A verdade é que Mané chegou à estação e realmente viu aquela família estabanada com a qual antipatizou de imediato. A mãe de verdade dirigiu-se a ele para pedir informação, mas antes que ela se achegasse, Mané desviou e de pronto adentrou ao vagão, abriu seu livro e esqueceu o assunto. Ocorre que, chegando à estação Anhangabaú, na catraca, Mané revê a família em desespero, a filha mais velha do lado de fora e os outros do lado de dentro, todos suando e gesticulando, a mãe xingando a filha de lesa por ter saído e a filha chorando por não saber o que fazer pelo fato de a mãe não ter dinheiro para colocá-la para dentro. Foi aí que Mané, manobrando com maestria, saiu pela catraca, postou-se atrás da moça desesperada que estava do lado de fora, sacou seu bilhete único de idoso encostando-o na leitora e quando a catraca abriu, Mané empurrou a infeliz para dentro. E depois lhes virou as costas e se foi célere para o seu destino. Esta é a expressão da verdade. 03/02/2016
Mané chega ao metrô e se depara com uma família, mãe e três filhos, digamos de 16, 12 e 8 anos. Muito atrapalhados, todos suando e falando alto, nitidamente perdidos. Mané tenta evitar o contato, mas a mãe se aproxima e pede uma informação, quando Mané se dá conta de que eles vão para o mesmo lugar que ele, pelo menos até certo ponto. Mané então se propõe a acompanhá-los da estação Vila Madalena até a estação Anhangabaú, de onde a família teria que seguir até seu longínquo destino na zona leste. Dentro do trem eles se comportam de forma atabalhoada, a mãe lhes serve água e bolachas, inclusive para Mané, que recusou gentilmente. Reclamaram ao descer do trem por terem achado a viagem muito curta, reclamaram também das longas baldeações na linha amarela e não se conformaram de seguir por apenas uma estação até a linha vermelha. Ali, finalmente, Mané transmitiu as últimas instruções, que todos declararam ter entendido, mas quando Mané se dirigia à saída notou que, ao invés de embarcarem no trem, eles o seguiram. Mané então explicou de novo e a mãe sorriu também de novo, a título de entendimento, mas mesmo assim eles o seguiram até a catraca e antes que Mané pudesse fazer qualquer coisa, a filha mais velha cruzou a catraca atrás dele. Por um momento ficaram todos paralisados, Mané e a menina do lado de fora e a família boquiaberta do lado de dentro. A mãe, visivelmente perturbada, quando percebeu o que aconteceu começou uma longa peroração a respeito de não terem dinheiro para pagar uma nova passagem e como iam fazer agora e de onde a menina tinha adquirido tanta torpeza. Diante do impasse, Mané que queria se livrar a todo custo da situação, sacou o seu bilhete único de idoso, encostou-o no leitor da catraca que se abriu e empurrou a garota de volta pra dentro. Depois, sem vacilar, virou-lhes as costas e seguiu em passos rápidos e firmes até o seu destino. 02/02/2016
Mané esta no sopé de um morro lendo uma placa que diz que aquela subida é um local de pagamento de promessas, uma “via crucis” com pequenos santuários que imitam os pontos da Via Dolorosa. Mané não é religioso, muito menos católico e se pergunta por que cargas d’água iria fazer essa subida, uma caminhada de 20 minutos para cima (e mais vinte para baixo) para rever a historia do Cristo, historia esta que ela já viu em Israel no local onde de fato as coisas aconteceram. Suar e fungar morro acima numa cidadezinha perdida no interior de São Paulo, tudo bem que a vista lá de cima é bonita, mas estava parecendo pra Mané que aquele seria verdadeiramente aquilo que chamamos de programa de índio. Eis que Mané, indeciso, se aproxima da primeira estação (“Jesus é condenado à morte”) e se depara com dois peregrinos completamente abatidos, suando e respirando mal, sentados e ofegantes e Mané lhes pergunta: e aí: a subida foi difícil?” Quase sem conseguir falar, o mais jovem diz que a subida é muito muito difícil mas que valia a pena por causa da vista e por causa do bem estar religioso que a subida provoca. Mané insiste, “mas, da pra subir, to na dúvida?” O sujeito, um rapaz de no máximos 40 anos com uma forma física de razoável a ruim, diz então pra Mané: “ah, mas o Sr. deve estar brincando, o Sr. está em excelente forma, vai subir isso aí brincando”. Tendo ouvido esse elogio, a vaidade superou a preguiça e Mané subiu lepidamente até o topo do morro. Lá, depois das 14 estações da paixão de Jesus, Mané encontrou uma vista bonita e uma capelinha. Depois desceu e encontrou a família que o aguardava na pracinha tomando sorvete. 23/01/2016
Mané já disse aqui que a idade não lhe trouxe nenhum indício de que passaria a saber mais das coisas, que a sua existência passaria a ser trilhada de forma mais segura e previsível, ao contrário, Mané tem a sensação de saber hoje muito menos do que já soube antes, as incertezas se acumulam a cada dia, a cada dia Mané parece conhecer menos as pessoas do que conhecia antes mas enfim, algumas coisas Mané aprendeu. Dentre elas Mané aprendeu que tudo passa e que no fim das contas as pessoas sentem falta das situações que se acabam. Quando uma situação se acaba a gente sente falta dela, até mesmo as que um dia a gente desejou que acabassem. Quando uma situação ruim se acaba sente-se falta dela com um misto de alívio. É uma saudade paradoxal porque, se tem alguma coisa que a experiência ensina é que é melhor uma situação ruim, mas conhecida do que a surpresa de uma pior que pode advir. 17/01/2016
O conceito de estar bem de saúde muda conforme o tempo passa. Nos tempos da maturidade, Mané nunca esteve tão bem de saúde como agora. Pelo menos é o que dizem os inúmeros médicos que Mané tem freqüentado. Mal o ano começou e Mané já tem que marcar o retorno para o controle dos diversos itens da sua excelente saúde. O maravilhoso 2016 mal começou e Mané já foi ao oculista e ao dentista. O primeiro detectou uma incipiente catarata que necessita ser acompanhada. E tome exames. O segundo achou que Mané vem cuidando muito bem dos dentes, mas, devido ao adiantado da idade, pequenas coisas se degeneram, faz-se mister a troca de alguma obturações, gengivites a essa altura do campeonato são inevitáveis, coisa insignificante, diz o dentista, mas tem que tratar. Uma radiografia panorâmica, duas ou três sentadas na cadeira dele e “voila”! Ah, sim, ainda no mês de janeiro, Mané tem que voltar ao urologista que depois de penetrá-lo com o dedo do meio lhe disse que estava tudo maravilhoso, no entanto pespegou-lhe um remédio de uso contínuo e retorno de quando em vez, só pra controle, uma vez que a próstata está um pouco aumentada, mas isso é normal com a idade. Depois em março, Mané tem que fazer uma visita ao médico que operou seu estomago, é claro. Outra pequena bateria de exames. Esta tudo maravilhoso por óbvio, mas temos que dar uma olhadinha, digamos agora a cada 10/12 meses. Ah sim, Mané não pode esquecer-se de fazer os exames da tireóide, são mais quatro, mas para quem teve câncer há que se fazer controle por o que, uns cinco anos? Não sei, Mané já esta agendado. É claro que depois de tudo isso Mané vai fazer uma visitinha ao clínico geral que o acompanha há muitos anos. Vai que alguma coisa escapou dos especialistas. Mané tem dó do seu plano de saúde, sifu. Mas depois de junho, liberdade, agora só no ano que vem, que esta chegando cada vez mais rápido. A saúde de Mané nunca esteve tão boa. 16/01/2016
Mané está no hall de um prédio quando toca o telefone que ele atende parado perto da porta. Enquanto fala Mané escuta um barulho de vidro se trincando e também uma pequena pressão no ouvido. Enquanto sua interlocutora ainda fala ele afasta o aparelho do ouvido e olha pra tela. Ainda escutando a voz da moça ele percebe que o vidro do telefone explodiu de dentro pra fora, como quando apertamos uma espinha na cara, uma erupção. Mané sentiu uma coceira no ouvido e retirou de lá dois caquinhos de vidro. E a moça continuava falando. Mané desculpou-se e falou que ligava depois e ficou olhando desconsolado para o iPhone que parecia ter levado um tiro pelas costas. De pronto Mané chamou um táxi com a mão e dirigiu-se pesaroso até uma assistência técnica recomendada por um amigo. No caminho teve os piores pesadelos: dias e dias sem telefone, nada de redes sociais, nada de emails na palma da mão, nem um mísero whatsapp para de desejar bom dia pro grupo da família. O pior pesadelo de Mané estava em curso. Isso sem falar do prejuízo. Mané fez promessas no caminho, Mané teve dor de barriga e enjoo, Mané quase rezou pra que o problema fosse fácil de resolver, Mané por pouco chorou de desespero. Na oficina a atendente olha com olhar de pena pra Mané. Isso é muito comum, diz. A bateria inchou e forçou o vidro até ele trincar. Bateria inchou? Por causa dos excessos de Natal e Ano Novo? A moça dá uma gargalhada, mas avisa que tem conserto, troca de bateria e vidro e talvez o touch. Meia hora, o Sr. espera? Na verdade demorou um pouco mais, mas o celular voltou nos trinques...alívio geral, mas bateria inchar e explodir assim, na orelha de Mané? 06/01/2016
Mané tinha uma oculista com quem se consultou por muitos e muitos anos. Aliás, ela não gostava de ser chamada de oculista, preferia oftalmologista. Mané gostava muito dela. Eis que a moça resolveu abandonar a profissão e diligentemente indicou um substituto com quem Mané se consultou uma vez e não gostou. Passado um tempo desta consulta o novo médico ligou para agendar retorno, como fazem oculistas conscienciosos, mas, como não tinha gostado do sujeito, Mané tergiversou e saiu em busca de outro médico enquanto a sua capacidade de enxergar ia se deteriorando. Mané finalmente encontrou outra oftalmoculista e marcou uma consulta só que a moça parece ocupada e agendou para longe. Enquanto isso, ficar de óculos tornou-se um tormento para Mané. As lentes, aquelas multifocais, já não focam nada e parecem pesar toneladas nos olhos de Mané. A solução que Mané achou, pelo menos enquanto o dia da consulta na chega, é andar sem óculos e Mané, apesar de não enxergar bem, tem gostado da sensação de liberdade e alívio que a experiência esta proporcionando. Sim Mané perde algumas coisas, detalhes, por assim dizer. Não olha pra mais ninguém porque todos se tornaram apenas borrões indefinidos. Aquela moça passando na rua que parece bonita, na verdade não o é. Ou é, mas quando Mané vê já é tarde demais. Isso veio a calhar devido a uma reclamação que a esposa de Mané fez uns dias atrás, de que Mané olhava para as meninas que passavam nas ruas, ao que Mané respondeu se ela preferia que ele olhasse para os homens. Mas deixa pra lá, Mané não olha mais... pra ninguém nem pra nada. A consulta ainda esta longe. 05/01/2016
Mané é pai. Mané é filho. Mané é marido. Mané é irmão e tio. Mané é primo. Mané foi sobrinho. Mané é genro e cunhado. Mané é amigo. Mané é conhecido e colega. Mané é chefe. Mané é subalterno. Mané é consumidor e doador. Mané é motorista. Mané é pedestre. Mané é esportista. Mané é sedentário. Mané tem xilique, mas é equilibrado. Mané faz coisas certas. Mané faz coisas muito erradas. Mané tem bom coração. Mané faz muita maldade. Mané é inteligente. Mané é muito burro. Mane é bonito. Mané é feio. Mané é de vanguarda. Mané é conservador. Mané é de direita. Mané é de esquerda. Mané cuida. Cuidam de Mané. Mané desempenha muitos papéis. Menos um. Quase nunca Mané é Mané. 28/12/2015
Tem duas coisas que Mané detesta ouvir. Uma, é quando alguém vê uma foto dele ou de outra pessoa e diz: "nossa, ele está super bem"! O que a pessoa quis dizer? Que se surpreendeu? Esperava ver uma coisa degenerada e não viu? O alvo do "elogio" está menos decomposto que o esperado? A outra coisa é quando alguém morre ou sobrevive a uma doença grave o outro vem e diz: "ele/a é um/a guerreiro/a"! Que espécie de elogio é esse? Mané leu isso num livro: "Será que somos corajosos o bastante para enfrentar a morte em alguma trincheira? Os que a enfrentam e morrem, são corajosos ou não tiveram alternativa?"26/12/2015
Quando criança Mané espantava-se com a sabedoria dos mais velhos que pareciam ter certeza de tudo. Achava que os adultos eram pessoas de sorte por nunca ter dúvidas nem passar por aflições. No íntimo, porém, Mané duvidava que isso fosse possível. Já velho Mané tem certeza que quando criança não sabia de nada mesmo e hoje, já maduro, Mané sabe sim de uma coisa: que os velhos também não sabem de nada. Publicado 06/12/2010 e republicado em 06/12/2015 com modificações.
Dias atrás fiquei orgulhoso pelo fato de minha esposa ter ganhado um concurso de crônicas e por isso publiquei a foto dela ao lado do banner onde constava seu nome e a premiação. Muita gente curtiu a foto, inclusive pessoas que não me conhecem e nem à minha esposa. Tudo bem continuei “cheio de si” e afinal, as pessoas postam coisas no facebook para isso mesmo. No post da foto, muitos pediram para ler a crônica e, depois de pedir autorização à minha mulher, publiquei o textoque trata de um assunto familiar delicado com bastante exposição pessoal, a deficiência do nosso segundo filho querido. Em termos numéricos, aproximadamente metade das pessoas que curtiram a foto, vieram a curtir o texto, o que é compreensível, pois se trata de uma leitura que demanda alguns minutos, diferente de uma foto ou mesmo um post do Mané. Curtidas à parte, fizemos uma breve análise dos comentários e, além de ficar orgulhosos novamente, constatamos que por mais bela, sensível, verdadeira e todos os outros adjetivos dos quais o texto foi merecedor, ele na verdade não atingiu o seu intuito primordial. A maioria dos elogios fala de “sentimento”, “beleza”, “tenha força”, “você mãe também é especial”, "deus dá a carga conforme a sua capacidade de carregar" e etc, todos lindos elogios pelos quais agradecemos e muito. Mas é aí que reside o equívoco: a maioria das pessoas trata o assunto da deficiência, de qualquer deficiência, como se não tivessem nada a ver com isso e enquanto essa tendência perseverar, aqueles que têm algum caso de deficiência “por perto”, qualquer deficiência, inata ou adquirida, terá que conviver com um problema e não apenas com uma viagem diferente da que os outros estão fazendo, como preconiza poeticamente o belo e robusto texto da Vivi. 02/12/2015
Que Mané fez 60, isso todos já estão nauseados de saber. Mas como Mané fez 60 há muito pouco tempo, ele se da o direito de continuar falando no assunto, pelo impacto que lhe causou a efeméride e também pelo direito de ser repetitivo, já que esta é uma característica da velhice. Datas redondas sempre são impactantes, mas Mané não se lembra de ter se sentido assim aos 40, por exemplo, nem aos 50, por exemplo, de novo. A chegada aos 60 anos fez com que Mané passasse a se sentir muito mais próximo da sua mãe, 81, do que de seus sobrinhos gêmeos de 39, por exemplo, mais uma vez. Perceberam a impactante mágica dessa eqüidistância? Na verdade tudo isso é balela. O que deixou Mané impactado mesmo foi sentar no meio da sala depois da festinha e abrir os presentes a sós com a pequena família, como Mané não fazia há anos. Um monte de embalagens e papéis de embrulho pelo chão fazendo a felicidade do cachorro e todos aqueles comentários que se fazem nestas ocasiões. A camiseta que não coube, o livro que ele já leu, aquela bebida que ele não toma, o perfume que ele não gosta e, bem...Mané não conta mais nada 16/11/2015.
Mané tem que esperar pelo filho no clube. São duas horas de espera então levou com ele um livro e resolveu cortar o cabelo. Mané não gosta de conversar com o barbeiro então diz a ele pra passar máquina quatro e depois fecha a cara. Depois do corte silencioso Mané senta numa das pracinhas do clube abre o livro e mergulha na história. Mané evita olhar para as pessoas com medo de que alguém resolva sentar e conversar. Se for uma pessoa íntima, tudo bem, mas se for um conhecido apenas Mané não quer. Mané abomina conversas de ocasião com pessoas conhecidos. Faltando dez minutos pro horário estabelecido com o garoto, Mané resolve tomar uma água de côco apesar do preço extorsivo, 9 reais por uma garrafinha. Ele encomenda o pedido e o senhor que o atende pergunta se está tudo bem e Mané grunhe uma resposta. O cara pergunta: gelada, sem gelo ou meio a meio e Mané diz meio a meio. O cara pergunta se pode travar a tampa, Mané diz, sim. Tampa com furinho ou sem furinho e Mané diz, sem. Quer canudinho? Não obrigado. Uma sacola plástica? Quando Mané ia responder que não queria sacola viu seu filho chegando e disse pro cara: sabe o que? Não vou querer água de côco, valeu! 7/11/2015
Aproveitando o feriadão Mané fez uma pequena limpeza, daquelas de jogar fora tralhas inúteis que ficam atravancando os espaços e dentre as porcarias guardadas estava essa reprodução do Schrek que Mané ganhou de aniversário há algum tempo atrás de uma turma de colegas de trabalho engraçadinhos, aludindo ao já proverbial mau humor e à baixa tolerância a contrariedades que dominam o dia a dia de Mané. Cada vez que Mané olhava a estatueta ficava se lembrando do recado dos funcionários e agora, enquanto vai envelhecendo, Mané tenta controlar o seu temperamento explosivo, a bem da verdade, com muito pouco sucesso. O que consola Mané é que o ogro em questão, além de ser sabidamente difícil no trato, tem um bom coração e é capaz de boas e generosas ações quando os alvos destas ações, os outros, merecem. E como todos sabem que o problema na realidade sempre são os outros, Mané resolveu se livrar deste objeto feioso e o depositou na garagem ao lado da lata de lixo, mas, antes de abandoná-lo, bateu uma foto pra guardar de lembrança. e para que os que o presentearam saibam qual é a verdadeira opinião de Mané a esse respeito. 02/11/2015
Quando a filha de Mané faz anos significa que o aniversario dele próprio já esta chegando. Menos de um mês separam os dois eventos e Mané, que de modo geral não gosta de aniversários e passou essa aversão pra filha, sempre lembra que no primeiro aniversário que passou como pai, a filha tinha o que? uns 25 dias de vida, teve uma festinha de aniversario na casa onde moravam perto do Ibirapuera. Mané, que estava paternando intensamente, recebeu os amigos sentado na sala com a filha que dormia profundamente, no colo. Estava usando uma camiseta velha que cheirava a leite azedo, uma calça de moleton e descalço. A menina passou as três ou quatro horas que durou a festa na mesma posição, indiferente ao barulho e à movimentação à sua volta. Mané comeu bolo e salgadinhos, ganhou beijos e cumprimentos, assoprou velinhas e conversou bastante e a garota ficou ali sem emitir nenhum som. No fim da festa Mané ofereceu o peito da mulher à garotinha, fez a menina arrotar, trocou a fralda e a colocou no moisés, que tinha ficado vago todo aquele tempo. Ainda tinha algumas pessoas em casa quando a bebezinha chorou no bercinho e Mané correu pra acudir. Ao erguê-, ela regurgitou aumentando a mancha que já tinha no ombro e renovou o cheiro de azedo. Depois disso adormeceu de pronto de novo no colo. Mané já passou por 59 aniversários e este é o único que lhe vem à memória quando pensa nesta efeméride. O 60º vem aí e a menina ainda gosta de dormir, mas já não o faz no colo de Mané. 24/10/15
Pouco depois do café chega um whatsapp e Mané esfrega a tela do telefone para ler e eis que nada acontece. Mané esfrega de novo e de novo, mas o telefone não lhe dá atenção, um monte de whatsapp chegando e nada de Mané conseguir destravar a engenhoca. Mané já imagina o desastre: iPhone pifado, assistência técnica, semanas isolado do mundo, situação sinistra, uma desgraça completa. Mané esfrega a tela quando o telefone toca, ele vê quem chama, mas nada da tela escorregar. Mané testa o sistema de voz, tudo funciona, mas o telefone, qual mulher frígida, não responde aos estímulos do dedo de Mané. Em desespero, Mané tenta desligar o aparelho, mas vem a mensagem, deslize para desligar e a tela não desliza. Em desespero, Mané sai para o seu compromisso não sem antes avisar a família e a mãe, pelo telefone fixo, de que estava isolado, não tentem ligar no celular, não passem whatsapp, não conseguirei acessar o facebook, nada. Ligarei de tempos em tempos no fixo pra avisar que esta tudo bem, adeus. Uma hora e meia depois, já com tremedeira pelos efeitos da abstinência e depois de ter tentado muito truques para reanimar a coisa, toca o telefone de Mané, ele tenta atender e nada. Esfrega a tela com vigor e cogita jogar o aparelho no chão quando se aproxima uma moça que, pedindo licença pergunta o que se passa e Mané, com o olhar desvairado explica e a moça então pergunta se ele quer ajuda e Mané aceita pensando que se for um assalto, tudo bem, que ela leve aquela bosta e tudo mais que ela quiser, mas a moça é bonita, jovem, o que, 25/30 anos e Mané lhe da o celular e a moça esfrega o dedinho e constata que nada acontece e então ela coloca o indicador direito no botão de desligar e o dedão esquerdo no botão “home” e o celular se apaga e pouco depois se reinicia e quando a moça devolve o aparelho pra Mané, tudo esta funcionando novamente. Mané lê as mensagens, checa as mensagens perdidas, calma, tudo vai voltar ao normal e Mané levanta a cabeça e olha para a garota que já se afasta e diz: “obrigado, minha filha!”13/10/15
Mané sabe que isso é irracional, que ele já deveria ter superado esse trauma, afinal sua família nem sofreu as agruras pelas quais passaram as famílias de judeus da Europa, mas, a verdade é que Mané não se sente bem, a principio, diante de um alemão. Para ser justo Mané não se sente bem também diante de poloneses, húngaros, ucranianos, enfim, já sabem do que Mané está falando? E então foi assim, tenso, que Mané ficou quando foi abordado por um magnífico casal, ela loura, olhos azuis, alta e linda e ele loiro, olhos azuis, alto e lindo.
O espetacular espécime masculino se aproxima sorrindo e pergunta: "Sie sprechen Deutsch"? E Mané responde, "nein"! O ariano insiste: "english"? E Mané, que fala inglês, já com extrema antipatia, responde: "no"! Sem se abalar o esplendoroso louro: "any language"? E Mané: "portuguese"! Explodindo numa linda risada que expôs seus maravilhosos dentes brancos, a moça então diz: "any foreign language, sir". E Mané com ar irônico e superior: "hebrew"? e então a loira, fazendo cara de espanto responde:
"!אה, אתה מדבר עברית יפה"! אתה יכול לספר לנו איך להגיע לתחנת הרכבת"
E foi então que Mané relaxou e já andando lhe disse que também estava indo para o metrô que podia levá-los e no caminho perguntou porque diabos um casal de alemães falava hebraico e que na verdade o hebraico dele não é lá aquelas coisas, se eles falavam francês e, sim, eles falavam, então Mané perguntou a eles...bem, o resto já não importa!10/10/2015
Mané sente calor e tateia no criado mudo até achar o celular, aperta o botãozinho, o troço acende e Mané lê: 5;56. Mané não sente mais nenhum sono e então levanta de um golpe só, coloca o travesseiro que estava no chão na cama de novo, pega o telefone e se dirige ao banheiro onde se alivia copiosamente. Depois, sem fazer barulho vai até a sala, checa suas mensagens de email, whatsapp e facebook - quem é que manda tanta mensagem de madrugada -, vai até a cozinha e se depara com uma montanha de louça suja na pia. Mané abre a porta, pega o jornal e passa um vista d´olhos nas manchetes, tem um pequeno lampejo de desanimo e, em seguida começa a lavar a louça com vigor. Quando tudo esta limpinho ele vai até a área onde fica o jornalzinho do cachorro e recolhe com um papel toalha o cocô que o cachorro fez na madrugada, não sem antes ler a manchete encima da qual Milu cagou – Supremo autoriza PF a ouvir Lula na Lavajato – cobre o local com outra manchete – São Paulo vence em casa e volta ao G4 -, pega o jornal do dia e vai ao banheiro novamente com certa urgência, bem, se é que me entendem. Aliviado novamente, sai com cuidado do banheiro para não acordar a esposa, mas esta geme assim mesmo: “está na hora?” e Mané responde baixinho, depois de olhar de novo para o visor do celular: “não, 6:45”! Mané sai do quarto pensando em sentar na poltrona vermelha da sala, mas quando chega Milu já ocupou o local e olha com um olhar de - experimenta me tirar daqui - e Mané então desaba no sofá e fica consultando o facebook quando se lembra de tirar da geladeira a manteiga que a esposa gosta de comer no café da manha e que sempre esta dura porque “nuca ninguém se lembra de tirá-la da geladeira quando acorda cedinho” e, para sua alegria, quando Mané volta à sala, Milu já desceu da poltrona, então Mané ocupa o local com prazer, mas o prazer dura pouco porque Mané vê o cachorro voltando do jornalzinho, o que significa que tem mais um cocô pra tira e Mané vai até o jornalzinho e, não, não é cocô é só xixi e Mané pega outra manchete – setor automobilístico teme ataque de hackers – e coloca encima do xixi, mas Mané acha que tudo ficou muito sujo e resolve recolher todas as manchetes, faz um bolo enorme de papel e depois joga o desinfetante canino no local, passa um pano, põe o pano no tanque mergulhado em água e sabão em pó e volta pra sala. Mané se sente exausto e senta de novo na poltrona, checa os emails, o facebook e o whatsapp - quem é que já mandou tanta mensagem a essa hora da manhã – olha a hora – 8:05, sente um pouco de frio e resolve voltar pra cama no momento em que escuta o filho se levantar e abrir a janela. Mané entra sorrateiro na cama e tem que empurrar a esposa, que ocupou o se lugar, com força e esta geme se esta na hora e Mané lhe diz: sim, esta na hora e então ela, reclamando muito, se levanta, abre a persiana com estrepito, arrasta seus pés até o banheiro mas a essa altura Mané já não escuta nada pois se enrolou no edredon e cobriu a cabeça formando um casulo e mais tarde, às 9:30, quando Mané levantou-se pra tomar o café da manhã, a esposa comentou que ele ressonava, que estava atrasado e se ele não tinha nada pra fazer hoje. Mané respondeu: “a manteiga esta cremosa?”05/10/2015
Mané e Amadeu estão no banheiro há doze minutos. Mané observa Amadeu que observa a torneira com suas entranhas expostas. O registro foi fechado então depois de 18 meses, a torneira de água fria do banheiro de Mané, finalmente parou de pingar. Amadeu coça a cabeça e murmura coisas ininteligíveis. Mané começa a ficar nervoso e coça a cabeça também. Amadeu balança a cabeça de um lado para outro e troca o pé de apoio. Depois de dezoito minutos Amadeu diz: “sei não”! Mané, ainda sem se exasperar pergunta delicadamente, “sei não, o que?” Amadeu então lança pra Mané um olhar bovino e lhe diz que dessa borrachinha não se vende mais. O modelo da torneira é antigo, velho pra ser mais exato e “se for achar esse courinho, só lá embaixo”. Onde lá embaixo?, se desespera Mané; Pra depois do largo, diz Amadeu. Que largo? Depois de mais uns segundos de silêncio, “o 13”, diz Amadeu, “pra lá de Santo Amaro”. Mané vira as costas para sair do banheiro e reclama que não vai ir até Santo Amaro pra comprar uma borrachinha de vedação e Amadeu responde que não vai mesmo pois esse courinho, se ainda fabricar, “eles só vão vender por milhar”! Mas vou ter que comprar mil courinhos?, Mané pergunta. É como ele faz, diz Amadeu. Ele quem?, soluça Mané. O Cipriano. Mas quem é o Cipriano? É meu irmão, diz Amadeu. Desta vez é Mané que coça a cabeça e pergunta pro Amadeu se ele não pode ir até a loja do irmão e pegar dois ou três ou vinte ou cinqüenta courinhos, Mané pode até pagar como se tivesse comprado os mil...Amadeu balança a cabeça e diz que esta brigado com o irmão, que não fala com ele e não pediria nenhum favor a ele, nem por ele mesmo, muito menos pelo “dôtô”. E qual é a solução? O dôtô vai lá, vê se tem esse tipo de courinho, compra o lote, me chama de novo e “nóis troca” todos os courinhos da casa. E esses courinhos servem para todas as torneiras? Ah, não, só pros banheiros e olhe lá, preciso ver se todas as torneiras são da mesma geração. Mané se desespera e pergunta se há outra solução. Tem sim, diz Amadeu, o dôtô troca a torneira. Mané agradeceu e disse que ia resolver, “qualquer coisa a gente se fala”. Amadeu então colocou as entranhas da torneira pra dentro, religou o registro e foi indo embora agradecendo muito pelo café e pelo copo d´água. Mané acompanhou Amadeu até a porta e depois, enquanto se aliviava de um xixi olhou de soslaio para a torneira e, para sua surpresa, ela tinha parado de pingar. 26/09/2015
Mané precisa fazer uma confissão sobre um problema que ocorre na sua casa há mais ou menos 18 meses, desde quando começou esse problema nos reservatórios de água de São Paulo. Aliás, o problema é diretamente relacionado a falta de água e Mané, deixou que coisa rolasse frouxa desde então, o que vem corroborar o comportamento relapso que Mané tem diante dos problemas da vida real. O negócio é o seguinte: no banheiro de Mané tem uma torneira que pinga pinga pinga e pinga e Mané tendo percebido isso há mais ou menos 18 meses não fez nadicaa de nada. A se levar em conta o que dizem, uma torneira pinga pingando, desperdiça, aproximadamente, 40 litros de água por dia, o que, numa conta vagabunda perfaz 280litros por semana, 1.200 litros por mês, 14.400 litros por ano, ou 21.600 litros desde que Mané percebeu o problema. E ele nada fez para resolvê-lo. Mané esta arrependido e pensa em chamar o Amadeu pra trocar a borrachinha pingante, mas antes ele vai reivindicar um “prêmio de gestão hídrica”, o mesmo que recebeu o incompetente Governador Alckmin que, no mesmo período, desperdiçou mais de 1 trilhão e meio de litros de água em inúmeros vazamentos que ocorrem diariamente na combalida rede de água e esgoto da Sabesp.25/09/2015
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